Amor & Ódio e a Prática regular de Exercícios Físicos (Parte 1)

Amor & Ódio e a Prática regular de Exercícios Físicos (Parte 1)

          Olá, amigxs!

          Hoje inicio uma série de colunas que abordarão o assunto Exercício Físico, considerado “inimigo” para uns e “melhor amigo” para outros. Falarei sobre algumas das dificuldades que muitos de nós enfrentamos para aderir à prática de exercícios, embora saibamos os seus potenciais benefícios.

          Assim, nas próximas semanas, Exercício Físico será abordado em um contexto do cotidiano da maior parte das pessoas, contexto um pouco diferente e mais abrangente em comparação ao que tratei nas ultimas semanas - aplicado ao atendimento de pessoas com autismo. Aliás, antes de entrar diretamente no assunto de hoje, saliento que mais uma vez me impressionei positivamente com o aumento na quantidade de leitores interessados nos textos sobre autismo. Fiquei muito contente, amigxs. Obrigado!

          Ainda que, comumente, informações sobre autismo interessem a um publico mais limitado, há indícios de que esse cenário vem sendo ampliado. Os últimos textos da série sobre autismo foram acessados por mais de 2 mil pessoas e este blog passou de 7º, em maio, para o 4º mais lido no ultimo mês dentre todos os blogs da Revide. O aumento na quantidade de pessoas engajadas em leituras e compreensão de questões que envolvem o processo de inclusão certamente permitirá benefícios sociais a todos direta e indiretamente envolvidos. Em algumas semanas, retomarei estas questões.
          
          Adesão à prática de exercícios físicos é para mim um assunto curioso e alvo de estudo e investigação científica desde a graduação. No âmbito da atuação aplicada, especialmente durante os anos que atuei como personal trainer, este assunto me faz lembrar muitos relatos de clientes, alguns contando com entusiasmo suas experiências de sucesso e outros contando histórias de longas e repetidas frustrações.

          Quem nunca fez planos de começar a fazer exercícios físicos no dia seguinte, na próxima segunda-feira, no início do mês seguinte ou após a virada do ano??? Quem não conhece “alguém” que pagou academia e quase não frequentou? Quem não se sentiu meio estranho quando, em uma mesa de bar, ouviu um colega eufórico dizendo que “não vive” sem praticar esporte todos os dias? Em outras palavras, por que para algumas pessoas é tão difícil praticar exercícios físicos diariamente e para outras pessoas é tão prazeroso? Alguns dos meus alunos diziam que acreditavam que uns nasciam com autocontrole e, portanto, conseguiam persistir na prática diária de exercícios enquanto eles não tinham nascido com autocontrole.

          Embora muitos destes relatos possam lembrar situações engraçadas, eles são alvo de estudos científicos e pesquisas de diversas áreas, tais como da Educação Física, da Medicina, da Psicologia e também da Publicidade, Propaganda e Marketing.

          Será que alguns nascem sabendo se autocontrolar e outros não? Para enriquecer a discussão sobre esse fenômeno, convidei uma amiga Psicóloga, a Fernanda Calixto. Ela é doutoranda pela UFSCar e produz pesquisas relacionadas a autocontrole – mais informações sobre ela no final do texto. A participação da Fernanda nos ajudará a entender melhor este fenômeno relacionado à prática regular de exercícios físicos.

          Fernanda, afinal, o que é autocontrole?

Fernanda Calixto:

          Em algumas situações precisamos escolher entre duas opções: (a) agir de uma forma que nos garanta alguma vantagem/benefício no momento da ação, mas que em longo prazo pode ser prejudicial, ou (b) agir de uma forma que nos garanta maiores vantagens em relação à opção (a), porém, somente, em médio ou longo prazo.

          Por exemplo, se eu escolho frequentemente almoçar um hambúrguer, ao invés do tradicional arroz, feijão, carne e salada, esse alimento, apesar de ser saboroso, em longo prazo pode trazer malefícios a minha saúde (diabetes, obesidade, entre outros). Nesse caso, escolher o alimento apenas com base no seu sabor apetitoso, sem considerar seus malefícios a saúde, é considerada uma escolha impulsiva. De modo oposto, escolher se alimentar com base nos efeitos em longo prazo (uma refeição “completa”, por exemplo), ao invés de considerar apenas o sabor apetitoso, é considerada uma escolha de autocontrole.

