Conscientização pela arte
Júlia Rosengren escreveu o roteiro do curta-metragem “Leaves”

Conscientização pela arte

Modelo, atriz e agora produtora, Julia Rosengren produz filmes que promovem debates relevantes sobre o isolamento social e meio ambiente

*Matéria publicada na edição 1089 da revista Revide.

Júlia Lima Rosengren nasceu em Timbaúba, no Ceará. Mas, não adianta procurar pela cidade no mapa. Timbaúba era o nome do sítio do avô de Júlia, no interior do estado. Lá, o patriarca da família Lima construiu casas para cada um dos filhos, criando uma espécie de povoado familiar. O que aconteceu entre a estadia nesse reduto bucólico no nordeste e a carreira internacional como modelo, atriz, e agora produtora, de Júlia, é o que iremos contar nessa matéria.

No momento, ela se prepara para lançar seu segundo curta-metragem: “Leaves”. A produção traz debates atuais, como o desmatamento e a proteção do meio ambiente. A obra conta com a trilha sonora do músico e compositor ribeirãopretano Kiko Zambianchi, o qual Júlia conheceu por também ter morado em Ribeirão Preto.

Júlia é a filha do meio de uma família de cinco irmãos. Nasceu em casa, como era de costume no interior naqueles tempos. Da época de criança, em Timbaúba, se lembra de como era levar água na cabeça para casa ou ir ao rio lavar roupas. Também se recorda dos momentos de lazer, quando subia em árvores e cuidava dos animais, até os que não faziam parte da fazenda.

“Todo animalzinho que eu encontrava no caminho eu levava para casa. Minha mãe já dizia que eu era muito ligada com a natureza”, comenta. Apesar das dificuldades, o pai, Manoel Ferreira Lima, sempre incentivou os filhos a estudarem e buscarem uma vida melhor na cidade grande. “Meu pai sempre quis que a gente estudasse. Fomos criados nesse ambiente de incentivo à educação e com muito amor. Eu tenho ele como um herói”, destaca. E o estímulo do pai funcionou. Primeiro, Júlia se mudou para o povoado de São Nicolau e, depois, para a cidade Campos Sales, ambas no Ceará.

Ainda na pequena Campos Sales, Júlia começou a participar de desfiles. Em sua primeira experiência em uma passarela, em um concurso de beleza na escola, ela não ficou entre as vencedoras. Porém, foi a fagulha que acendeu o desejo dela pela carreira de modelo. No final dos anos 1980, Júlia se mudou para Ribeirão Preto, onde pode investir nos estudos e fez um curso de “manequim”, como eram chamados os cursos para modelos na época. E, aos 17 anos, tomou a Rodovia Anhanguera rumo a São Paulo.

“Viver em São Paulo com 17 anos não foi fácil, mas eu tive muito cuidado e enfrentei esse desafio”, comenta. Na capital, ela foi abordada por uma agência de modelos que lhe ofereceu um ensaio fotográfico. As fotos chamaram a atenção e ela foi convidada para ser modelo nos Estados Unidos. A carreira da menina nascida no sítio Timbaúba começava a ganhar ares de conto de fadas. Júlia passou a morar com uma amiga em Miami, onde faziam ensaios para catálogos de moda. Ainda em território norte-americano, Júlia também fez trabalhos em Nova Iorque.

Idas e vindas

Ainda nos Estados Unidos, o conto de fadas estava prestes a sofrer uma reviravolta. Assim como no clássico, o Mágico de Oz, um tornado levaria a protagonista dessa história para o outro lado do mundo. Em 1992, um tornado atingiu Miami e causou sérios estragos na cidade. Um dos prédios avariados foi o da agência que Júlia trabalhava. Sem agência e cansada do ritmo nos EUA, a modelo conseguiu uma oportunidade em Tóquio, no Japão.

Trabalhou por quatro anos no país asiático antes de se mudar para a Rússia, onde foi garota propaganda de uma marca de Vodka, além de realizar outros trabalhos pela Europa. Apesar do enriquecimento cultural que teve ao passar por nações tão distintas no velho continente e na Ásia, ela nutria o sonho de ser atriz. Em sua passagem por Nova Iorque, ela fez um curso de teatro, mas a carreira não vingou. Sentindo que sua missão no oriente e na Europa estavam cumpridas, ela retornou aos EUA, dessa vez para Los Angeles, a terra dos artistas. 

Ela voltou ao teatro, atuando em pequenas peças e fazendo pontas e figuração em diversos filmes. “São tantos filmes que, às vezes, eu nem me lembro. Estou em casa vendo um filme e de repente eu falo ‘olha eu ali’”, diz Júlia. Chegou a fazer pontas em grandes filmes, como Pearl Harbor, porém, ela percebia que o sotaque brasileiro a impedia de progredir na carreira cinematográfica. “Naquela época, o sotaque ainda era mal visto. Só depois que algumas atrizes latinas começaram a fazer sucesso que ele foi mais aceito, como a Salma Hayek, por exemplo”, ressalta.

