Que possamos encontrar a nossa própria cor, seja ela qual for!

Que possamos encontrar a nossa própria cor, seja ela qual for!

Há alguns dias assisti a esta animação denominada 'alike' de forma despretensiosa apenas como forma de entretenimento em um momento de descanso. No entanto, esta me fez pensar em várias questões e acredito que irá provocar reflexões em vocês também. Vamos assistir juntos?

 

Como assistir a este vídeo e não pensar sobre a nossa própria vida, não é mesmo? Como não refletir sobre o rumo que estamos trilhando na busca muitas vezes incessante pelo sucesso, dinheiro ou mesmo pela sobrevivência? Penso principalmente nos casos de quem acredita não poder nem se permitir pensar em outras possibilidades, pois no fim do dia precisa sustentar uma família com quem se preocupa.

Diante disso, acredito que é um grande desafio nos mantermos vivos e não apenas existindo em meio ao caos das nossas rotinas de trabalho, estudo e várias outras demandas que o mundo nos coloca assim que saímos do conforto do útero (quentinho e ainda sem grandes regras) de nossas mães. Como, então, podemos ser seres únicos e singulares em uma sociedade que tende ao automatismo e à maquinização da vida? Como manter nossa cor, nossa vitalidade em uma sociedade em que a cada dia a subjetividade é deixada de lado para nos adequarmos às regras e padrões cada vez mais exigentes e desumanos? Não estamos mais no fordismo em que cada peça deve ser exatamente igual à outra, mas o contraditório é perceber que esta lógica continua se reproduzindo na vida (ou não vida) humana. Como assim? O que estou querendo dizer?

 Quando me remeto à vida humana penso na variedade de sentimentos e emoções próprias do ser humano que nenhum outro ser vivo possui ou, pelo menos, não da forma que nós nos expressamos. Penso, então, nas emoções mais intensas como a paixão e a raiva, que poderiam ser representadas por uma cor viva como o vermelho ou, então, penso nos derivados do amor fraternal com uma cor mais leve e pastel como um salmão ou azul clarinho. Ou seja, é possível identificar uma alteração no estado de humor, que pode ser percebida de diversas formas: pela expressão do olhar, por meio de um sorriso, por meio de uma lágrima que escorre, por uma tonalidade de fato mais apática de uma pessoa deprimida, que se apresenta sempre cabisbaixa, com roupas escuras ou também de uma pessoa que está muito feliz e que os olhos brilham de uma forma tão bonita e vigorosa que anima até quem passa na rua ao lado. Ou seja, com isso tento demonstrar que nós, seres humanos, somos diferentes por podermos pensar, sentir, nos emocionar e compartilhar sentimentos com os outros. Mas, o que é representado no vídeo é o oposto desse estado, é a desvitalização do ser humano, é a falta de tonalidade e de aspecto diferenciador de um e de outro, numa vã tentativa de sermos todos iguais, como o próprio título do vídeo demonstra: 'alike'.

Sinto, assim, o perigo de nossa capacidade criativa e imaginativa ser minada por essa sociedade que tenta igualizar a todos, não no sentido humanitário e justo de sermos todos iguais e, portanto, termos os mesmos direitos, mas sim no sentido de esconder a nossa possibilidade de ter direitos e de podermos ser desejantes. Penso que isso acontece desde que somos pequenos quando a educação formal insiste em podar a imaginação, a possibilidade de pensar e de criar de uma criança, impondo fórmulas, conhecimento decorado, foco em aprovações e competições. Isso pode ser visto também desde cedo no mercado de brinquedos infantis, em que se produzem brinquedos (ou máquinas?) que fazem tudo pela criança, cabe a ela apenas observar passivamente o espetáculo que o brinquedo produz, sem poder, assim, sobrar tempo para que possa criar, entediar-se e frustrar-se, o que é extremamente importante para o desenvolvimento do pensamento.

Será, então, que o correto é ficarmos desvitalizados, sem cor, sem tonalidade, porém adaptados ao mundo lá fora? E o mundo de dentro da gente, como que sobrevive assim? Sendo imperiosamente destruído, ignorado? Até pode ter um aparente bom desenvolvimento externo (quem nunca desejou ser aquele bom aluno que sabe todas as respostas decoradas e que o professor tanto elogia ou ser o funcionário do mês que possui sua foto estampada na parede, mas muitas vezes passa por cima de seus limites, possibilidades, às vezes até de sua própria saúde para se transformar na empresa?), mas deste modo muitos deixam de SER para REPRESENTAR uma marca ou empresa.

Gostaria de enfatizar a cena na animação em que o pequeno filho já entendeu como a música toca e que coreografia deve ser dançada e, então, mais que depressa já abre os braçinhos para que o pai coloque a mochila pesada de obrigações e funções, que massacram a coluna feita de ossos. Talvez esta seja uma boa metáfora para o fardo que é carregar o que o mundo impõe! Penso que esta parte do vídeo é repleta de dor misturada com sensação de ter adquirido o que tanto desejava (ou desejavam por você) quando se percebe que seu organismo já está moldado, adaptado ao que esperam de si, mas o que você quer para si mesmo? Será que ainda existe alguém aí dentro ou este já foi corrompido, esquecido, decapitado? Parece trágico a forma que digo, mas a vida não é mesmo muito justa. Mas podemos lutar para que a nossa verdade seja a mais justa e honesta possível para nós mesmos.

Estou dizendo que temos que ir contra tudo que é posto em nossa sociedade? Não, o caminho dos extremos podem ser ambos caminhos de loucura, porém penso ser possível encontrar cor em pequenas atitudes, gestos e situações do nosso dia a dia, podendo assim, manter nossa verdade viva dentro de cada um, mesmo que permeada por necessidades externas que nos indique alguns caminhos possíveis, mas não O único caminho correto. Assim, talvez, consigamos perceber que o mais importante não é o que os outros querem que sejamos, mas sim o que queremos ser, mesmo que isto mude todo dia a cada minuto. Afinal, a vida é assim, muda a todo tempo e que bom, não é mesmo? Melhor mudar, transformar, ser cada dia uma pessoa do que seguir existindo como apenas mais um da produção em massa! Que possamos, assim, encontrar a nossa própria cor, seja ela qual for!

Referência: "Alike" é uma animação dirigida por Daniel Martínez Lara & Rafa Cano Méndez.

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