Exercício Físico & Autismo – Redução de Estereotipia (Parte 1)

Exercício Físico & Autismo – Redução de Estereotipia (Parte 1)

          Olá, amigos!

          A temática que tratarei hoje se refere aos efeitos da prática de exercícios físicos para redução de estereotipia. O assunto é tão complexo que resolvi dividir meu texto em três partes. Hoje, então, parte 1.

          Afinal, o que é essa tal estereotipia? Em linhas gerais, são comportamentos motores ou verbais incomuns, “estranhos”, “problemáticos” ou ainda exibidos fora de contexto comum e que algumas pessoas leigas chamam de “rituais autísticos”. Para fins desse blog, vamos entender que são comportamentos inadequados socialmente e que às vezes ocorrem com altíssima frequência e/ou intensidade, tais como repetir um único som, balançar as mãos, balançar para frente e para trás o corpo ou ainda girar em torno do próprio eixo longitudinal, pular em frente à TV ou ao rádio, olhar fixamente objetos que giram (ventiladores, rodinhas, pêndulos), correr estranhamente sem sinalizar uma finalidade evidente, andar na ponta dos pés – de bailarino e alternar dedos e as mãos em frente ao rosto.

          A partir disso você pode estar se questionando: Uai! Eu também faço isso! Então, neste caso, eu te respondo: Sim, todas as pessoas apresentam em algum grau estes comportamentos, mas a grande diferença está no tempo em que determinadas pessoas se engajam ininterruptamente neles e também na intensidade que eles interferem negativamente na vida diária. Algumas crianças podem ficar horas repetindo uma mesma palavra ou frase ou ainda girando a roda de um caminhão de brinquedo.

         Embora seja possível encontrar na mídia televisiva alguns “profissionais” que tratam dessa temática no contexto do ensino de pessoas com autismo, a verdade é que a maior parte desses atendimentos ocorre por “tentativa e erro”. Isso quer dizer que frequentemente submete-se a criança com autismo a certos exercícios arbitrariamente, sem fundamentar o tratamento em evidências científicas. Assim, às vezes é até possível observar alguns ganhos na redução da estereotipia do aluno, mas as chances de agravar esse quadro, prejudicial ao seu convívio social, é igualmente possível ou até maiores. Se o cenário contrário ao que possibilita benefícios ao aluno fosse apenas de ineficácia no tratamento da estereotipia, então seria Lindo, mas não é... e ele pode ser desastroso, amigos!

         Então não basta ao profissional de Educação Física (ou de Fisioterapia, TO, Pedagogia ou áreas afins) dominar as técnicas e estratégias de prescrição de exercícios baseado apenas em noções fisiológicas, anatômicas ou biomecânicas, que são áreas apresentadas comumente nos cursos de graduação. Para aumentar as chances de sucesso no atendimento, o profissional precisará investigar as condições em que as estereotipias são mais e menos prováveis de ocorrerem (chamamos isso de Avaliação Funcional – dica de leitura no final do texto) e, principalmente, saber planejar a intervenção com exercícios físicos adequados às condições previamente investigadas.

         Uma parte da explicação para esse conjunto de atendimentos baseados em “tentativa e erro” está relacionada com a literatura disponível, pois há dezenas de estudos que fazem comparações dos efeitos das intervenções com controle entre grupos. Um exemplo de pesquisa com controle entre grupos seria: de 40 crianças que apresentam graus diferentes de estereotipia e ocorrência em diferentes contextos, 20 delas são submetidas a um conjunto de exercícios (grupo intervenção) enquanto que as outras 20 crianças não realizam os exercícios (grupo controle). Em geral, estes estudos “afirmam” que a intervenção com exercícios físicos foi benéfica, mas apresentam como resultado apenas a média das 20 crianças e não os dados individuais. Este tipo de análise apresenta, no mínimo, três problemas:

               1. A discussão dos resultados não evidencia a relação direta de causalidade entre as especificidades do exercício físico prescrito e os efeitos na redução da estereotipia justamente porque os efeitos são diferentes para cada aluno. Se houvesse relação direta (intervenção 100% eficaz), a redução da estereotipia deveria ser a mesma para todos do grupo intervenção.
               2. Os resultados da média podem “esconder” dados individuais que possivelmente mostrariam aumento da estereotipia ou até de outras possíveis complicações como efeito da prática de exercícios.
               3. Há pouca previsibilidade de que resultados similares ocorreriam se os exercícios fossem aplicados em outros lugares ou em outros momentos. Com frequência, as pessoas com autismo que participam na pesquisa no grupo intervenção são submetidas a outros tratamentos paralela e conjuntamente (geralmente um “pacote de intervenções” por diferentes profissionais). Assim, há uma imprevisível influência externa desse “pacote” nos resultados da pesquisa vigente e isso impossibilita ao profissional estimar se o mesmo grau de influência afetará os resultados da aplicação dos exercícios em outras ocasiões.

          Resumindo, há muitos “profissionais” e estudos que afirmam as múltiplas vantagens de prescrever exercícios físicos para reduzir estereotipias, mas que, na maioria desses casos, são afirmações baseadas em senso comum e limitadas a análises superficiais. Estes tipos de estudos pouco me interessam e tampouco abordarei aqui. A abordagem científica que recomendo para as intervenções com exercícios físicos para reduzir estereotipias é a Análise do Comportamento Aplicada – ABA (do inglês: Applied Behavior Analysis).

         A despeito de eu ter apresentado muitos pontos negativos dos atuais atendimentos e pesquisas nesta parte 1, há recomendações formidáveis e dicas importantíssimas que apresentarei na parte 2 acerca do atendimento a pessoas com autismo. Sei que até agora eu posso ter passado uma imagem de pessimismo ou até desanimadora para alunos em formação ou recém-graduados, mas o propósito inicial foi alertar sobre a necessidade de melhor formação de profissionais para atender com qualidade pessoas com desenvolvimento atípico, neste caso do blog - que apresentam estereotipia.
         
         Então, na parte 2 eu falarei sobre o planejamento de procedimentos de intervenção com exercícios físicos que possibilitem prever o sucesso na redução de estereotipias. Adianto: profissionais que forem capacitados e dominarem as estratégias e tecnologias de atendimento baseadas nos princípios da Análise do Comportamento, algumas das quais tratarei aqui nas partes 2 e 3, certamente estarão muito mais bem preparados para intervir com qualidade nesse mercado em expansão.

          Volto com texto novo -  a Parte 2 - daqui uma semana. Até lá, amigos!

Dicas de leitura:
Iwata, B. A. (1994). Functional analysis methodology: Some closing comments. Journal of Applied Behavior Analysis, 27 (2), 413–418.
Hanley, G. P.; Iwata, B. A.; & McCord, B. E. (2003). Functional analysis of problem behavior: a review. Journal of Applied Behavior Analysis, 36 (2), 147–185.

Imagem de destaque - Fonte: www.timothyarchibald.com.

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