SEU BEBÊ APRENDE MESMO QUANDO VOCÊ NÃO ENSINA

SEU BEBÊ APRENDE MESMO QUANDO VOCÊ NÃO ENSINA

Sabe aquele momento que você está fazendo uma prova objetiva (com alternativas) que não sabe a questão, mas por exclusão das opções dadas, você com certeza sabe que acertou?

Pois bem, um bebê de 19 meses é capaz de realizar uma tarefa semelhante!

Na Análise do Comportamento existe um fenômeno chamado Responder por Exclusão, que é basicamente o processo que você faria no exemplo citado acima. É um fenômeno bastante estudado nas pesquisas sobre como as pessoas aprendem a relação entre palavras e objetos ou situações.
Pesquisas na área têm investigado sobre o Responder por Exclusão com diversas populações: animais (abelhas, cães); adultos e crianças com algum atraso no desenvolvimento e bebês.
Mas como avaliar isso em bebês que, normalmente, estão aprendendo as primeiras palavras?
Quando nós estudamos como os bebês aprendem a relação entre um nome e um objeto, nós seguimos alguns passos. Nós planejamos cuidadosamente uma brincadeira para o bebê. Explicando melhor, quando nós fazemos uma pesquisa com bebês, nós adultos estamos trabalhando, mas os bebês estão brincando, como eles brincam na casa deles. Vamos ver como é. 
Em uma sala reservada na creche, na escolinha ou em casa, nós oferecemos para o bebê vários brinquedos ao mesmo tempo. Em um primeiro momento, o bebê já conhece os brinquedos que nós oferecemos e ele também conhece os nomes, como a boneca, o carrinho, o auau. Então, a gente pede para o bebê: “Pegue o “auau” para mim”. Depois que ele pega o auau, pedimos os outros brinquedos usando a mesma frase: “Pegue o ... para mim” e vamos mudando o nome dos brinquedos até o bebê pegar cada brinquedo que nós pedimos. 
Fazendo esta brincadeira de “Pegue o.... para mim”, nós temos certeza de que o bebê compreende o que pedimos. Mais importante ainda, nós garantimos que o bebê responde a uma relação entre um objeto (o cachorrinho) e a palavra “auau”. Olha como isso é importante!!
A palavra cachorro/auau não se parece em nada com o brinquedo, nem com um cachorro de verdade, mas quando o bebê ouve a palavra “auau”, ele é capaz de pegar o cachorro de brinquedo e ele não pega a boneca ou o carrinho. A gente pode dizer de um outro jeito: ou ele escolhe o cachorro ou ele não escolhe a boneca nem o carrinho. Viram como parece complicado para o bebê? Mas todos nós aprendemos assim e nossos pais e mães, em geral, não planejam ensinar estas relações desta maneira. Eles nos ensinam o tempo todo quando conversam conosco e nos pedem coisas dizendo os nomes delas.
Depois que o bebê relaciona todos os brinquedos conhecidos com os seus nomes, a brincadeira muda um pouco. Nós mostramos para o bebê a boneca, o carrinho, o auau, mas nós também acrescentamos um brinquedo “novo”. No meio dos brinquedos que a criança conhece, nós colocamos um brinquedo que a criança nunca viu e uma palavra que ela nunca escutou porque a gente inventou o brinquedo e a palavra! Aí nós pedimos “Pegue o “xede” para mim”. O bebê, muito provavelmente vai escolher o brinquedo que a gente inventou e que corresponde ao nome “xede”, que também foi inventado. 
Em 99% dos casos que nós oferecemos a possibilidade de o bebê escolher um brinquedo novo diante de um nome novo, ela responde por exclusão! Mas, e quando é que ela começa a fazer isso? Algumas crianças começam mais cedo do que outras. No nosso laboratório, nós investigamos vários bebês bem pequenos e verificamos que aos 10 meses eles já podem fazer isso. Pode ser que alguns comecem antes e outros depois desta idade.
Ok, legal! Mas aí vocês podem perguntar: Então o bebê aprendeu “de primeira”? O bebê aprendeu que aquele objeto – peludinho, redondinho, de um formato pouco familiar – é o Xede na primeira vez que viu o objeto e ouviu o nome?
Não é bem assim. Ele pode responder por exclusão, ou seja, escolher o objeto desconhecido diante do nome desconhecido na primeira vez que os viu e ouviu. Mas será que isso quer dizer que ele continuará pegando o mesmo objeto quando dissermos aquela mesma palavra? Ainda não temos uma resposta definitiva para esta pergunta. E isso é o que as pesquisas estão estudando. Os resultados, por enquanto, tem mostrado que, frequentemente, os bebês não aprendem a relação entre objeto e palavra na primeira vez que ouvem e vêm palavras e objetos desconhecidos. Mas eles aprendem, sim, depois de algumas oportunidades de escolher o brinquedo quando alguém diz o nome inventado dele. 
E porque esse fenômeno é tão legal e admirável? 
Por vários motivos que são importantes. 
Com os resultados das pesquisas nós vamos descrevendo como as crianças aprendem no cotidiano. Você já imaginou quantas vezes você levou seu bebê para a cozinha e perguntou “ Cadê a mamadeira do nenê? ” e a criança foi aprendendo a apontar o objeto mamadeira que estava perto de muitos outros objetos. Ninguém planeja isso, mas é assim que acontece e conhecer os processos que fazem o nosso cotidiano nos permite propor como ensinar para as crianças que precisam que o ensino seja planejado. Alguns bebês aprendem mais lentamente ou não aprendem algumas relações sem um ensino bem planejado.
Uma outra vantagem de conhecer os processos que fazem parte deste tipo de aprendizagem é possibilidade de economia no ensino. O tempo que um bebê demora para aprender a relacionar a palavra “boneca” ao brinquedo boneca – aquele objeto que tem olhos, cabelinho, boca, enfim – pode ser bem maior que o tempo para aprender, por exclusão, a relacionar a palavra xede com o objeto xede.
Em nosso laboratório, Laboratório de Interação Social (LIS), na Universidade Federal de São Carlos, com o apoio do INCT-ECCE, temos uma linha de Pesquisa que investiga esses e outros comportamentos dos bebês. As pesquisas têm apresentado resultados interessantes sobre a precocidade da aprendizagem por exclusão, sobre o quanto precisamos repetir uma experiência para que o bebê aprenda a relação entre um objeto e uma palavra e outras competências linguísticas dos bebês. Esse conhecimento é uma ponte para fazer pesquisas sobre possíveis ferramentas de ensino para aperfeiçoar a aprendizagem de palavras por todos os bebês. Pensamos nos bebês que se desenvolvem sem que a gente precise planejar cada etapa de aprendizagem, mesmo pequenininha. Pensamos nos bebês que tem alguma dificuldade para aprender a entender o que o que alguém fala ou aprender a falar com alguém. E também pensamos nos bebês que são cegos ou que têm síndrome de Down e aprendem, bem devagarzinho, no começo, a compreender a fala das pessoas e a falar com elas.

Pois bem, seu comportamento de escolher em uma prova “nenhuma das anteriores” está em repertório há um tempinho, não é mesmo?!

Colaborou: Prof. Dra. Maria Stella Coutinho de Alcântara Gil

 

Por: Natália Sertori 
(Doutoranda no Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos. Pesquisa sobre comportamentos simbólicos em bebês)

 

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