Sob medida para o verão

Sob medida para o verão

Invenção francesa, o biquíni completa 70 anos e posiciona a moda praia brasileira como referência, sendo responsável por criações que se tornam objeto de desejo no mundo inteiro

Dos anos 60 para cá, quando chega o verão e começa a se falar em biquíni, um hit musical é relembrado e pouca Camila Pitanga com um biquíni cortininha, o modelo mais usadogente se controla para cantarolar: “era um biquíni de bolinha amarelinha tão pequenininho, mal cabia na Ana Maria”. Sucesso nas vozes da banda Blitz e da cantora Celly Campello, a música já havia estourado na lista da Billboard na voz do americano Brian Hyland que apresentava a versão original de “Itsy Bitsy Teenie Weenie Yellow Polka Dot Bikini”. Mesmo que a canção tenha um tema e uma levada bem brasileiros, a autoria é americana e, pós Brian Hyland, veio para o Brasil, em 1961, com o cantor Ronnie Cord, em inglês. Foi o mesmo Ronnie que cantou a versão nacional pela primeira vez, em 1964.

A música alcançou o auge do sucesso ao mesmo tempo que seu personagem principal: o biquíni, que também tem tudo a ver com o Brasil, mas não é uma invenção nacional. Símbolo de contestação política e social, o traje composto de duas partes perdeu centímetros, deixou o umbigo à mostra e foi evidenciado em filmes e músicas. Depois de ter sido proibido em alguns países na década anterior, mesmo com proporções mais avantajadas, no Brasil, ele conquistava as praias e já se via nas areias o polêmico fio dental, que, dez anos depois, estava entre os modelos mais usados, ao lado do famoso asa-delta e do sunquíni. Aliás, o país tem papel fundamental — e revolucionário — na história do biquíni.

Na década de 50, Carmem Verônica foi uma das pioneiras no uso do biquíniEssa trajetória foi pesquisada, durante dez anos, pela jornalista Lilian Pacce, uma das maiores autoridades em moda do Brasil. O resultado desse estudo está no livro “O Biquíni Made In Brazil”, publicado pela editora Arte Ensaio. “Descobri fatos muito interessantes sobre o biquíni, principalmente no que diz respeito à origem de alguns modelos clássicos como o cortininha e o fio dental, e também referente a hábitos de bronzeamento, mudanças de comportamento, etc. Todas essas curiosidades estão presentes no livro”, conta a jornalista, que esteve em Ribeirão Preto lançando a obra.

Lilian conta, por exemplo, que a imagem sensual da mulher brasileira de biquíni foi exaltada pela imprensa desde o primeiro momento. O impacto na mídia, sobretudo no início dos anos Gisele Bündchen posou de pretinho básico para a Vogue Brasil70, fez com que o biquíni despertasse o interesse de outros países pelo produto feito no Brasil. Ela mostra, também, a relação entre o biquíni e a arquitetura. O corpo da mulher brasileira foi inspiração recorrente para o arquiteto Oscar Niemeyer, por exemplo. O projeto do Sambódromo, no Rio de Janeiro, é um dos que surgiu a partir daí: o enorme arco construído no setor da Dispersão foi baseado na imagem de uma mulher de biquíni. Em contrapartida, a obra de Niemeyer também está sempre influenciando as coleções de moda praia.

Entre as curiosidades relacionadas ao tema, cita a necessidade — ou não — do forro. Segundo a jornalista, ele é totalmente dispensável, tanto que os modelos para exportação não são forrados. Outro fato interessante é que, antes de se tornar a Garota de Ipanema, imortalizada por Tom Jobim e Vinicius de Moraes, Helô Pinheiro já havia sido descoberta pelo repórter Ronaldo Bôscoli, que colocou a musa na capa da revista Fatos e Fotos, de 3 de fevereiro de 1962. A foto foi tão comentada que ela acabou posando de biquíni para anúncios de bronzeador antes de se tornar a personagem mais cantada, indo a caminho do mar.

