Exercício Físico & Autismo – Habilidades motoras e desempenho esportivo

Exercício Físico & Autismo – Habilidades motoras e desempenho esportivo

          Olá, pessoal!

          Ratificando a discussão que apresentei na coluna há uma semana (Exercício Físico & Autismo – Benefícios Gerais) inicio o texto de hoje refletindo sobre a discordância de atuações e concepções de alguns profissionais acerca de existência de “Esportes para pessoas com Autismo”. Tampouco concordo com “Esportes Adaptados para pessoas com Autismo” (ou para pessoas com deficiência). Entendo que essas nomenclaturas e áreas de atuação são baseadas no princípio da “Normalização”, ou seja, há um conjunto de exercícios físicos e esportes criados para pessoas que apresentam desenvolvimento típico (que pessoas leigas as chamam de “pessoas normais”) e, então, para aqueles não se “adequam” a estes exercícios físicos e esportes padronizados são criados paralelamente outros –> “cada um na sua caixinha”.

          Não! Parto do princípio da “Equiparação de oportunidades de aprendizagem” - devemos elaborar os exercícios físicos e quaisquer esportes com o propósito de possibilitar o máximo de aprendizagem para todos aqueles envolvidos. Parece óbvio pensar assim, amigos, mas não é esse o cenário atual de atendimento às pessoas com desenvolvimento atípico (incomum).

          Considerando a reflexão prévia, vamos falar sobre o planejamento de exercícios físicos e esportes que possibilitem aprendizagem máxima de habilidades motoras para pessoas que apresentam alguns dos comportamentos que são comuns ao do espectro do autismo, nos seus diferentes graus de desenvolvimento. Por exemplo, a depender do grau de desenvolvimento do repertório de socialização, pode ser necessário planejar um ambiente de prática em espaços mais restritos, com poucos e mesmos materiais ao longo das sessões e também as mesmas pessoas e instruções envolvidas. Estas medidas tanto aumentam significativamente a probabilidade de que os praticantes prestem atenção no que devem fazer, encorajando-os a engajarem nas atividades quanto diminuem a probabilidade de ocorrência de estereotipias e comportamentos agressivos ou autolesivos.

          Importante: Ao longo das sessões e à medida que diminuam as ocorrências de comportamentos inadequados, novos estímulos devem ser introduzidos, gradativa e cuidadosamente, e os materiais, as instruções e o ambiente modificados. Além disso, pensando em benefícios em longo prazo, aos poucos deve ser introduzida a oportunidade de escolha destes materiais ou exercícios, mas sobre isso trataremos em outro momento.

Exemplos:
A)   Previsibilidade - Se for usar uma bola amarela, use-a sempre:
        - Mesmas características: cor, tamanho, textura, odor e peso;
        - Se possível, disponibilizar a bola no mesmo local/prateleira/armário;
        - Bolas diferentes podem ser usadas em atividades diferentes mas, se escolher usar a bola amarela no basquetebol, prefira usá-la sempre que for realizar este esporte.

B)   Ambiente estruturado:
        - Salas com poucos materiais e ambientes fechados;
        - Atividades específicas realizadas em espaços demarcados;
        - Evitar campo aberto com barulho, muitas luzes e cores diferentes;
        - Sempre que possível, a condução da aula deve feita pelo mesmo professor;
        - Pode haver um painel mostrando a sequência/rotina das atividades;
        - Caso o aluno apresente comportamentos agressivos com frequência pode ser preferível o uso de equipamentos de segurança, como balizas ou escudos nas laterais de esteiras ou bicicletas ergométricas;
        - Se o aluno tiver pouco equilíbrio postural, prefira bicicletas com rodinhas ou mesmo bicicletas ergométricas, invés de esteiras elétricas ou corridas em pistas.

C)   Instruções ou dicas (prompts):
        - Garantir contato visual prévio. Se o aluno não estiver olhando para o professor, então: “João, olhe para mim!”. Em alguns casos pode ser ainda necessário auxílio físico, tocando-o levemente no rosto enquanto você fala;
        - Informações consistentes, como:
                > Use: “Agora, correr em zigue-zague”;
                > Em vez de variar as informações todos os dias ou sessões como: 1o Dia - “Agora, correr em zigue-zague” / 2o Dia - “Vamos correr em zigue-zague pelos cones” / 3o Dia - “Vamos ali para a pista correr, João”;
        - Sequência/Contexto definido: Caso “Chutar a gol” seja o segundo exercício de uma sequência de três, então, chegado o momento de realizá-lo, dizer:
                > Use: “Agora, chutes ao gol”;
                > Em vez de: “Olha, João, agora que acabamos de correr em zigue-zague e você não derrubou os cones, vamos fazer outra atividade que você vai gostar, vamos chutar a bola naquele gol, e por ultimo nós ainda vamos fazer cabeceios. Você me entendeu?”;

        As modalidades de exercícios/esportes mais comumente descritas pela literatura científica quando discutidos sobre os efeitos da prática de exercícios físicos e pessoas com autismo incluem: natação, caminhada, corrida/trote (ou cooper) em esteira, ciclismo (estacionária ou em pistas), equoterapia, treino resistido/musculação, hidroterapia e futebol. Nota-se que a maioria das modalidades citadas é executada individualmente ou em pequenos grupos e priorizam benefícios cardiovasculares. No entanto, não há evidências científicas que nos possibilitem concluir que devemos priorizar a prescrição de exercícios individuais e predominantemente aeróbios para pessoas com autismo em detrimento de exercícios de outras naturezas. A questão crucial está na elaboração adequada e cuidadosa do procedimento que atenda às características particulares do praticante: o que é prioritário desenvolver com ele, seus interesses e suas possíveis restrições.

        Há muitas outras implicações pertinentes à prescrição de exercícios físicos/esporte e pessoas com autismo que poderiam ser discutidas aqui como, por exemplo, a necessidade de registro de dados que possibilitem decidir sobre a necessidade de manutenção ou de alteração das estratégias de ensino, mas que ficarão para uma próxima oportunidade. Espero poder incentivar meus alunos e amigos de profissão a refletirem sobre estas questões, pois temos ainda um caminho longo a percorrer até que tenhamos um atendimento equiparado e de qualidade para todos.

        Ficarei contente em receber comentários, críticas e sugestões... temos muito a explorar! ;)

        Sábado seguinte, daqui uma semana, estarei de volta. Até lá!
        (https://www.facebook.com/modeloexerciencia/)

Quer entender um pouco mais sobre o assunto? Sugestão de leitura:
Sowa, M.; & Meulenbroek, R. (2011). Effects of physical exercise on Autism Spectrum Disorders: A meta-analysis. Research in Autism Spectrum Disorders, 6 (46-57).

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