A violência sexual e o enfrentamento de casos no Brasil
A violência sexual contra crianças e adolescentes ainda é comum no país

A violência sexual e o enfrentamento de casos no Brasil

Principais agressores são pessoas da convivência da vítima

O Ministério da Saúde, lançou no Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, em maio, um boletim epidemiológico com dados de violência sexual contra crianças e adolescente. A pesquisa analisou dados de 2015 à 2021 e, neste período, foram notificados 202.948 casos, sendo 83.571 contra crianças e 119.377 contra adolescentes. É preciso ressaltar que em 2021 o número de notificações foi o maior registrado ao longo do período analisado, com 35.196 casos. 



 

Ainda segundo os dados levantados, a residência das vítimas é o local de ocorrência de 70,9% dos casos de violência sexual contra crianças de 0 a 9 anos de idade e de 63,4% dos casos contra adolescentes de 10 a 19 anos. Outro dado importante que foi apurado é que familiares e conhecidos são responsáveis por 68% das agressões contra crianças e 58,4% das agressões contra adolescentes nessas faixas etárias. Sendo a maioria dos agressores do sexo masculino, tendo como vítimas predominantes pessoas do sexo feminino. No entanto, segundo o boletim epidemiológico, pode existir um sub-registro dos casos entre meninos, devido a fatores como estereótipo de gênero ou a crença de que meninos não vivenciam a violência. 



 

A violência sexual é um problema grave e devastador que afeta milhões de pessoas em todo o mundo, independente de idade, como mostra a pesquisa divulgada pelo Governo, em maio. Trata-se, porém, de um tema sensível, mas crucial, que demanda atenção e ação constante por parte da sociedade, governos e instituições. 



 

Ela pode ocorrer de diversas maneiras, incluindo estupro, assédio sexual, abuso sexual infantil, exploração sexual, sexting não consensual, pornografia de vingança dentre outras formas. É importante reconhecer que a violência sexual não se limita a agressões físicas, podendo também envolver coerção, manipulação psicológica e abuso emocional. 



 

As vítimas enfrentam uma série de consequências físicas, psicológicas e sociais devastadoras. Essas experiências podem causar trauma, depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático, bem como problemas de saúde sexual e reprodutiva. Além disso, muitas vítimas enfrentam estigma, culpa e medo de denunciar seus agressores, o que perpetua o ciclo de silêncio e impunidade. 



 

Maria Auxiliadora Ribeiro, de 54 anos, foi uma das vítimas. Ela passou por uma série de abusos sexuais quando criança, a mando de uma pessoa da família. Tudo ficou pior quando sua avó, que era tido como seu alicerce, faleceu. "Com a morte dela, meu esposo me disse "agora sua avó não está mais entre a gente, você não tem para onde correr, está em minhas mãos. Foi terrível. Inclusive, tentei contra minha vida.", contou a pedagoga. 



 

Maria passou boa parte da vida com o trauma e, só se libertou de todo o sentimento que sentia, em 2019, com ajuda de psicólogo e depois de muito tratamento. Mesmo casada, não era fácil para ela ter relações com seu marido. Ela sempre se sentia mal depois do ato e ele não entendia o que estava acontecendo, até que, um dia, se revoltou e a obrigou a ter relações com ela, que contou ter sido um novo evento traumático. "Ele, brutalmente, me levou para o quarto e disse que só tinha nojo e vomitava com ele. Assim, ele iria me provar que, como esposa, teria que me entregar totalmente para ele sem que eu vomitasse e, caso eu fizesse isso, teria que comer o vômito.", relatou Maria Auxiliadora, que disse ter sido pega de surpresa com aquela cena.



 

Outro detalhe no seu relato vem confirmar o que está no levantamento do Ministério da Saúde: o primeiro abuso sofrido veio de uma pessoa de seu convívio, à mando de um familiar. Ela relata que teve muita dificuldade em se relacionar depois do abuso sofrido, devido aos traumas que só conseguiu falar sobre, com o parceiro, em 2020, 20 anos depois de estar com ele, com ajuda de tratamento psicológico. "Quando contei toda a verdade ele se emocionou muito e me pediu desculpas. Infelizmente ele veio a óbito em setembro de 2022", comentou. 



 

Histórias como essas são mais comuns do que se imagina, por isso, a prevenção e combate à violência sexual são complexos e desafiadores. Muitas vezes, as vítimas enfrentam barreiras para denunciar seus agressores, como o medo de retaliação, a vergonha e a falta de apoio. Além disso, a cultura do estupro e a normalização do assédio sexual continuam sendo obstáculos significativos para erradicação desse problema. 



 

Porém há uma série de esforços em todo o mundo para combater a violência sexual. Isso inclui campanhas de conscientização, educação sexual abrangente, treinamento para profissionais de saúde e da área jurídica, além da criação e implementação de leis mais rigorosas para punir os agressores. É importante lembrar que Organizações Não Governamentais desempenham um papel fundamental no apoio às vítimas e na promoção de mudanças culturais. 



 

Além disso, a Atenção Primária à Saúde é a porta de entrada das vítimas ao Sistema Único de Saúde e, diante desse contexto, o documento do Ministério da Saúde destaca a importância dos profissionais da APS (Atenção Primária à Saúde) para o reconhecimento dos sinais de violência e dos fatores de risco, visando identificar e prevenir as agressões contra meninas e meninos. 



 

Também é importante lembrar que apenas 58% desses casos de violência sexual chegam a um Conselho Tutelar para apuração, embora o órgão deva ser acionado quando a criança ou adolescente são vitimas, para encaminhar ações de proteção e propor medidas judiciais. Outro ponto importante é a porcentagem de meninas que se tornaram vítimas: 92,7% dos casos têm entre 10 e 19 anos. E, no período de 2015 a 2021, o levantamento aponta 119.337 casos de violência sexual nessa faixa etária, sendo 110 mil somente com vítimas do sexo feminino. 



 

Sendo assim, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania lançou 12 ações coordenadas pelo Governo Federal para proteção da população infantojuvenil no país. Entre as medidas estão a assinatura de pactos para proteção da infância. Os acordos incluem uma parceria com a Childhood Brasil para dar seguimento e aprofundar ações do Programa Na Mão Certa, que tem o objetivo de promover esforços conjuntos para erradicar a exploração sexual de crianças e adolescentes nas rodovias do país.



 

Outra parceria feita pelo Governo Federal é a adesão ao Inspire, que é um conjunto de estratégias para pôr fim à violência contra crianças em um pacote de medidas técnicas para prevenção e enfrentamento à violência por esta população. O Inspire é direcionado a entes governamentais e sociedade civil, desenvolvido por dez organismos internacionais especialistas, incluindo a OMS (Organização Mundial da Saúde), a Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e o Banco Mundial. 



 

Com essa adesão, o Ministério também se comprometeu a incorporar as recomendações do Inspire na elaboração de suas políticas. A pactuação, no Brasil, se dá por meio da Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes. Também foi selado o compromisso com o Pacto Global, uma rede para troca de boas práticas relacionadas ao engajamento do setor privado na proteção de crianças e adolescentes. Além disso, o Governo Federal também aderiu ao termo de posse dos integrantes da Comissão Intersetorial de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. 



 

Essas medidas são importantes para que histórias como a de Maria Auxiliadora não se repitam mais. 



 


Foto: Freepik

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