Desafios de Ribeirão: Segurança

Desafios de Ribeirão: Segurança

Furtos, roubos diversos e lesão corporal estão no topo da lista das ocorrências registradas em Ribeirão Preto

A revista Revide produziu uma série de reportagens especiais sobre os principais gargalos de Ribeirão Preto. São problemas que a população encara todos os dias e representam desafios a serem vencidos 


 

 

Imagine a situação: você sai numa sexta-feira para encontrar amigas, acaba passando um pouco da hora e volta tarde para casa. Antes de abrir o portão, dá uma olhada rápida e a rua está tranquila. De repente, surge alguém ‘do nada’. Você pensa que vai te pedir dinheiro, mas saca uma arma. Outros dois indivíduos, que estavam escondidos em uma árvore próxima, saltam e já estão ao seu lado também, te intimidando. De repente, você está acuada em um canto, assistindo sua casa ser revirada.

 

De repente, você está amarrada e trancada em seu próprio quarto, enquanto eles saem levando tudo o que podem, jogando a chave na rua. De repente, você foi roubada. De repente, levaram mais do que seus bens. De repente, foi-se embora sua tranquilidade, sua confiança, seu equilíbrio emocional. Roubaram sua paz. Essa experiência de Rosa Neme já tem sete anos, mas ainda hoje ela sente medo.

 

“Foi muito triste. Precisei de tratamento psicológico porque tive um ‘apagão’. Simplesmente não me lembrava das pessoas. Agora estou bem, mas precisei tomar remédio por anos. Para chegar em casa hoje em dia, ainda preciso de ajuda. Sempre chamo minhas filhas, meu neto, alguém precisa estar comigo. O susto fica”, relata.

 


Com Lucas Xavier Pires Correa foi um pouco diferente. Como não conseguiram abrir o portão para levar seus pertences, os ladrões colocaram fogo na casa. “Saímos para trabalhar numa segunda-feira e, por volta das 14h, recebi uma ligação da Polícia Militar avisando para me dirigir para casa porque tinha acontecido uma invasão. Eles pularam o muro, conseguiram arrebentar a porta da cozinha, até quebraram o braço do portão, mas, como a trava impediu de fazerem ‘a limpa’, acredito que, como retaliação por terem perdido o dia do crime, colocaram fogo no colchão do quarto.

 

O que o fogo não derreteu, a fuligem ou a água dos bombeiros estragou. Perdemos praticamente tudo o que tínhamos dentro de casa. Roupas, móveis, eletrodomésticos... E o seguro cobriu apenas parcialmente os danos. O prejuízo foi grande. Era uma casa alugada. Passados dois meses nos mudamos porque não conseguíamos mais ficar lá. Mesmo passados 10 anos, não superamos o trauma.

 

A sensação de invasão, de impotência, é muito grande. Apesar de fazermos todos os trâmites necessários, nada foi feito a respeito. Aliás, esse tipo de roubo era comum naquela região e as casas eram vandalizadas depois do assalto. Em uma vizinha, como não conseguiram roubar o freezer de congelados que ela fazia para vender, eles espalharam os produtos junto com fezes pela casa toda. Bizarro”, conta Lucas. 

 


A casa de Lucas Xavier Pires Correa foi incendiada pelos criminosos, diante de tentativa frustrada de roubo


A.R., que prefere não se identificar, teve a casa invadida duas vezes na mesma semana. "Tínhamos nos mudado há poucos dias quando arrebentaram a porta de entrada e furtaram vários itens. Não houve pânico porque não estávamos presentes, havíamos viajado. Trocamos a porta, fechamos o portão com corrente e cadeado, mas eles arrebentaram a corrente. Acreditamos que voltaram para buscar os computadores. Quebraram quatro portas, mas, dessa vez, não levaram nada porque foram presos em flagrante. Apesar disso, sabemos que já foram soltos”, comenta.

 

Ela até pensou em se mudar, mas o marido gostou muito da casa e preferiu fazer adequações de segurança. Antes de se mudarem, eles já moravam no mesmo bairro, há sete anos, e nunca haviam tido problemas desse tipo. Além disso, segundo os vizinhos, que moravam ali há mais de 40 anos, isso nunca havia acontecido antes no quarteirão. Hoje em dia, quando viajam, contratam o serviço extra de um “cão de guarda”.

