Diplomacia comercial

Diplomacia comercial

Júlio Cesar Soncini e Jaqueline Wilkins discorrem sobre a atuação dela nesta função

As relações internacionais são assunto em comum entre Júlio Cesar Soncini e Jaqueline Wilkins. Ele é diretor desta área na Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto (ACIRP). Ela foi cônsul honorária do Reino Unido em Ribeirão Preto, nos últimos dois anos e meio, fez parte do Conselho de Cônsules organizado pela Associação e este mês assumirá o cargo de vice-diretora de engajamento global da universidade King’s Colege London. No trabalho que realizaram em parceria, estimularam as relações comerciais entre Ribeirão Preto e outros países.

Júlio é natural Itajobi e, aos 13 anos, foi para São Paulo trabalhar e estudar. É contador formado, tendo, por alguns anos, atuado na área comercial. Foi gerente de vendas de grandes contas, como Volkswagen, Mercedes, Ford, entre outras. Depois, migrou para a área de copiadoras, o que o levou a abrir uma revenda em Ribeirão Preto, há 30 anos. Paralelamente, foi convidado para participar da ACIRP, primeiro na diretoria plena, e, depois, na diretoria executiva, onde está há oito anos como responsável por cuidar do comércio exterior e das relações internacionais.

Nesta frente, montou um projeto para desenvolver Ribeirão Preto para o mundo globalizado. Assim surgiram as câmaras de comércio, as embaixadas e os consulados e as missões internacionais. A partir desse ponto, seu trabalho e o de Jaqueline se tornam próximos. Na entrevista a seguir, ela conta a trajetória que a levou até o posto de cônsul honorária e qual é o trabalho que vem desenvolvendo junto à ACIRP.
 
Júlio: Quais foram os passos em sua carreira até o posto de cônsul honorária do Reino Unido?
Jaqueline:
A minha formação pessoal, acadêmica e profissional ajudam a entender a função que desempenhei. Nasci em São Paulo e logo depois minha família se mudou para Ribeirão Preto em busca de qualidade de vida e boas perspectivas profissionais.
 
Júlio: Toda a sua formação aconteceu na cidade?
Jaqueline:
Estudei em colégios estaduais e particulares e, antes da faculdade, exerci diversas funções remuneradas. Fui, por exemplo, arte-educadora no Museu de Arte de Ribeirão Preto (MARP) e trabalhei em algumas propagandas para o Magazine Luiza. Também fui membro do Coral de Ópera da Cia. Minaz, onde cantava em casamentos e, em determinados momentos, também organizava eventos. Isso me ajudou, de certa forma, a conseguir um trabalho na embaixada britânica. Depois do cursinho em Ribeirão Preto, segui para o curso de Relações Internacionais (RI), na Unesp, em Franca.
 
Júlio: O que a motivou a escolher esse curso?
Jaqueline:
Meu avô, de origem alemã, mudou-se para a Inglaterra com a família depois da 1ª Guerra Mundial. Meu pai nasceu em Londres e passava os verões na Guiana Inglesa, que se tornou independente no fim da década de 1970, e ele veio para o Brasil. A família migrou para diversos lugares: Canadá, Guiana, Barbados e Estados Unidos. Meu pai veio para o Brasil sem falar português. Essa bagagem se fundiu à história da minha mãe que, como a maior parte dos brasileiros, é descendente de italianos e portugueses. Isso talvez seja importante para o que faço hoje. Eu vivia alguns conflitos por ter uma educação multicultural. Em muitos momentos, sentia que não pertencia, necessariamente, a nenhum lugar. Era um sentimento de não pertencimento cultural e, ao mesmo tempo, de muita curiosidade.
 
Júlio: Esse histórico exerce, certamente, uma forte influência nas suas escolhas.
Jaqueline:
Sim. Quando terminei o colegial, fui viver em Barbados, no Caribe. Tive vários trabalhos lá e, frequentemente, era confrontada com perguntas sobre o Brasil. Pela experiência internacional, pude comparar minhas percepções. Desta forma, quando voltei, já sabia qual seria o meu curso da faculdade. Nos quatro anos de universidade, comecei a entender aquelas questões pelas quais tinha passado. Aquilo me fascinou de tal forma que pude entender a mim mesma, a minha família e desenvolver essa curiosidade de ligar o que acontece no mundo com o Brasil.
 
