FIQUEM DE OLHO - QUEREM EXCLUIR AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA POR UM SALÁRIO MÍNIMO
Conforme a Exposição de Motivos Interministerial – MPS/MF/MP e o Parecer da Comissão Mista, a Medida Provisória 664/2014 busca equacionar algumas disparidades entre o Regime Geral de Previdência Social e o Regime Próprio dos Servidores Públicos, estendendo a esse parte das alterações introduzidas naquele, “de forma a promover a aproximação das regras referentes à pensão por morte constantes dos dois regimes”.
Um dos elementos norteadores dessa MP é, portanto, o princípio da isonomia, o qual, entretanto, será afrontado (a par de igualmente desrespeitado o princípio da vedação do retrocesso social), caso mantido o texto aprovado dorespectivo Projeto de Lei de Conversão - no tocante aos artigos 16, I e III, e 77, IV e § 4°, da Lei nº 8.213/91 e 217, IV e VI, e 222, III, da Lei 8.112/90 -, se sancionado, subsequentemente, o texto do Projeto da LBI (atualmente no Senado Federal) em relação aos preceitos legais daquela Lei. Isso porque resultarão inobservados, de um lado, o paralelismo entre o RGPS e o RPPS e, de outro, o avanço em relação aos direitos e conquistas das pessoas com deficiência.
Ante a necessidade de se evitar a acenada afronta, explicitamos algumas razões para a alteração do proposto para os citados preceitos legais.
No Projeto de Lei de Conversão à Medida Provisória 664/2014, da Relatoria do Deputado Carlos Zarattini, aprovado na Comissão Mista, foi conferida a essas regras legais redação distinta daquela dada, pelo Projeto da Lei Brasileira de Inclusão, aos dispositivos da Lei nº 8.213/91 , visto que esse Projeto (LBI) reconhece à pessoa com deficiência intelectual, a exemplo do artigo 16 da Lei 8.213/90 (artigo 101 desse PL), a condição de dependente do segurado do RGPS, sem menção à incapacidade ou exigência de que seja essa declarada pelo Poder Judiciário:
“Art. 16. ....................................................................................................................................
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ouque tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;
...................................................................................................................................
III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;”
De fato, o estabelecimento de necessidade de interdição para o reconhecimento da condição de beneficiário dos segurados dos Regimes Geral e Próprio da Previdência Social - ou a referência à incapacidade absoluta ou relativa da pessoa com deficiência - contraria, entre outros, um dos propósitos primordiais da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU (CPCD), qual seja, o de “promover, proteger e assegurar o exercício pleno e eqüitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente”, bem como ignora a obrigação de que os Estados Partes reconheçam “que as pessoas com deficiência gozam de capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida”.
A adoção de todas as medidas necessárias à concretização desses princípios e propósitos é imperativa, abrangendo inclusive medidas legislativas, “para modificar ou revogar leis, regulamentos, costumes e práticas vigentes, que constituem discriminação contra pessoas com deficiência” (artigo 4, item 1, b). Isso porque essa Convenção foi aprovada, em cada Casa do Congresso Nacional, em conformidade com o artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal, constituindo, pois, norma constitucional.
Vale lembrar que o aludido PL 7.699/2006 (da Lei Brasileira de Inclusão), aprovado pelo Plenário da Câmara, em 5.3.2015, introduz preceitos destinados a materializar, no plano jurídico interno, os ditames da CPCD e modifica aqueles que evidenciam conflito com os princípios dessa Convenção. Desse Projeto de Lei (LBI) extrai-se que a curatela ou tutela é medida extraordinária e concernente apenas a atos negociais. Tal redação conforma-se com o artigo 12 da CPCD e atende aos anseios de inúmeras pessoas com deficiência e suas famílias.
Já aprovado, pois, no âmbito da Câmara dos Deputados, esse avanço, sendo pouco provável, de outro lado, a rejeição dessa compreensão pelo Senado Federal, implicará nítido retrocesso social aos direitos da pessoa com deficiência intelectual a exigência de reconhecimento da incapacidade relativa ou absoluta – ou declaração judicial dessa incapacidade -, prevista no PLC à MP 664/2014.
Cumpre ressaltar, outrossim, que tal exigência constitui um paradoxo inexplicável em relação ao citado Projeto de lei (LBI) aprovado pela Câmara há menos de 2 (dois) meses.
Vale registrar que, no Projeto de Lei de Conversão, foi reiterada, no artigo 77 da Lei 8.213/91, que trata dos momentos de cessação do direito à percepção da pensão, a incapacidade do beneficiário e o levantamento de interdição:
“Art. 77. ...............................................................................................................
§ 2º O direito à percepção de cada cota individual cessará:
....................................................................................................................