Biquíni de lacinho franzido: vai moda, vem moda e ele continua atualEm meio a tantas peças do vestuário, Lilian escolheu pesquisar e escrever um livro sobre o biquíni porque essa peça dá muito orgulho a ela, afinal, não só o biquíni brasileiro, mas a toda a moda praia é objeto de desejo no mundo inteiro e também referência de item de qualidade. “Apesar de ser uma invenção francesa, é o biquíni brasileiro que é referência no mundo todo”, reforça a jornalista. O biquíni foi criado em 1946, mas só pegou como moda mesmo no mundo todo no fim dos anos 50. “Vale ressaltar que o biquíni é um duas peças que revela o umbigo. Essa é a grande diferença entre um biquíni e um duas peças. Vamos lembrar que os índios, nossos antepassados, sempre lidaram com o corpo de uma maneira muito diferente dos portugueses que nos colonizaram. São histórias que se cruzam e tornam o biquíni no Brasil muito fascinante”, argumenta.

O envolvimento da escritora — Lilian também é autora de “Pelo mundo da moda”, “Ecobags: moda e meio ambiente” e “Alexandre Herchcovitch” — com o tema é tão grande que, como jornalista de moda, ela adoraria ter noticiado a invenção do biquíni. “Ele foi criado por Louis Réard e era tão revolucionário que nenhuma mulher queria desfilar com as peças. Réard teve que pagar um cachê enorme para uma dançarina do Casino de Paris. Ele disse que sua criação seria tão explosiva quanto os testes nucleares no atol de Bikini. Daí o nome”, lembra Lilian. Foi por conta dessa admiração que a jornalista homenageou Paris, na França, berço da criação do biquíni, para fazer o lançamento do livro, antes mesmo da apresentação no Brasil.

Lilian destaca o biquíni como um caso raro na moda: é a única peça do vestuário em que o Brasil supera a França. É, também, algo que coloca o país como referência no mundo todo. Para ela, o biquíni brasileiro transmite toda a alegria e a ginga do povo que vive no país, além de ter muita qualidade, seja na modelagem, na estampa ou no tecido. Tudo isso só ganhou status porque a mulher brasileira sabe usar o biquíni como poucas, o que acabou tornando-o objeto de desejo tanto no país quanto ao redor do mundo. “O Brasil e o clima tropical sempre são Em outro momento, Gisele fotografa com um modelo todo bordadoassociados no imaginário das pessoas e o biquíni está diretamente ligado a um lifestyle de praia — solar, saudável e sensual como Gisele Bündchen —, algo que muitos desejam. Isso faz com que as peças brasileiras e, consequentemente, o que elas representam, sejam muito cobiçadas internacionalmente”, garante a jornalista. 

Muitas marcas e estilistas ajudaram a propagar o biquíni brasileiro no mundo e a colocar o país no topo do ranking que ocupa hoje. Lilian cita Cidinho Pereira, da Bumbum; Amir Slama, que criou a Rosa Chá; David Azulay, da Blue Man; Jacqueline de Biase, da Salinas; e Lenny Niemeyer, da Lenny, que fazem um excelente trabalho. Além dos criadores, algumas brasileiras ajudaram na consolidação da peça, como Leila Diniz, que ousou exibir o barrigão quando só era permitido às grávidas irem à praia com um modelo que cobrisse toda essa parte do corpo. Rose Di Primo e Gisele Bündchen, musas dessa criação, também estampam seus nomes como colaboradoras nessa evolução. No mundo, o posto de musa é ocupado por Brigitte Bardot, que usou o primeiro biquíni no cinema, em “E Deus Criou a Mulher”.

O progresso da peça em si passa também pela evolução da modelagem e do conforto. Da primeira roupa de banho de lã, passando pela malha elástica canelada, até os dias de hoje, houve um grande avanço nos tecidos para a moda praia. O primeiro biquíni, criado por Reárd, era 100% algodão. Nos anos 50, passou a ser feito em helanca, A bandeira brasileira foi fonte de inspiração para os biquínis usados por Vanessa Greca, Mariana Weickert, Carol Ribeiro, Talytha Pugliesi e Ana Cláudia Michelsdepois em Lycra, que pode ser misturada a qualquer fibra, adicionando os benefícios de conforto, caimento, liberdade de movimento, maior durabilidade e elasticidade ao tecido, que amassa menos. Mais recentemente, em 2006, ela ganhou a versão Xtra Life, que aumenta em pelo menos três vezes a vida útil do biquíni devido à maior resistência aos efeitos do cloro e do sal. 