Júlio: Quais foram suas principais descobertas neste sentido?
Jaqueline:
Saí de Barbados, com 200 mil habitantes e que carrega o próprio conceito de ilha, e fui para o Canadá, que é enorme, bastante diversificado culturalmente, aberto a todo tipo de estímulo internacional. Essa ideia de aldeia global, em uma época em que a globalização passava a ter mais ênfase, contribuiu para a minha decisão. Durante a faculdade, trabalhei como agente de cidadania para a Prefeitura de Franca. Era muito confrontada com temas macro e internacionais na faculdade. Por outro lado, temas extremamente locais, de questões básicas da população carente. Esse confronto entre os desafios locais e regionais, pensando em alternativas e soluções globais, começou a me interessar. 

Júlio: Qual foi a forma prática que você encontrou de aplicar esse aprendizado?
Jaqueline:
No fim da faculdade, apareceu uma vaga temporária na embaixada britânica, em Brasília. Para essa vaga, de oficial de tradução e visitas, a experiência pedida era: formação em Relações Internacionais, que eu já tinha; experiência com organização de eventos e, para isso, contaram aqueles casamentos e conferências que eu organizava em Ribeirão Preto; e experiência com tradução. Eu trabalhava com uma colega traduzindo novelas da Rede Globo, então, também tinha essa última exigência. Fiz uma entrevista por telefone e, cinco dias depois, avisaram que eu havia passado na seleção e que o início era imediato. Eu estava em viagem a Barbados, com uma mala de férias, sem roupas apropriadas. Fui pegando tudo emprestado com as tias e irmãs para ter roupas para uma semana de trabalho, pelo menos.
 
Júlio: Você não tinha roupas adequadas, mas a vaga era sua. Como foi esse início?
Jaqueline:
Cheguei a Brasília e, quando vi aquela cidade magnífica, senti um orgulho muito grande de ser brasileira. Assim que cheguei, meu primeiro chefe adiantou que eu trabalharia com algo que era preciso guardar segredo, por uma questão de segurança: coordenaria a visita do Príncipe Charles na cidade de Manaus. Eu tinha acabado de sair da faculdade, cheia de biquínis na mala, vindo de Ribeirão Preto e da minha experiência em Franca, mas quis mostrar que estava habituada àquilo e agi como se não estivesse surpresa. Porém, dentro de mim, estava em êxtase. 

Júlio: Como foi essa primeira experiência?
Jaqueline:
O nível de protocolos é imenso. Nós planejávamos todos os detalhes da visita do Príncipe, tanto da parte de conteúdo quanto da logística. Aquilo foi um crescimento enorme para mim. Sei que dediquei toda minha energia de trabalho a isso e terminei com a sensação de dever cumprido. Era uma experiência temporária, de três meses, mas continuei na mesma equipe por conta de uma extensão da vaga de mais sete meses.
 
Júlio: Você continuou como oficial de tradução e visitas?
Jaqueline:
Fui para outra posição na embaixada, que tem, pelo Ministério Britânico de Relações Exteriores, uma característica muito generosa com os funcionários, incentivando a formação e o desenvolvimento. Eu, saindo da faculdade, que no Brasil tem uma característica muito teórica, tive a oportunidade prática em vários setores. Trabalhei com visitas e tradução, no escritório executivo do embaixador Alan Charlton, na equipe de política e com Direitos Humanos, identificando estratégias de conexão entre Brasil e Reino Unido. Nesta época, a presidente Dilma Rousseff lançou o programa Ciência Sem Fronteiras, algo sem igual, que chamou atenção do mundo inteiro. Pela embaixada, fomos solicitados a identificar como esse programa poderia funcionar no Reino Unido. Então, fui alocada para trabalhar com esse projeto e encontrei um tema que também tinha uma ressonância no meu coração: educação internacional.
 
Júlio: Qual foi a sua participação nesse projeto?
Jaqueline:
Trabalhei no processo de negociação e implementação do Ciência Sem Fronteiras para o Reino Unido. Foram mais de 10 mil estudantes brasileiros em uma leva histórica para mais de 85 universidades britânicas. Antes disso, o Reino Unido nunca tinha visto um programa de bolsa de estudos desta magnitude, vindos de uma única fonte financiadora, no caso, o governo brasileiro. Isso teve um impacto tão grande no desenrolar das relações acadêmicas e na colaboração em pesquisas entre os dois países que até hoje não conseguimos medir os efeitos. Também, na época, fui contratada pela Unidade Internacional do Universities UK, uma espécie de braço britânico que representa todas as universidades do Reino Unido. Passei a viajar o país inteiro promovendo o programa Ciência Sem Fronteiras. Como estava viajando muito e já estava há quase dez anos fora de Ribeirão Preto, decidi voltar.
 
