Caminho pelo diálogo

Caminho pelo diálogo

Discursos de ódio e a espetacularização da violência pela mídia têm gerado impactos sérios na sociedade brasileira; a psicóloga Nathalia Argolo Campos Ribeiro debate sobre possíveis caminhos para lida

O crescimento no número de ataques às escolas brasileiras nos últimos anos não é mera coincidência. A falta de uma educação emocional, a ausência de controle de conteúdos violentos na internet e o aumento e a legitimação do discurso de ódio são apenas alguns dos fatores que podem ter contribuído para a intensificação desses crimes. A mídia também tem um papel importante nisso. A espetacularização de tragédias e a hiperexposição da violência podem gerar um efeito narcotizante em uma parcela da população, com a perda da sensibilidade para esse tipo de conteúdo. Para debater o tema, a Revide entrevistou Nathalia Argolo Campos Ribeiro, psicóloga e neuropsicóloga com especialização clínica. Atualmente, atua no atendimento clínico de jovens e adultos, mas já esteve presente em trabalhos e projetos voltados para a comunidade escolar, mediando grupos de alunos e professores, promovendo o diálogo e o incentivo à saúde mental.

 

De que forma a educação pode ser utilizada como ferramenta para prevenir a violência nas escolas?

O papel da educação não se resume ao acúmulo de conteúdo, tão pouco, podemos traçar metas universais de conduta e de realização. Considerar as diferentes realidades é imprescindível para construirmos um ambiente de pertencimento, inclusão e confiança, requisitos mínimos no combate à violência. Violência que nasce do distanciamento, das tentativas engessadas de enquadrar o ser humano, da competição desenfreada, da comparação, da banalização do discurso de ódio que, por vezes, passa despercebido como “brincadeira” e acaba excluindo e segregando. A escola é um dos lugares onde podemos exercer a educação, mas, é preciso ampliar esse discurso para pensar a educação enquanto papel social.

 

Como é possível identificar indícios de comportamentos violentos nas escolas antes que episódios mais sérios ocorram?

É importante agir preventivamente e não apenas em situações de risco. Fomentar canais e construir pontes de comunicação entre alunos, famílias e comunidade de forma geral, pode ser um caminho para identificar as questões que permeiam as pessoas que discursos de ódio e a espetacularização da violência pela mídia têm gerado impactos sérios na sociedade brasileira; Quais são os interesses, as angústias e as ideias das pessoas que vivem ali? Como elas podem participar da construção do processo escolar? Como a escola está preparada para acolher e direcionar essas pessoas? É fato que nem tudo estará ao alcance da escola e é justamente por isso que precisamos construir caminhos que acessem as diferentes realidades contidas nesse contexto.

 

Quais são as principais estratégias que a escola e os pais podem adotar para prevenir o bullying?

Acompanhar as mudanças repentinas e estabelecer uma rede de apoio e comunicação entre família e escola podem contribuir na identificação e na intervenção com crianças e jovens. Esteja atento a mudanças bruscas, como introversão, tristeza recorrente, distanciamento das atividades cotidianas, distorção ou depreciação da própria imagem, agressividade, entre outros. O diálogo e o acolhimento ainda são os melhores caminhos, mas sabemos que nem sempre a vítima está aberta a falar sobre isso, seja por medo, vergonha ou qualquer outro sentimento. Por isso, evite julgar, comparar ou minimizar o sofrimento. Esteja presente e busque ajuda profissional sempre que necessário. Afinal, é muito difícil dizer para o outro aquilo que nós mesmos ainda não conseguimos elaborar.

 

Como os pais devem policiar o comportamento dos filhos em casa e nas redes sociais? Até que ponto podemos falar em respeito à privacidade de uma criança ou adolescente?

São os pais ou responsáveis que orientam e ajustam os limites, mas, isso não quer dizer que as crianças e os jovens não participem dessa construção de combinados. Elas podem e devem falar sobre seus desconfortos e pensamentos. Esse espaço precisa ser preservado, para que, depois de ouvi-las, possamos moderar o que é passível de ajuste ou não. A privacidade se dá dentro desses limites pré-estabelecidos e não na total liberdade e passividade do adulto.

“A mídia tem um papel importante nesse contexto, mas, para isso, é preciso concentrar os esforços em soluções e iniciativas de combate à violência e à desinformação”, destaca a especialista

 

Alguns estados e municípios estão ampliando o aporte financeiro para guarda armada e patrulhamento policial nas escolas em detrimento de apoio psicoemocional. Qual a sua opinião sobre isso?

O equívoco está na ideia de que essas duas são concorrentes e não complementares. A segurança pública é fundamental para a vida em sociedade. Não podemos excluir ou minimizar sua importância. Mas, sozinha, ela é insuficiente para tratar essa ferida social causada por questões como a desigualdade social, o racismo e a miséria, entre outras. É urgente unir forças e entender que a saúde mental integra o ser humano. Negligenciar a sua importância limita e adoece o sujeito em esferas, muitas vezes, difíceis de serem percebidas a tempo.

 

Muitos jovens têm sido expostos a discursos de ódio, racismo e misoginia nas redes sociais. Tais ideologias dialogam com inseguranças e medos da adolescência. Como abordar e superar esses temas?

O discurso de ódio e os ataques ocorridos na internet estão cada vez mais explícitos. Ganharam lugar e legitimidade e isso significa que um número cada vez maior de pessoas está exposto a esse tipo de conteúdo. No caso dos adolescentes, essa é uma questão ainda mais preocupante, considerando que esse é um momento sensível e, muitas vezes, vulnerável na vida do ser humano. Acredito que abordar esses temas e entender como eles interferem na realidade desses jovens é um exercício contínuo de observação e escuta. Mais do que orientar e antecipar os riscos, é preciso se aproximar desse universo, afinal, é nele que nossos jovens estão inseridos, se relacionam e se desenvolvem. Separe os seus medos e inseguranças dos medos e inseguranças do adolescente, procure ouvir com atenção e empatia o que eles trazem, esteja aberto às mudanças e estabeleça limites quando sentir necessário.

 

De que forma você acredita que a mídia pode contribuir para combater a espetacularização da violência?

A mídia tem um papel importante nesse contexto, mas, para isso, é preciso concentrar os esforços em soluções e iniciativas de combate à violência e à desinformação ao invés de promover a especulação e alimentar uma curiosidade mórbida que amplia o acesso a esse tipo de conteúdo, o que pode acabar incentivando atitudes semelhantes.


Foto: Pixabay (foto ilustrativa)

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