Após essa experiência como atriz, decidiu voltar à carreira de modelo, onde sabia que teria mais oportunidades. O interesse em atuar reapareceu anos mais tarde. Quando ela foi convidada a participar do filme “Cult Cartel”, inspirado na história real de uma seita religiosa no sul dos EUA, que foram acusados de tráfico de crianças além de abusos. No longa, Júlia interpretava uma criminosa mexicana. “Durante as filmagens, o diretor Paul Davis me deixava ficar no set e aquilo me despertou o interesse por criar a minha própria história, aquele ambiente me fascinou”, lembra Júlia. Porém, pouco tempo após as filmagens, veio a pandemia e todos os planos precisaram ser suspensos. Ou quase.

Júlia e o diretor Paul Davis

Câmera na mão 

A pandemia impedia Júlia de sair de casa e participar de novas produções cinematográficas, mas não diminuiu o seu ímpeto por criar suas próprias histórias. Nessa realidade de isolamento, ela produziu e atuou no curta-metragem “Before Sunrise”, roteirizado por Helena Riul de Ribeirão Preto. Na produção, gravada apenas com um celular, Júlia interpreta cinco personagens diferentes, inspiradas em suas amigas.

O curta retrata o distanciamento causado pela pandemia nas relações interpessoais. Além disso, o filme foi dirigido remotamente, pelo diretor Rogerio Takashi, no Brasil. Assim, nessa metalinguagem, o filme passa uma mensagem positiva sobre os momentos mais sombrios e solitários da pandemia. “Depois do ‘Before Sunrise’, comecei a receber convites para participar de festivais. Até o momento, foram 25 prêmios. Isso me motivou muito a continuar fazendo cinema. Tenho tantas ideias na minha cabeça, gostaria de transformá-las em histórias e dividir com as pessoas”, declara Júlia.

A boa aceitação do primeiro curta produzido deu segurança para Júlia levar outras ideias para frente das câmeras. E foi nesse ponto que ela decidiu retornar às raízes e ressignificar o período que passou no sítio, no interior do Ceará. O curta “Leaves” traz um alerta sobre o desmatamento e como o meio ambiente é um sistema integrado, que possui seu próprio equilíbrio. No filme, a personagem vivida por Júlia tem uma forte ligação com a árvore em seu jardim, que parece “sentir” os efeitos do desmatamento por todo o mundo. “O ‘Leaves’ é uma história que eu carrego desde menina. Lembro do meu avô me ajudando a subir nas árvores. As árvores têm seu próprio modo de se ‘comunicarem’, e isso me deu a ideia de fazer essa história. Se eu conseguir conscientizar alguém ou fazer uma pequena diferença no mundo com esse filme, já vou ficar muito feliz “, comenta Júlia.

Trilha sonora 

A trilha sonora do curta-metragem “Leaves” foi composta pelo músico e compositor ribeirãopretano Kiko Zambianchi. Ele e Júlia se conheceram em um show em São Paulo, no final dos anos 80. Na ocasião, Zambianchi já era um nome conhecido da música brasileira, e Júlia decidiu se aproximar do músico para dizer que ela também havia morado em Ribeirão Preto. Eles conversaram, trocaram contatos e não se viram mais após esse dia. Anos mais tarde, Júlia buscou o contato de Kiko e o convidou para compor a música tema do curta. O músico precisou assistir ao curta para captar a essência do trabalho. “Eu achei a mensagem que ela passa demais”, afirma Zambianchi.

O cantor e compositor Kiko Zambianchi foi o responsável pela trilha sonora do filme. Foto: Iara Morselli

O artista, que não parou de compor durante a pandemia, já tinha um catálogo de composições prontas. “Eu gravo e vou salvando no celular, já perdi a conta. Não gravo só Rock, gravo em vários estilos”, revela. Após entender a temática do curta, ele buscou em sua coleção de composições uma que tivesse a “energia” certa para aquela obra. Ao lado da cantora Deborah Blando, gravaram a música “Threes that fall”.

A composição mistura trechos em inglês e português, mas isso não foi um obstáculo para o músico ribeirãopretano. Ele tem trabalhado com músicos estrangeiros e já compôs com produtores de peso que lançaram artistas que o influenciaram, como The Police, Peter Framptom e Supertramp. Por isso, também tem investido em uma carreira internacional. “É um público que nunca ouviu ‘Primeiros Erros’ ou ‘Rolam as Pedras’. Eles se interessam pelo meu som”, ressalta.

Além das telas

Além da conscientização por meio da arte, Júlia também atua em causas filantrópicas no Brasil e nunca esqueceu suas raízes. Apesar de ser discreta, ela auxilia programas sociais nas cidades que passou pelo Nordeste. Ajudou na construção de açudes e criou, ao lado de uma ONG local, um curso de manicure para capacitação profissional de mulheres de baixa renda.  A possibilidade de mudar de vida por meio da educação é o que motiva Júlia em seus projetos filantrópicos. “Lembro de todos os obstáculos que tive na minha infância, porque éramos muito pobres. Porém, se hoje eu sei falar sete idiomas foi porque o meu pai me deu a liberdade e a confiança para eu me educar, sair de casa e fazer tudo isso”, conclui Júlia.

Para saber mais sobre a carreira e as produções de Júlia Rosengren, acesse o site: juliarosengren.com 

Confira a música "Threes that fall"


Fotos: Bob Wolfenson / Iara Morselli

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