Paulo: Que legal!
          Onde mais ocorrem situações de escolhas que envolvem impulsividade e autocontrole?

Fernanda Calixto:
          
          Escolhas impulsivas e autocontroladas ocorrem em diversas situações. Por exemplo, o sedentarismo pode ser entendido como um comportamento impulsivo por muitas vezes garantir prazeres imediatos (por exemplo, evito me cansar fazendo exercícios), mas em longo prazo acarreta em malefícios a saúde. Fazer exercícios por outro lado, pode ser considerada uma prática autocontrolada, pois apesar do cansaço físico durante o treino, em médio e longo prazo nos garante boa forma física e nos ajuda a manter uma vida saudável.

          É interessante notar que quando falamos de autocontrole geralmente nos referimos a comportamentos desejados socialmente (por exemplo, ser responsável, se alimentar bem, fazer exercícios, cooperar, etc.) e quando falamos de impulsividade nos referimos a padrões indesejáveis (por exemplo, uso de drogas, compulsão alimentar, irresponsabilidade, etc.).

Paulo: E isto é comprovado cientificamente?

Fernanda Calixto:

          Muitos estudos foram realizados com o objetivo de analisar fatores que aumentam ou diminuem escolhas impulsivas e autocontroladas. Grande parte desses estudos foi realizada com indivíduos com desenvolvimento atípico e/ou com atraso de linguagem, porém independe de diagnósticos, qualquer pessoa pode escolher impulsivamente ou de forma autocontrolada. Isso depende, basicamente, da história de vida de cada um!

Paulo: Então escolhas autocontroladas são entendidas como comportamentos que podem ser ensinados em substituição a escolhas impulsivas. Interessante!

          E como se identifica através de pesquisas que alguém faz escolhas autocontroladas?

Fernanda Calixto:

          Uma forma tradicional de investigar o autocontrole é pedir para o participante escolher uma entre duas opções. Uma opção garante acesso imediato a algo desejado, porém em menor quantidade (representando a escolha impulsiva) e a segunda opção garante o acesso atrasado a algo desejado, porém em maior quantidade (representado a escolha autocontrolada).

          Por exemplo, escolher entre ganhar um alimento ou uma atividade preferida imediatamente ou três alimentos ou três atividades preferidas após 20 minutos. Apesar de ser um procedimento aparentemente simples, diversas pesquisas demonstraram que muitos participantes escolhem ganhar um alimento ou atividade imediatamente apesar de essa opção ser desvantajosa em comparação ao ganho de três alimentos ou três atividades após um atraso de tempo. Em síntese, esses resultados indicam que algumas pessoas escolhem com frequência o acesso imediato a algo desejável mesmo que essa opção em longo prazo seja menos vantajosa.

Paulo: E a partir da identificação de que a pessoa faz escolhas impulsivas é possível ensinar a ela a fazer escolhas autocontroladas?

          Quer dizer que é possível ensinar alguém que comumente faz escolhas impulsivas frente à prática de exercícios físicos a fazer escolhas autocontroladas em médio e longo prazo?

          As respostas para estas perguntas e discussões adicionais serão apresentadas nesse blog daqui uma semana.

          Espero que tenham gostado deste novo formato de texto e destes novos assuntos.
          
          Até daqui uma semana!
          Abraços. ;)

Bibliografia de apoio:
Mischel, W., Ebbesen, E. B., & Zeiss, a R. (1972). Cognitive and attentional mechanisms in delay of gratification. Journal of Personality and Social Psychology, 21(2), 204–18.

Newquist, M. H., Dozier, C. L., & Neidert, P. L. (2012). A comparison of the effects of brief rules, a timer, and preferred toys on self-control. Journal of Applied Behavior Analysis, 45(3), 497–509.

Fernanda Calixto
- Doutoranda em Psicologia pela UFSCar
- Mestrado em Análise do Comportamento pela UEL
- Graduação em Psicologia com ênfase em Análise do Comportamento
- Mais informações: Lattes - https://lattes.cnpq.br/7438408946552610
- Contato: [email protected]

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