 


Apesar de distintas, as histórias de Rosa, Lucas e A.R. denunciam um problema grave em Ribeirão Preto — a falta de segurança —, acompanhado de uma comorbidade: a impunidade. O prejuízo de Lucas nunca foi ressarcido, os assaltantes de A.R. foram soltos e Dona Rosa nem perdeu tempo na delegacia. “Prestei depoimento e me disseram para voltar no dia seguinte para fazer reconhecimento. Perguntei se fariam algo se eu reconhecesse os ladrões e disseram que era ‘só para saber’, por isso, não voltei. Se ‘não virou nada’ o roubo que aconteceu na casa de um policial, bem próxima da minha, porque ‘viraria’ comigo, quem sou eu né!”, ressalta a aposentada.

 


Essa sensação de impunidade, na opinião do professor da Faculdade de Direito da USP/RP, Daniel Pacheco Pontes, ajuda a alimentar o problema. “Embora mais de 90% dos crimes não sejam efetivamente punidos — ou porque a polícia não consegue descobrir ou porque o crime prescreve ou a pessoa acaba sendo absolvida por falta de provas —, a postura de não registrar o crime prejudica as estatísticas e, consequentemente, o planejamento de ações de segurança”, alerta. Isso porque, quando há denúncia, pode-se mapear as regiões mais problemáticas e reforçar o policiamento na área.

 

“A impunidade vai retroalimentando o sistema. Assim como sabemos que muitos crimes não são punidos, o criminoso também sabe, o que o torna mais ousado, o deixa mais à vontade para cometer crimes. Em grande parte dos casos, o registro pode ser feito pela internet, no site da Polícia Civil e, na pior das hipóteses, ainda que nada seja descoberto, entra para as estatísticas, contribuindo com o mapeamento do problema”, esclarece Daniel.

 


Mais de 90% dos crimes ficam impunes, ressalta Daniel Pacheco Pontes

 

Estatísticas 


Dados estatísticos da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo revelam que furtos e roubos ocupam 1º e 2º lugar, respectivamente, na lista de ocorrências registradas nas oito Delegacias de Polícia de Ribeirão Preto. Lesão corporal dolosa segue ocupando o 3º lugar na maioria delas e furto de veículo ocupa o 4º lugar na lista — exceto no 1ºDP (Centro), 2º DP (Campos Elíseos) e 4º DP (Jardim América) onde aparece em terceiro lugar. Lesão corporal culposa por acidente de trânsito e roubo de veículo seguem ocupando, respectivamente, 4º e 5º lugar no número de ocorrências registradas. 

 


De acordo com o professor Sérgio Kodato, responsável pelo Grupo de Pesquisa Observatório de Violência e Práticas Exemplares da USP-RP, houve um aumento da criminalização em todos os sentidos em Ribeirão Preto com a retomada da atividade econômica pós-pandemia.

 

“A pandemia e as condições estruturais levaram a um aumento do desemprego e da desigualdade, grande fator de aumento da violência urbana. Com isso, assistimos o aumento de tráfico de drogas, roubo de veículos, entre outros furtos, além do aumento da violência interpessoal, fruto da frustração, dos fracassos e da miséria estrutural, que leva a brigas e desavenças, redundando em lesão corporal, estupro, tentativas de homicídios e homicídios. A violência urbana está ligada a atividade econômica e Ribeirão Preto é uma cidade de grande circulação de dinheiro e posses, mas também de uma grande miséria e pobreza que circula o centro da cidade”, explica o pesquisador.

 


Em nota, a Polícia Civil de Ribeirão Preto esclarece que as ocorrências mais comuns são relacionadas a crimes patrimoniais e, para coibir essas práticas delitivas, os policiais civis se empenham em ações para desmantelar quadrilhas especializadas nesse tipo de delito. Suas unidades policiais foram concentradas em um único prédio, com o objetivo de favorecer o fluxo de troca de informações entre os agentes de investigações, e no último ano foram desencadeadas as operações “Arrasto I e II”, que desmantelaram uma quadrilha especializada em furto de caminhonetes de luxo. Também foram realizadas 22 prisões e esclarecidos 28 furtos. O total de furtos registrados em 2021 em Ribeirão Preto foi de 7.558.

