Desafios e expectativas

Desafios e expectativas

Passando por um momento de desaceleração econômica, resultado de um conjunto de ações equivocadas, o País age com cautela, enquanto se organiza para combater os problemas

A economia pode não ser um tema que desperte o interesse imediato na maioria das pessoas. Números, estatísticas, longas equações e uma série de variáveis específicas para cada caso formam um cenário complexo para quem não é especialista no assunto.

Entretanto, as questões relacionadas à essa ciência, que estuda os ganhos, os gastos e a administração dos recursos financeiros gerados pelos mais diversos segmentos produtivos, tem um impacto profundo na vida da população.

Essa conjuntura de cálculos serve como base para que o governo e o setor privado tomem decisões que afetam diretamente o bolso do cidadão, como o valor do salário, o preço dos produtos, a taxa de juros, o retorno das aplicações e a criação ou a eliminação das vagas de emprego, por exemplo.

Por isso, é imprescindível entender, pelo menos um pouco, o funcionamento dessa dinâmica monetária. Ainda mais agora, que a economia do país passa por um processo de baixo crescimento. Mas, como o Brasil chegou nessa situação? Existem alternativas para fugir da crise?

Para responder a essas questões e esclarecer as principais dúvidas dos leitores, a Revide convidou cinco experts na área: Sergio Sakurai, professor da FEA-RP/USP e pesquisador do Centro de Pesquisa em Economia Regional (CEPER) da Fundação para Pesquisa e Desenvolvimento da Administração, Contabilidade e Economia (FUNDACE); José Rita Moreira, contador, administrador de empresas, professor universitário e de MBA, pós-graduado em gestão financeira com especialização em controladoria pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP); Antônio Vicente Golfeto, diretor técnico do Instituto de Economia da Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto (ACIRP); Alberto Borges Matias, fundador do Instituto de Ensino e Pesquisa em Administração (INEPAD); e Alexandre Nicolella, professor de Economia na FEA-USP.

A desaceleração, comprovada por estudos, pesquisas e boletins divulgados pela mídia, já atinge o âmbito nacional, estadual e municipal. No ano passado, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma dos valores de todos os bens e serviços produzidos, foi de 0%. Ao que tudo indica, o cenário deve continuar inspirando cuidados. “A última edição do Boletim Focus do Banco Central, contendo as expectativas do mercado financeiro, já apresenta previsão de retração de, aproximadamente, 1% para 2015”, adianta Alberto Matias.

Esse dado negativo, aliado ao aumento da população, gera um problema grave, mas de fácil compreensão: há uma verba cada dia menor para ser dividida entre um número maior de pessoas. Com isso, ninguém quer gastar, resultando em uma queda significativa no consumo. As vendas em baixa diminuem o ritmo das indústrias e das fábricas, que acabam com os estoques cheios e o quadro de funcionários reduzido. Do ponto de vista fiscal, segundo dados da Receita Federal, a arrecadação de impostos também tem sofrido uma redução, enquanto a inflação chega a níveis alarmantes. “A estimativa é que ela ultrapasse o teto de 6,5% e atinja 7,33%”, revela o professor. A progressão dessas ações e reações formam um ciclo vicioso que precisa ser quebrado para evitar que o sistema entre em colapso.

Essa realidade financeira é consequência de uma série de fatores. Algumas correntes apontam o momento desfavorável da economia internacional como o principal vilão. Sergio concorda que esse item pesa no desequilíbrio da balança, especialmente no que diz respeito à queda de competitividade nas exportações e às altas cargas tributárias que reduzem a lucratividade de quem quer investir no país. “Entretanto, essa é apenas uma parte da história. Eu diria, ainda, que é a menor delas. Nosso problema é interno, o que o torna mais preocupante. Para ganhar popularidade no ano eleitoral, o governo gastou muito. Sem encontrar meios de elevar a arrecadação, 2014 foi fechado com um déficit enorme. Com muitos erros cometidos e a ausência de políticas públicas adequadas, é natural que o governo federal esteja enfrentando um processo de descrédito progressivo”, explica Sergio Sakuray.

Alexandre ressalta que essa postura política é bem comum: as autoridades tendem a terminar o mandato com regras mais soltas, elaboradas para que o cidadão tenha a sensação de que está tudo bem. “Houve uma tentativa clara de estimular o consumo. Alguns preços foram mantidos sob controle, os gastos do governo aumentaram, os impostos caíram e o baixo desempenho da economia elevou ainda mais a desconfiança que se disseminou pelo mercado. Com o insucesso da política fiscal expansionista, terminamos o ano com alta inflação, baixo crescimento, alta de juros e desemprego eminente”, afirma o economista. Agora, no início de uma nova gestão, as medidas são mais rígidas, amargas e restritivas, mostrando que é hora de economizar.

