Desejo de renovação

Desejo de renovação

Há uma vontade tácita de se revitalizar a área central de Ribeirão Preto. É um sonho traduzido em várias ações, principalmente nos últimos 25 anos

O quadrilátero central de Ribeirão Preto, compreendido pelas avenidas Francisco Junqueira, Nove de Julho, Independência e Jerônimo Gonçalves tem muitos problemas de infraestrutura, segurança e até de velhice de suas ruas e construções. A requalificação do centro depende de ações conjuntas da Prefeitura de Ribeirão Preto, da Câmara de Vereadores, das entidades representativas das empresas que atuam na região — como Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto (Acirp) e Sindicato do Comércio Varejista (Sincovarp) — e da própria população, representada pela Associação dos Comerciantes e Moradores do Centro (Amec). Nos últimos 25 anos, ocorreram diversas iniciativas, esparsas ou coordenadas, visando à revitalização da área, mas até hoje não houve avanços significativos.

Um levantamento iniciado pela arquiteta Rose Borges, para um projeto de revitalização do quadrilátero, mostra os principais projetos desenvolvidos desde 1991, quando um concurso elegeu a ideia que resultou na construção do calçadão que hoje passa por reforma. Atualmente, a cidade vive sob sua sétima gestão com cinco prefeitos diferentes, sendo que três deles se movimentaram visivelmente em favor da revitalização do centro. Os demais pelo menos seguiram trabalhos iniciados por seus antecessores, como foi o caso de Gilberto Maggioni, que sucedeu Antônio Palocci em seu segundo mandato. Apenas durante a gestão do ex-prefeito Luiz Roberto Jábali (1997-2000) não há registro de um projeto com essas características.

No trabalho da pesquisadora, é possível ver que desde o concurso iniciado em 1990, através da Coordenadoria Municipal de Planejamento, em parceria com a Acirp, os projetos estavam direcionados à renovação urbana da área central da cidade. A iniciativa resultou em 17 trabalhos inscritos. Excelentes ideias foram apresentadas e estão todas encadernadas na Secretaria de Planejamento e Gestão Pública. Três das propostas foram selecionadas e apresentadas por seus autores. Passaram à “segunda fase”, as propostas “A”, de Luiz Cesar Barilari e Antônio Carlos Sant’Anna Júnior, a “E”, de Gisela Gomes Benintende Mazer e Marcos Mendes Biasoli Mazer e a equipe “I”, coordenada pelo arquiteto Carlos Stechhahn e formada por mais sete arquitetos, e que foi a vencedora do concurso.

Com o resultado, parte do projeto apresentado foi executado com a construção de calçadão em sete quadras nas ruas General Osório (cinco), Álvares Cabral e Tibiriçá (uma quadra em cada). À época, também se impediu o trânsito de veículos na esplanada do Theatro Pedro II, que se transformou em área de estacionamento, shows, manifestações e área de carga e descarga para atender ao comércio das proximidades. O espaço não se transformou em calçadão por ser tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat).

Segundo o diretor de Urbanismo da Secretaria de Planejamento e Gestão Pública, o arquiteto José Antônio Lanchoti, em 1995 chegou-se a estudar a implantação de calçadão na rua São Sebastião, mas a ideia não prosperou. “A São Sebastião até ficou um tempo sem as rampas para deficientes porque seria Calçadão”, lembra. Já em 2003, houve uma intervenção pontual no calçadão, com projeto da arquiteta Valéria Valadão, que incluía a troca do mobiliário e a colocação de novo piso, substituindo o cimento estampado por bloquetos de concreto.

Ações estratégicas

Só dez anos depois da finalização do concurso que atuou praticamente na definição da área mais central, surgiu uma nova proposta de revitalização urbana do quadrilátero central. O projeto “Ribeirão 2001 – Ações estratégicas para o desenvolvimento” ampliou o planejamento de renovação urbana e incluiu proposta específica para a região da baixada, o “Vale dos Rios”, que ficou conhecido por uma ponte suspensa planejada sobre o Ribeirão Preto, que ligaria a Vila Tibério ao Centro, chegando à rua Saldanha Marinho. A ideia do arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé (já falecido), era muito mais abrangente e definida pelo conjunto formado pela Estação Central do Vale, o Terminal Urbano de Transporte Coletivo, a reurbanização do Parque Maurílio Biagi e a idealização de um Centro de Cultura e Lazer, que deveria ser implantado onde funciona o terminal rodoviário.

De acordo com o levantamento da arquiteta Rose Borges, em documentos fornecidos pela Prefeitura de Ribeirão Preto, a Estação Central do Vale teria amplas rampas de embarque e desembarque, capazes de atender de 35 a 45 ônibus, simultaneamente, e equipamentos de apoio ao usuário. Um dos aspectos mais inovadores do projeto era o fato de a parte superior da estação ser um minielevado para o tráfego de veículos, o que acabaria com os congestionamentos na área e, também, uma via exclusiva para pedestres, com acesso direto ao Parque Maurílio Biagi. Para facilitar ao máximo a circulação dos ônibus e demais veículos ao nível das plataformas de embarque e desembarque, a via elevada foi projetada de modo a permitir um grande vão livre, sem pilares, sustentado por cabos de aço atirantados, presos a torres metálicas.