II – para o filho, a pessoa a ele equiparada ou o irmão, de ambos os sexos, ao completar vinte e um anos de idade, salvo se for inválido ou com deficiência;
III – para o filho ou irmão inválido, pela cessação da invalidez;
IV – para o filho ou irmão que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz ou deficiência grave, pelo afastamento da deficiência ou pelo levantamento da interdição;”
O mesmo se verifica na redação proposta, também nesse PLC, para o inciso III do artigo 222 da Lei 8.112/90, pelo que também esses merecem ser alterados para garantir, no futuro, a simetria do seu teor com o do artigo 77, IV, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela LBI.
Considerando que a pensão por morte do segurado, de qualquer dos Regimes de Previdência, é um benefício que visa à preservação da dignidade daqueles que dele dependiam, não se pode condicionar sua concessão à exigência de declaração judicial ou ao reconhecimento da incapacidade, notadamente se necessário o reconhecimento mediante avaliação que não guarda sintonia com o disposto na Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e no artigo 2º do Projeto de Lei 7.699-A de 2006. Esse entendimento implicará restrição ao gozo desse direito e de tantos outros, em nítido recuo aos avanços conquistados por ocasião da ratificação da Convenção e da aprovação do Projeto da LBI na Câmara Federal.
Reafirma-se, ainda, a desigualdade que o legislador imporá às pessoas com deficiência, conforme o regime a que vinculados os segurados de que dependentes, sendo inaceitável a concessão de tratamento não isonômico e não equitativo a essas pessoas, no caso, os filhos de trabalhadores da Lei nº 8.213/91 e os filhos dos servidores públicos federais, regidos pela Lei 8.112/90. Efetivamente, como dito, caso sancionado o PLC em debate e, em momento posterior, também o Projeto da LBI, prevalecerá o texto estabelecido nesse último para o artigo 16, I e III, da Lei nº 8.213/91 (RGPS) – que atribui a condição de beneficiário do segurado ao filho ou irmão independentemente da necessidade de reconhecimento da incapacidade ou de declaração judicial dessa - , o que concorrerá para a afronta ao princípio da igualdade entre pessoas com deficiência, porque remanescerá a previsão de tal necessidade no artigo 217, IV e VI, da Lei 8.112/90 (RPPS).
Pedimos outrossim a não revogação do disposto no artigo 77, § 4º, da Lei 8.213/91 – segundo o qual “A parte individual da pensão do dependente com deficiência intelectual, mental ou severa que exerça atividade remunerada, será reduzida em 30% (trinta por cento), devendo ser integralmente restabelecida em face da extinção da relação de trabalho ou da atividade empreendedora”. Vindicamos, ao contrário, seja essa regra mantida no RGPS e estendida para o RPPS mediante a inclusão de parágrafo no artigo 222 da Lei n° 8.112/90. Embora esse preceito reduza o valor da pensão, deixa patente a possibilidade de manutenção da qualidade de beneficiário mesmo quando a pessoa com deficiência intelectual está trabalhando, ou seja, o trabalho remunerado não afasta o direito à percepção da pensão. Sendo esse dispositivo revogado (artigo 11 do PLC) - e não introduzido outro que deixe patente a compatibilidade entre a atividade remunerada, por parte das pessoas com essa deficiência, e a percepção do benefício previdenciário - o ingresso no mercado de trabalho será desestimulado pelos responsáveis ante o temor de que, na sua falta, fique o filho sem direito de receber pensão. Ressaltamos que, caso procedida a revogação proposta, é preciso deixar indene de dúvida, em outro preceito, a possibilidade de a pessoa com deficiência intelectual trabalhar sem que isso gere a perda do direito ao benefício.
Postulamos, por fim, a inclusão de preceito disciplinando a avaliação da deficiência para fins de concessão do benefício, sob pena de que a lacuna constitua óbice a esse direito, caso adotada natureza e forma alheias aos princípios da CPCD (que será regulamentada pela LBI). O receio é de que o texto da lei conduza à interpretação de que a deficiência deve ser verificada exclusivamente pelo perito do INSS, à margem de uma avaliação pautada nos princípios da CPCD, tal qual a prevista na LBI. Na inviabilidade de tal inserção no texto da lei, pedimos que tal menção conste ao menos da justificação do PLC.
Todas essas observações visam a equiparar o RPPS ao RGPS quanto à pensão por morte do segurado que tem filho com deficiência intelectual, bem como objetivam evitar empecilhos à percepção do benefício, por parte dessa parcela da população, e, por fim, evitar entendimento de que condicionado à interdição judicial o reconhecimento do direito ao benefício previdenciário devido ao filho (a) com deficiência intelectual (deve essa medida excepcional de restrição da capacidade – relativamente a atos negociais - ocorrer apenas quando absolutamente necessário).
Acreditando que serão realizados os ajustes necessários à concretização, acima de tudo, da dignidade das pessoas com deficiência intelectual, agradecemos desde já.