Para José Rita Moreira, que foi secretário de administração na Prefeitura de Ribeirão Preto, o governo resolveu assumir como bandeira o controle da inflação, só que usou as ferramentas erradas para cumprir essa meta. Subiu as taxas de juros, restringiu o acesso ao crédito e, mais recentemente, elevou alguns impostos, reajustou os combustíveis, ao mesmo tempo em que fatores meteorológicos culminaram com a crise hídrica. “Além disso, verbas excessivas foram destinadas para os programas assistencialistas, que são fundamentais, mas não podem ser utilizados como sinônimo de conforto para que algumas famílias sejam dependentes, castrando as iniciativas para resgatar sua dignidade e garantir o sustento com o resultado do próprio trabalho”, enfatiza. Ainda segundo o consultor, as circunstâncias foram agravadas pela avalanche de corrupção amplamente noticiada pelos veículos de comunicação e pelas redes sociais.

Superar a crise exige dedicação e empenho da parte de todos. Não existe uma fórmula mágica a ser aplicada que garanta, rapidamente, a passagem para um novo ciclo de prosperidade. Porém, os especialistas salientam algumas providências que podem ser tomadas para neutralizar as falhas. “É preciso ter coragem para reduzir o peso do estado, cortando a carga tributária e privatizando estatais, o que não tem sido feito pelo governo federal e nem pelos governos estaduais e municipais. Devemos inverter a seta: em vez de o estado controlar a sociedade — próprio das ditaduras —, é preciso que a sociedade controle o estado. Só assim teremos a implantação de uma verdadeira democracia, de um regime da igualdade”, opina Vicente Golfeto.

Sergio frisa que o Brasil é carente de políticas de longo prazo, que envolvem assuntos mais complexos, como a reforma da legislação trabalhista, do sistema previdenciário, o aprimoramento da educação, da qualidade da mão de obra e da infraestrutura. Esses ajustes permitiriam que o país crescesse por várias décadas seguidas. “Como nada disso foi feito e houve uma piora visível na gestão, a saída é reconduzir a economia por meio de ações de curto prazo. Entre elas, corte de gastos e de investimentos públicos, e adoção de uma política monetária mais restritiva para conter o consumo e diminuir as taxas de inflação”, lista o professor. Segundo Sérgio, resta saber se o governo, enfraquecido politicamente, terá condições de aprovar as medidas necessárias no Congresso.

José Rita acrescenta outra iniciativa primordial. “O governo tem que ouvir a iniciativa privada e tentar introduzir medidas que facilitem os geradores de emprego, renda e impostos. Já do outro lado, os empresários não devem esperar que as soluções simplesmente apareçam. Crise é sinônimo de oportunidades e riscos, então, mãos à obra. Com certeza, no médio prazo, conseguiremos reverter a situação do país e quem se preparou antecipadamente sairá à frente”, finaliza o consultor.

Por causa de todos os ajustes necessários, a probabilidade é que 2015 seja um ano de recuperação, em busca do desenvolvimento e da sustentabilidade. “O sistema financeiro funciona em ciclos, em que os períodos de crescimento e os de recessão se intercalam sistematicamente. Isso é normal. Hoje, passamos por um momento de baixa, mas tempos melhores virão. Cabe ao governo intervir com propriedade e fazer com que a economia reaja de forma rápida”, opina Alexandre Nicolella. Consciente de que o quadro adverso exige um certo prazo para ser revertido, José Rita se mostra otimista. “A sociedade brasileira já não suporta mais conviver com o ambiente atual de incertezas e desmandos. Outrora, já vivemos momentos parecidos que foram devidamente solucionados. Os empresários precisam agir, até por uma questão de sobrevivência”, destaca. Por isso, ele acredita que o segundo semestre trará alguns indícios positivos, concretizando uma mudança efetiva em 2016.

Golfeto também acredita que a população notará uma evolução a partir do próximo ano. “Não há como negar: este primeiro semestre está sendo difícil. Depois de julho, o cenário deve apresentar avanços, de forma discreta. O governo tem agido, na área econômica, corretamente. É preciso por as finanças públicas em ordem e, depois, criar um ambiente de negócios que restaure o espírito voraz do empresariado. Governar, antes de mais nada, é construir confiança. Todo investimento é uma aposta no futuro. Seguindo por essa linha, podemos dizer que, em 2016, teremos perspectivas mais favoráveis de fato”, esclarece. Já para Alberto Matias, a recuperação é um pouco mais longa. “Caso não ocorram modificações, como retração da taxa de juros, ampliação dos financiamentos imobiliários e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ampliação dos financiamentos ao consumo, adequação da estrutura tributária para expansão da indústria e da exportação, em substituição a importações por conta da desvalorização do real, a economia só melhorará em 2017”, conclui o professor.

Texto: Paula Zuliani
Fotos: Julio Sian
Agradecimento: Grupo Robusti - tel.: (16) 3329.4045.

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