Júlio: Foi por meio deste trabalho que você se tornou cônsul honorária?
Jaqueline:
A ACI convidou o nosso então cônsul-geral em São Paulo, John Doddrell, para uma visita reconhecedora à cidade e eu, como era o único contato da rede britânica em Ribeirão Preto, acompanhei. Tivemos uma agenda preparada pela ACI e o John ficou impressionado. Alguns meses depois, o embaixador Alan Charlton pensou uma maneira de expandir a representação britânica no país. Temos a embaixada britânica em Brasília, consulados físicos em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e, agora, em Belo Horizonte e tínhamos cônsules honorários em Manaus, Salvador e Porto Alegre. O Alan quis ampliar essa rede em pontos-chave: Curitiba, Campinas, Ribeirão Preto e Macaé. Quando o John ligou fazendo o convite, fiquei surpresa, pois o cônsul honorário é, geralmente, alguém que tem uma penetração no setor empresarial ou político. Eu tinha 28 anos, havia saído da faculdade há pouco tempo, mas fiquei honrada. Para ele, mesmo eu não tendo penetração no âmbito político e empresarial de Ribeirão Preto, o conhecimento sobre a representação britânica no Brasil me tornava capacitada para a função. Claro que disse sim, com muito orgulho.
 
Júlio: Como ocorreu essa ligação com a ACI?
Jaqueline:
A ACI nos ajudou a preparar um programa para encontrar os interlocutores corretos de algumas áreas. Desde então, a Associação vem sendo fundamental no diálogo com o empresariado e uma ponte para o empresariado chegar até a representação britânica. Hoje, as principais áreas identificadas são nossos guias: agronegócio, educação e tecnologia. O agronegócio, muito por conta da energia limpa, já que há um grande interesse britânico nesse tema. A área de educação superior e a internacionalização, por terem um quesito econômico forte também. Dos quase 700 mil habitantes de Ribeirão Preto, 100 mil estariam aqui por conta da educação. Todo o setor de serviços é abastecido por essa população flutuante. A universidade e a vocação comercial de Ribeirão Preto se interconectam o tempo inteiro. A área de tecnologia também é de grande importância. Uma das ações que realizamos, por exemplo, é o link com oportunidades no Supera, oferecendo espaços para empresas britânicas se estabelecerem na região.

 Júlio: O que tem sido realizado nessa área, por exemplo?
Jaqueline:
Renata Ramalhosa, diretora comercial do UK Trade & Investment (UKTI), o braço britânico para investimento e comércio, veio a Ribeirão Preto para uma palestra sobre como levar empresas para o Reino Unido e, a partir disso, ter uma porta para a Europa. Ela visitou o Supera, fez uma visita à FEARP-USP e conversou com lideranças empresariais da cidade, a partir da intermediação com a ACI. A Associação faz um papel, desde que estamos desenvolvendo essas atividades, de secretaria de relações internacionais. A ideia da ACI é de ampliar o contato do empresariado, como uma agência de cooperação comercial com Ribeirão Preto. A chance que eles têm de expor e promover oportunidades para os empresários, de uma forma reunida, organizada e setorizada, na minha opinião, passa por essa função. Isso foi comprovado e cresceu quando foi criado o Conselho de Cônsules. 

Júlio: Criamos o Conselho de Cônsules para saber o que os consulados precisam e de que forma podemos auxiliar. Como você avalia esse trabalho?
Jaqueline:
O Conselho é muito interessante porque, por uma razão não planejada, reúne países europeus, alguns com mais tradição de contato com a região, como Itália e Espanha, outros menos, e cada cônsul honorário tem uma função. No meu caso e de alguns outros colegas, tratamos mais do aspecto de ligação, tanto na área comercial, quanto educacional e cultural, para encontrar sinergias e colocar essas pessoas em contato. A ACI está na posição ideal para promover isso porque já tem os associados, o espaço e consegue colocar tudo de uma forma coesa e conjunta, trazendo para o empresariado local a perspectiva de ampliação. A ideia é de cooperação. O Conselho de Cônsules passará, num futuro próximo, a organizar uma agenda internacional da cidade e a definir estratégias, recursos e até um fundo conjunto para pensar a internacionalização.
 