Quanto à modelagem, os anos 70 e 80 marcam uma época de muita criatividade e de muitos modismos. Em 1970, o modelo da moda era composto por calcinha de corte reto e top tipo camiseta, cortininha ou bandô para bronzear bem. A versão amarrada ao pescoço era a mais popular. Nessa época, em que o crochê estava em alta e muitas mulheres faziam o próprio biquíni, Leila Diniz e Rose Di Primo eram as estrelas do verão. Na década seguinte, o biquíni já aparecia mais cavado e o maiô ganhava decotes mais ousados e alguns adereços. O lurex foi para a praia e o Brasil ganhou projeção nacional na criação de biquínis. Muitas transformações depois, hoje, completando 70 anos, o biquíni aparece com tops aumentados e decotes variados: um ombro só, ombro a ombro, trapézio e até gola alta. A calcinha fica ao gosto do freguês. Lilian Pacce tem preferido, nos últimos anos, usar as hot pants. “Além de achar o modelo lindo, fico mais à vontade com ele”, finaliza. 

Inesgotável fonte de inspiração

Lilian Pacce lançou o livro na loja Dei Due do Shopping Iguatemi Ribeirão PretoA principal referência de Lilian Pacce para a pesquisa que resultou no livro foi o Rio de Janeiro, que é, segundo ela, a cidade que melhor representa esse estilo de vida de balneário. A jornalista fez uma pesquisa na Biblioteca Nacional consultando jornais e revistas do século XX, tanto na parte editorial quanto de publicidade, avaliando as mudanças de comportamento. “A gente não se dá conta do que um absorvente íntimo fez pela moda praia”, comenta. 

Além disso, Lilian entrevistou os principais nomes da moda, como David Azulay, Lenny Niemeyer, Jacqueline de Biase, Cidinho Pereira e muitos outros. Também falou com personalidades de São Paulo e de outros estados, sem falar em Miriam Etz, a mulher que usou o primeiro duas peças no Brasil, e musas como Luiza Brunet, que fez centenas de capas usando biquíni ou maiô.

O resultado está em 344 páginas de um conteúdo leve e informativo que carrega a escrita descolada da autora e imagens de expressividade única. “O Biquíni Made In Brazil” tem sido muito bem recebido pelo público e pela crítica especializada. “A reação tem sido maravilhosa, muito além do que eu poderia imaginar. As pessoas se surpreendem com a história, com as curiosidades e com tudo o que gira em torno do biquíni, inclusive em termos culturais. O livro vai muito além da moda e da praia”, garante a autora.

Saiba mais

• O banho de mar foi introduzido no Brasil por dom Pedro II.

• Na história da moda, biquíni é a peça que revela o umbigo feminino, símbolo da vida e da maternidade.

• Bikini é um atol do Pacífico onde aconteceu uma explosão atômica experimental, em 1946. Uma mulher de biquíni provocava, na época, o efeito de uma bomba atômica.

• O estilista francês Jacques Heim, foi o primeiro a apresentar o modelo, batizado de átomo, “o menor traje de banho do mundo”. Louis Réard reduziu ainda mais o tamanho da peça e deu a ela o nome de bikini, “menor do que o menor traje de banho do mundo”.

• Um biquíni é feito com 50 g a 120 g de lycra.

• O modelo cortininha ainda é o best-seller da categoria.

• O dicionário Oxford incluiu o verbete “brazilian wax” para se referir à depilação mais cavada, proporcional às tangas usadas por aqui.


Texto: Máisa Valochi
Foto de abertura: Júlio Sian
Foto: David Prichard
Foto:  Bob Wolfenson
Foto: Jaques Dequeker
Foto:  Aderi Costa
Produção: Marcela Versiani
Modelo: Nayara Cândido
Make up/Hair: Michele Serrano (Luminus Cabeleireiros – tel.: 16 3877.5252)
Biquini: Banana & Banana

*As demais imagens foram gentilmente cedidas por Lilian Pacce e compõem as ilustrações do livro 

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