Avanços simbólicos

Avanços simbólicos

Retificação de nomes em cartórios começou a aumentar no Brasil, mas números ainda não superam as mortes de pessoas transgênero

O Brasil é o país que mais mata pessoas transgênero no mundo”. É assim que citam o Brasil nos últimos 14 anos, de forma ininterrupta. Segundo levantamentos do Observatório de Mortes e Violências LGBTI+, o país registrou, em 2022, uma morte a cada 34h. Mesmo com o empenho de várias ONGs, é difícil chegar a uma estatística exata da violência e dos homicídios, já que muitos casos podem ser subnotificados. O número de pessoas mortas, entre 2018 e 2022, é 733. A vida delas foi tirada, simplesmente, porque decidiram expressar para a sociedade seus verdadeiros corpos, por se vestirem e se portarem como desejavam. Resumindo, por não se enquadrarem nos padrões pré-estipulados. 

 


Ao mesmo tempo que esses índices continuam a preocupar e demandam uma solução urgente, alguns avanços merecem ser celebrados. Em Ribeirão Preto, nos últimos cinco anos, 142 pessoas retificaram seus nomes nos cartórios da cidade. O número ainda é baixo, mas representa uma conquista de extrema importância para a luta da comunidade LGBTQIAPN+. “Oremos todos os dias pela paz mundial e pela união. A vida com respeito, sem preconceito ou discriminação é um direito de todes! Somos resistência e não abriremos mão da nossa existência”, afirma Eliza Alves. A atual Miss Trans Ribeirão Preto lembra que se percebeu diferente aos nove anos e, logo depois, aos 13, começou a tomar hormônios para transicionar de gênero. 

 


Ela conta que nunca teve problema com a aceitação dos pais, mas confessa que, no decorrer do tempo, o entendimento ficou melhor. Já com os amigos da escola, a situação foi outra. Alguns não falam com ela, até hoje, por preconceito. Eliza retificou seu nome quando foi aprovada, no Supremo Tribunal Federal (STF), a lei que exclui a necessidade de redesignação sexual para a troca do nome nos documentos. “Quando eu transicionei, não existia mudança de nome. Era muito constrangedor quando a gente ia a um hospital, por exemplo, e chamavam pelo meu antigo nome”, explica.

 


Cláudia Boullevar também passou por esse processo de entendimento cedo: aos 12 anos. Claudinha, como é conhecida pelos amigos, começou a trabalhar com carteira registrada, mas logo conheceu a vida noturna, onde permaneceu por mais de 30 anos. Ela, que foi jovem durante a ditadura militar, relata que sofreu muita perseguição por ser quem é e por seu trabalho. “Nos anos 80, a gente era muito perseguida. No período da ditadura. A prostituição era considerada vadiagem e quem não tinha registro na carteira ia presa”, revela. Agora, Claudinha trabalha em uma empresa, que foi a primeira a abrir vagas para pessoas transgênero na cidade. A transição do nome no registro da Cláudia está sendo feita com a ajuda da ONG Vitória Régia. Ela ressalta, com orgulho, que quer deixar o nome antigo para trás. 

 

AJUDA JURÍDICA

 


Larissa Brito, presidente da ONG Vitória Régia, é quem está ajudando Cláudia e tantas outras pessoas a retificar seu nome na cidade. “Já fizemos alguns projetos em parceria para retificação de nome e, este ano, queremos atender, pelo menos, 20 pessoas trans”, afirma a advogada. O trabalho se dá através do levantamento dos documentos necessários para a retificação do prenome e do gênero, que é feita diretamente nos cartórios de registro civil de pessoas naturais, conforme provimento nº 73/18 do Conselho Nacional de Justiça. 

 


Outro nome importante na luta contra a lgbtfobia, em Ribeirão e região, é Fábio de Jesus, ou, simplesmente, Fabinho. Presidente da ONG Arco-Íris, ele se entende como um homem gay, cis, negro e fora dos padrões da sociedade. O início da Organização Não Governamental se confunde com sua própria descoberta, pois ele entendeu que era necessário o enfrentamento da sociedade após sofrer um episódio de preconceito na escola. “Minha mãe me ajudou, me empoderou, me deu um caminho que eu comecei a seguir e a lutar. Tenho 19 anos de trabalho na ONG. Desde o começo, atendemos pessoas trans. Lá atrás, apenas com a prevenção de doenças. Agora, mais recente, a retificação de nome, em parceria com uma faculdade local. Nesse mutirão, conseguimos atender muitas pessoas, reforçando a luta e dando dignidade a essas pessoas que sofrem diariamente. O importante é valorizar a identidade dessas pessoas, para darmos visibilidade e também lutar por empregabilidade”, enfatiza. 

 


O OUTRO LADO

 


Muito se discute sobre a melhor hora para dar liberdade à criança ou adolescente para se mostrar quem é e, muitas vezes, entender suas questões de gênero. A grande dúvida é: como fazer? O psicólogo Aguinaldo Dutra, que atende majoritariamente pessoas trans, responde a dúvida: “Inicialmente, devemos pensar que criança que é essa, a idade dela. Em modo geral, é um momento de conhecer e explorar o mundo. É comum que façam diversas atividades, que mudem seus comportamentos, experimentem novas roupas e coisas. Vale a pena pensar se esses sinais são forma de se expressar enquanto criança ou representa algum desconforto a mais e, aí sim, buscar ajuda profissional”, orienta.

 


Algumas pessoas têm a sorte de familiares compreensivos com o processo, mas, isso não exime os pais de toda e qualquer preocupação. Enquanto mãe, Ariane Oliveira, que tem uma ótima relação com a filha e acompanhou toda a transição, só tem uma: a filha sair e atentarem contra a vida dela por ela ser quem é. 

 

CONQUISTA REGIONAL 

 

A eleição de 2020 foi uma surpresa para Anabella Pavão. Ela, que nunca se imaginou ocupando um cargo público, foi eleita vereadora, em Batatais, com 606 votos. “Eu fui para colaborar com a candidatura de outra filiada, e acabou que eu fui eleita. Acho que, não só pela representatividade trans, mas por ser assistente social. Acredito que uma série de fatores me levaram para o legislativo atualmente, não foi só ser trans. Isso não é o suficiente. A gente precisa ter outros recursos, outros acúmulos, até para conseguirmos sobreviver neste meio. Batatais, há quem diga, é uma cidade muito conservadora e eu também acreditava nisso, mas, quando eu fui eleita, eu entendi que Batatais é uma cidade que tem sim uma ala mais progressista. Então, aqui é uma terra de possibilidades”, declara. 

 

 


Foto: Freepik

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