Júlio: Como funciona o trabalho de cônsul no dia a dia?
Jaqueline:
A função honorária de um cônsul ou uma cônsul é, assim como a sua, voluntária. É algo que fiz com honra e carinho. Não lidava com questões consulares tradicionais, até porque não há demanda suficiente na cidade. Entre os temas prioritários do meu trabalho, estava o estreitamento das relações. O trabalho pelo qual respondo 40 horas semanais é agora como vice-diretora para o engajamento global do King’s College London, uma universidade inglesa. Trabalhei por um ano e meio no Brasil como diretora para América Latina e, agora parto, para Londres para esse novo desafio.
 
Júlio: De que maneira o consulado pode ajudar pessoas físicas e jurídicas de Ribeirão Preto interessadas em manter relações com o Reino Unido?
Jaqueline:
Os diplomatas britânicos são acessíveis e atuam de forma bastante atual, mas muitas pessoas têm uma visão diferente. As negociações com o Reino Unido são possíveis e acessíveis. Também quero salientar que fazer negócios via consulado é mais fácil do que se imagina. Através da aproximação com a ACI, estamos em uma rota que valoriza a diplomacia comercial. Hoje, é fácil empreender no Reino Unido. O sistema é tão simples que é possível abrir uma empresa on-line em apenas uma hora. Os consulados representam uma porta para a Europa e o Reino Unido se apresenta de forma muito vantajosa por conta das questões tributárias.
 
Júlio: Quais são essas vantagens tributárias?
Jaqueline:
Para se ter uma ideia, no Brasil, as obrigações tributárias correspondem a 2.600 horas de trabalho, enquanto no Reino Unido são 110 horas. O país é o destino número um de investimentos estrangeiros diretos na Europa. Lá, a taxa corporativa é de 20%, a menor do G7 e do G20; tem a menor contribuição de segurança social para trabalhadores entre as cinco maiores economias da União Europeia e tem um sistema tributário avaliado como o mais atrativo para negócios entre as maiores economias do mundo. O histórico de empresas brasileiras no Reino Unido começou com o Banco do Brasil, em 1960. Nesta lista, também estão Embraer, Alpargatas, H. Stern, Petrobras, Rede Globo, Rede Record, entre diversas outras. A Ourofino, de Ribeirão Preto, tem parcerias em pesquisa com universidades britânicas. Muitas empresas brasileiras instalam escritórios ou laboratórios de Pesquisa & Desenvolvimento para utilizar os benefícios do governo britânico e do ecossistema de inovação, de forma a oferecer produtos de alto valor agregado na América Latina, África e Ásia.
 
Júlio: Quais empresas do Reino Unido atuam no Brasil?
Jaqueline:
Há empresas de diversos setores, como Burberry, Forever 21, Rolls Royce, Mini Cooper, Jaguar e Land Rover, Shell, GSK, BG e BP - Bioetanol. É importante lembrar que o Reino Unido compreende a Grã-Bretanha (Inglaterra, Escócia e País de Gales) e a Irlanda do Norte.
 
Júlio: Quais são os futuros projetos do seu consulado?
Jaqueline:
Com minha ida a Londres, infelizmente, fica inviável continuar com o cargo de cônsul honorária. No entanto, meus colegas do consulado em São Paulo estão em contato com a ACI e sei que planejam estreitar o relacionamento entre a cidade e o Reino Unido. Para 2016, acredito que pretendem criar o Dia da Europa aqui, com abrangência cultural e empresarial. O empresariado está acostumado com as tratativas com a América Latina e, por meio do Conselho de Cônsules, podem se aproximar da Europa também. Tenho a sorte de ter sido abraçada pela ACI durante o tempo em que estive em Ribeirão Preto. Com a competência e a generosidade da Associação, sinto que esse trabalho não termina por aqui. 

Força da juventude

“Desde o início, tive uma afinidade profissional muito grande com a Jaqueline. Ela é determinada, sabe o que quer, tem conhecimento e postura para isso. Também é responsável, focada e conversa tranquilamente sobre diversos assuntos. É uma pessoa fácil de tratar e de entender. Além disso, vejo um pouco da minha filha nela e enxergo nas duas a força da juventude que vai administrar esse país de agora para frente.” Júlio Cesar Soncini, diretor de relações internacionais da Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto (ACIRP).

Júlio Cesar Sonsini e Jaqueline Wilkins •
Texto: Máisa Valochi
Fotos: Júlio Sian

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