OPINIÃO: Covid, LRF e a priorização do coletivo sobre o individual
STF entendeu que o mecanismo de redução de jornada e salário do servidor dependeria de uma alteração no texto da Constituição

OPINIÃO: Covid, LRF e a priorização do coletivo sobre o individual

Não discutimos aqui as causas do desequilíbrio nas finanças públicas. Nos interessa saber quais as alternativas existentes para a resolução em prol da coletividade.

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Sofremos com a incapacidade do Estado em preservar o equilíbrio de suas contas e garantir a retribuição dos serviços públicos de educação, saúde, saneamento básico, segurança, infraestrutura, assistência social e todos os demais necessários para garantir o mínimo de dignidade ao cidadão.

Não discutimos aqui as causas do desequilíbrio nas finanças públicas. Nos interessa saber quais as alternativas existentes para a resolução em prol da coletividade.

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), uma das mais importantes na defesa do interesse social, previu, dentre outras, a possibilidade de “redução temporária da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária”.

Trata-se de uma medida na defesa do interesse público, que não retira do servidor a compensação do seu trabalho, até porque a redução do valor seria proporcional à jornada também reduzida.

Não ignoramos o justo sentimento de contrariedade dos servidores. Mas deve-se ter a consciência de que a finalidade maior da gestão pública é preservar os interesses coletivos, prioritários sobre qualquer outro interesse individual.

Tal medida era protetiva também dos funcionários, porque simbolizava uma alternativa a outra mais drástica: o rompimento da sua carreira por ausência de recursos suficientes.

Em agosto de 2019, o Secretário do Tesouro Nacional informou que 12 estados superaram o limite previsto na LRF, o que significou uma perda, no ano anterior, de R$ 43 bilhões. No Estado de São Paulo, o Tribunal de Contas noticiou que uma a cada quatro prefeituras extrapolaram o limite da LRF.

Em Ribeirão Preto, cuja despesa está além do limite, sendo fortemente comprimida pelos custos de manutenção do IPM (Instituto de Previdência dos Municipiários), que consome cerca de R$ 500 mil ao dia dos cofres públicos, a situação é dramática.

O que fazer numa situação como esta, em que a sociedade é a maior prejudicada?

Seria justamente adotar medidas para reequilíbrio das contas e, inevitavelmente, aplicar a alternativa de redução temporária de jornada e salário. Esta necessidade tornou-se ainda mais premente diante dos efeitos atuais da pandemia.

Mas em junho o Supremo Tribunal Federal, por sete votos a quatro, considerou inconstitucional esse dispositivo da LRF, baseado no entendimento de que os vencimentos têm o caráter de irredutibilidade.

Respeitando a maioria da nossa Corte Maior, é inevitável nossa perplexidade, pelo fato de priorizar o interesse individual do servidor frente à preservação do interesse público.

A maioria do STF entendeu que o mecanismo de redução de jornada e salário do servidor dependeria de uma alteração no texto da Constituição Federal.

Sem transformar este texto numa tese jurídica, apenas com breve argumentação: a LRF é de caráter complementar, que visa regulamentar justamente norma constitucional. Por outro lado, a perda da capacidade de investimento da União, Estados e Municípios nega existência aos próprios princípios fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 1º, da CF), destacando da cidadania, da dignidade da pessoa humana, e o cumprimento dos objetivos fundamentais (art. 3º, da CF) de garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza, reduzir as desigualdades e promover o bem de todos.

Verifica-se muitas vezes o Poder Judiciário invadindo a esfera administrativa do Poder Executivo e engessando a implementação de medidas de gestão fundamentais. Esta decisão do STF pode perenizar o estado de incapacidade dos Estados e Municípios, deixando um hiato perigoso até que se tenha uma alternativa para um problema que já atingiu o status de caótico.

Foi sugerida uma alteração constitucional para viabilizar as partes do texto da lei que foram consideradas inconstitucionais, sendo, neste momento, o caminho a ser seguido. Como se trata de uma questão premente e fundamental, é importante celeridade, agora, do Poder Legislativo para elaboração desta norma.

Nesta emenda do Legislativo, seria importante estimular a meritocracia e a transformação positiva de valorizar o trabalho com dedicação e eficiência, incluindo mecanismo de viabilizar a troca daqueles sem comprometimento ou disciplina. Um ganho de eficiência na gestão pública valioso para melhoria dos serviços.

Manifestamos com esse artigo nossa preocupação por um melhor alinhamento entre os poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, para que preservem sua independência e harmonia, e, atuem, juntos, sempre com o objetivo comum na preservação do interesse público e social.

 

*Texto assinado por: Andre Ali Mere, Eduardo Amorim, Heitor Massa e Henrique Paiva, coordenadores do Instituto Ribeirão 2030


Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

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