 


O contraste: grande circulação de dinheiro e posses X miséria e pobreza é responsável pela violência urbana, destaca o pesquisador Sérgio Kodato

 

Maior número de registros em Ribeirão Preto

1º furto

2º lesão corporal dolosa

3º roubo

4º furto de veículos

5º lesão corporal culposa por acidente trânsito

6º tráfico de entorpecentes

7º roubo de veículos

8º estupro de vulnerável

9º homicídio culposo por acidente de trânsito

10º tentativa de homicídio

 

Alternativas


Na tentativa de conter o alto índice de criminalidade no bairro City Ribeirão, desde 2017, os próprios moradores fazem o monitoramento da área. Implantaram o sistema “Condomínio Virtual City Ribeirão”, que virou referência. “Nosso bairro era alvo de bandidos. Ano após ano aumentava a criminalidade e muitos moradores venderam suas propriedades por valores bem abaixo do mercado e se mudaram. Estávamos no topo das estatísticas da PM em número de ocorrências. Sofríamos todo tipo de violência: assaltos a carros, residências e pedestres. Vivíamos trancados, em estado de alerta, e quando mantiveram uma moradora como refém por horas e mataram seu cachorro a pauladas, entendemos que algo precisava ser feito”, conta Anna Mendes, administradora do projeto. 


As câmeras panorâmicas e leitoras de placas veiculares instaladas em todas as entradas e saídas de cada quarteirão, e em meio a ruas e avenidas, criaram um “muro virtual” em torno do bairro. Sem fins lucrativos ou empresas envolvidas, o monitoramento é mantido pelos moradores, que têm acesso às câmeras de todo entorno de seu quarteirão e integram grupos setorizados de whatsapp para alertas de emergência.

 

“Havendo qualquer movimento estranho, rapidamente a PM é acionada. É um trabalho em parceria, em especial, com a 2ª Cia, e os resultados são excelentes. Estatísticas da PM mostram a diminuição de 95% no número de ocorrências e nossos imóveis valorizaram 40%. Vemos pessoas caminhando, pracinhas sendo frequentadas a noite e isso era impraticável há três anos. Morar num bairro de ruas abertas, com o atrativo da liberdade, contando com a segurança de um condomínio a um baixo custo por residência tem atraído novos moradores. E tudo isso com apenas 45% do total de residências participando, ou seja, poucos favorecem a todos”, relata Anna.

 


Também na direção do uso da tecnologia como suporte à segurança, as Forças de Segurança em Ribeirão Preto (Policia Militar, Guarda Civil Metropolitana, Polícia Civil e Polícia Federal) passaram a contar este ano com o programa Guardiões da Cidade, que possui mais de 100 câmeras “speed dome” (que fazem giro de 360º) e Bullet (fixas) instaladas em pontos estratégicos no quadrilátero central (compreendido pelas avenidas 9 de Julho, Jerônimo Gonçalves, Francisco Junqueira e Independência) e em 21 outros pontos da cidade.

 

As câmeras são integradas ao Sistema Detecta de monitoramento inteligente, desenvolvido pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, que possui o maior conjunto de informações armazenadas da América Latina: com registros de ocorrências, Fotocrim (banco de dados de criminosos com arquivo fotográfico), cadastro de pessoas procuradas e desaparecidas, além de dados do Departamento Estadual de Trânsito (Detran) sobre veículos furtados, roubados e clonados, o que permite detectar e alertar os órgãos de segurança em questão de segundos sobre veículos suspeitos. Embora não divulgue resultados, a Policia Militar garante que as metas do programa estão sendo atingidas, sobretudo na área central, reduzindo índices criminais. 

 

Cães de guarda

 

Outra alternativa a que o ribeirãopretano tem recorrido para reforçar a segurança é a contratação de um “cão de guarda”. Com mais de 30 clientes, entre fixos e esporádicos, localizados em toda a cidade, mas principalmente na zona Sul e no distrito industrial, Sergio Cantadeiro, adestrador de cães há quase 30 anos, conta que a procura — antes restrita à construtoras e empreiteiras com obras em andamento —, tem aumentado.

 

“Hoje, atendemos desde grandes empresas, passando por donos de pequenas obras, até proprietários de imóveis desocupados que não querem ter suas casas invadidas e vandalizadas ou pessoas que viajam e querem manter o imóvel protegido durante sua ausência”, relata o adestrador, recordando situação em que um cão treinado por ele afugentou criminosos e, mesmo com o portão tendo ficado aberto a noite toda, ele permaneceu de guarda no local. Além de treinar cães para guarda patrimonial ele também os treina para proteção pessoal. 

 


Fotos: Revide

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