O projeto, na época, sofreu críticas de vários setores e acabou engavetado. Os opositores criticaram desde o alto custo das obras até o fato de o arquiteto Lelé (já falecido) não ser de Ribeirão Preto ou da região. O viaduto, então, virou motivo de piada por quem o considerava de alto custo, desnecessário e que ligava “o nada a lugar nenhum”. “No entanto, após estudos mais aprofundados do contexto e do projeto, as referidas críticas não se sustentaram”, registra o trabalho da arquiteta.

Um novo projeto


Desde 2011 vem sendo realizado um extenso trabalho de pesquisa e elaborado um novo projeto por pesquisadores do Instituto Paulista de Cidades Criativas e Identidades Culturais (IPCCIC). O projeto, ainda em seu início, contempla não apenas o quadrilátero central, mas soluções para outras áreas da cidade. As propostas foram reunidas no “Projeto Ribeirão Preto Cidade Histórica” — Revitalização das manchas urbanas identificadas como de relevância histórica”. Todo o trabalho parte das informações ali coletadas. Segundo a arquiteta Rose Borges, a pesquisa ainda está em seu início, com o objetivo de estudar as intervenções urbanas na área central da cidade. “A análise será realizada a partir dos conceitos, diretrizes, propostas e projetos elaborados, identificando contradições, continuidades e rupturas e verificando o alcance, os limites e a efetividade das intervenções”, declara Rose.

Além do alcance maior do planejamento, a proposta é desenvolver ações de forma colaborativa, com o envolvimento da população atingida ou beneficiada pelas soluções. “A ideia é depender o menos possível de ações públicas. Os próprios moradores e comerciantes podem assumir o trabalho”, explica Adriana Silva, ex-secretária da Cultura de Ribeirão Preto e presidente do IPCCIC. Ela conta que é um trabalho bastante detalhado que envolverá vários profissionais e, portanto, pode ser demorado, mas muito do se pretende fazer já está estabelecido ou pelo menos pensado de forma organizada.

A preocupação do projeto em desenvolvimento tem muito em comum com propostas já apresentadas, principalmente no que diz respeito à preservação do patrimônio histórico. Assim, o planejamento prevê a propositura de utilização de prédios históricos da cidade com variados fins. “O antigo Hotel Brasil poderia se transformar em uma escola de hotelaria ou gastronomia. Também poderia ser um grande centro cultural”, exemplifica Adriana. O projeto ainda prevê a construção de áreas comerciais segmentadas de acordo com a vocação.

A pirâmide que não foi construída

Para o arquiteto Carlos Stechhahn, a parte principal do projeto vencedor do concurso encerrado em 1991, uma pirâmide na praça Carlos Gomes, não foi construída. Ele faz questão de lembrar que toda a equipe envolvida com o projeto — formada pelos arquitetos Antônio Stéfani, Cintia Maria Lima, Constantino Sarantopoulos, Fátima Regina de Souza, Maria Lúcia Chagas Valle Soubihe, Sérgio Luiz Coelho e Vânia Sueli Bou Ghosson — trabalhou em busca de uma nova referência do local, representado pela pirâmide, que seria um espaço destinado a oferecer atrações culturais, gastronômicas e comerciais, com a possiblidade de funcionamento 24 horas por dia. “Todos os traços do desenho do calçadão partem da pirâmide, que, por sua forma, não teria contaminação de valores passados”, afirma. A pirâmide ocuparia o centro da praça, onde um dia foi o Teatro Carlos Gomes.

O arquiteto afirma que, além de um marco de referência, a pirâmide seria um local onde as pessoas ficariam por algum tempo, porque seria atrativa. “Buscamos uma solução para a permanência das pessoas, que não fosse apenas um local de passagem para as compras. O objetivo foi a volta da convivência das pessoas em um local agradável”, aponta. Stechhahn considera que o projeto foi desenvolvido em parte, além de o ponto principal ter ficado fora da execução.

O desenho original prevê um estacionamento subterrâneo, sob a praça Carlos Gomes, e a implantação do calçadão por etapas. Completo, no entanto, ele teria 16 quarteirões, sendo três na rua José Bonifácio. Também haveria calçadão nas ruas São Sebastião, Visconde de Inhaúma e Duque de Caxias. Nessa última, o projeto prevê que a Biblioteca Altino Arantes seria “abraçada” pelo calçadão que iria da Visconde de Inhaúma até a Saldanha Marinho. As duas praças – XV de Novembro e Carlos Gomes – seriam unificadas, com o calçadão sobre a Visconde de Inhaúma.

O arquiteto lembra que um dos objetivos do projeto foi resgatar o “eixo histórico” estabelecido pelo Quarteirão Paulista, em frente ao Pedro II, e pelas duas praças. O que se tem hoje é o calçadão da General Osório, entre as ruas Visconde de Inhaúma e José Bonifácio, um quarteirão da Álvares Cabral e outro da Tibiriçá, além de calçada ampliada da Visconde de Inhaúma até a Barão do Amazonas. Outro quarteirão da General Osório também terá calçada ampliada, com tráfego de apenas um veículo por vez, entre a avenida Jerônimo Gonçalves e a rua José Bonifácio, que seguirá com trânsito e estacionamento normais.

Texto: Guto Silveira 

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