Centro: onde tudo começa

Centro: onde tudo começa

Forte cenário cultural e histórico de Ribeirão Preto, o Centro é importante para cada ribeirãopretano — mesmo que ele não saiba

Para além de ser considerado o ponto no mapa onde tudo começa, o Centro de Ribeirão Preto pode ser para onde tudo converge — ou deveria —, quando se pensa em cidadania, afinal, não há como exercê-la sem admirar, respeitar e preservar nossa memória, e o Centro, nesse sentido, tem muita. Quem vivia nesse pedaço de chão, despretensiosamente, lá pela metade do século XIX, mal podia imaginar no que ele se tornaria.

 

“O início da estruturação urbanística da nossa cidade aconteceu a partir da atual Praça XV, na área escolhida pelo padre Manoel Eusébio de Araújo, dentro do patrimônio doado à Igreja, para construção da capela de São Sebastião. Essa área se iniciava nas imediações do Theatro Pedro II e chegava até o Palácio Rio Branco.

 

E por que era assim tão comprida, parecendo um verdadeiro vagão? Porque englobava um pequeno aglomerado de casas e uma capelinha de pau a pique que já existiam. Sabe-se da existência desse povoado chamado Arraial do Retiro, desde a década de 1850, através da documentação eleitoral de São Simão”, conta o historiador, escritor e professor José Antônio Correa Lages.

 

Construção da Catedral em 1910


Catedral nos anos 1940

 

Segundo ele, no início, Ribeirão Preto não passava de uma comunidade rural, com uma capela, algumas poucas casas e vendas ao seu redor. O impulso para o desenvolvimento urbano e demográfico aconteceu a partir da lavoura cafeeira, principalmente depois da chegada dos trilhos da Mogiana, em 1883.

 

“Um sinal desse desenvolvimento acelerado foi a criação da freguesia (paróquia) de São Sebastião em 1870, desmembrada da de São Simão. Isso apenas dois anos depois da construção da capela, que logo passou a Matriz. A capela ficava de costas para onde seria construído, 62 anos depois, o Theatro Pedro II e de frente para o aglomerado de casas que já existia. Foi esse ponto — o Largo da Matriz —, o epicentro para a abertura das primeiras vias públicas da cidade, que subiam do ribeirão Preto, e as travessas que as cortavam, subindo do córrego do Retiro”, explica Lages.


Assim nasceu o Centro, desenhado em uma área de 2.180.774 m² — aproximadamente 2,18 km —, doada à Igreja e posteriormente distribuída em 43 ruas e avenidas dentro de um quadrilátero cercado pelas avenidas: Jerônimo Gonçalves, Francisco Junqueira, Nove de Julho e Independência.

 

Com uma população estimada em 19.083 pessoas, correspondendo a 3% da população total da cidade, segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE-2010), o bairro divide opiniões: tem gente que ama e tem gente que dispensa passar perto. Em geral, quem mora no Centro diz que, nesse perímetro, encontra praticamente tudo o que precisa para viver: hospital, escola, supermercado, igreja, clube, teatro, cinema, hotel, comércio e serviços à disposição, tudo podendo “ir a pé”, como em nenhum outro bairro.

 

Os primeiros edifícios 


1937 – Diederichsen
1940 – Adolfo Serra
1951 – Umuarama
1952 – Tinoco Cabral
1954 – Palácio do Comércio
1954 – Bradesco
1954 – Secretaria da Fazenda
1954 – Evaristo Silva
1955 – Salvador Spadoni
1956 – Centenário

Fonte: Ricardo Barros “Verticalização de Ribeirão Preto

 

Trechos da História


Interligando São Paulo, Minas Gerais e Goiás em suas explorações, o bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva — apelidado pelos índios de Anhanguera —, foi quem abriu caminhos para criação das primeiras ocupações de terras no interior. A formação de pousos para tropeiros e viajantes, ao longo deste caminho, foi o ‘pano de fundo’ para constituição de Ribeirão Preto, que surgiu como um prolongamento desta ocupação em direção ao desconhecido. Assim como a grande maioria das cidades brasileiras, Ribeirão Preto também começou como um arraial, um pequeno vilarejo, que virou município.

 

O povoamento em si — segundo trecho do Livro do Tombo da antiga igreja Matriz —, teve início em 1853, após doação de terras feita à Igreja por seis proprietários da fazenda Barra do Retiro. Oficialmente, porém, a cidade tem sua fundação considerada a partir de 19 de junho de 1856 — data da legalização como patrimônio da Igreja das terras doadas por João Alves da Silva Primo, Severiano João da Silva, José Borges da Costa, Ignácio Bruno da Costa, Mariano Pedroso de Almeida e José Alves da Silva. “Os seis doadores podem ser considerados os ‘fundadores’ oficiais da cidade.

 


O historiador José Antônio Correa Lages conta que Ribeirão Preto não passava de uma comunidade rural, com uma capela, poucas casas e vendas ao redor; foram o café e a Mogiana que impulsionaram a cidade

 

Essa área de 62 alqueires era situada no interior da fazenda chamada Barra do Retiro, a menor entre as cinco em que se dividiu a fazenda do Rio Pardo — o primeiro latifúndio de que se tem notícia na documentação (1834) na área de Ribeirão Preto. Em 19 de junho de 1856, o Juiz Municipal de Casa Branca deferiu a demarcação da área do patrimônio que foi, então, transferido ao domínio da Igreja e, por isso, essa data é considerada a da fundação da cidade, aprovada por lei na Câmara Municipal de Ribeirão Preto, em 1954. Vale ressaltar que, no final da década de 1880, duas outras pequenas doações, feitas por Antônio Beraldo Azevedo e de Ana Zeferina Nogueira, foram acrescidas ao patrimônio da igreja”, conta o historiador Lages. 


O povoado cresceu rápido e, em 1871, foi elevado à categoria de município como Vila de São Sebastião de Ribeirão Preto. De 1879 a 1881, foi chamado de Vila de Entre Rios, por ficar entre o rio Pardo e o Mogi Guaçu. Depois voltou à denominação anterior e teve, ainda, outros nomes: Barra do Retiro, Capela de São Sebastião do Ribeirão Preto, Vila de São Sebastião do Ribeirão Preto, Vila de Ribeirão Preto até, enfim, tornar-se Ribeirão Preto.

 

Com uma ocupação inicialmente esparsa, Ribeirão Preto teve seu crescimento acelerado associado à chegada de imigrantes para o trabalho nas lavouras cafeeiras. Segundo consta no livro “Ribeirão Preto: a dinâmica da economia cafeeira de 1870 a 1930”, de Luciana S. Lopes (2011), em 1874, o município possuía 5.552 habitantes. Pouco mais de dez anos depois, em 1886, esse número quase dobrou, passando para 10.420. De 1886 até 1900, a cidade viveu seu maior aumento de população, até então, totalizando 59.195 habitantes. De 1900 até 1934, passou para 81.565 pessoas.


Em 1937, foi inaugurado, no Centro, o primeiro edifício de Ribeirão Preto, segundo do Estado de São Paulo, com mais de três pavimentos — o Edifício Diederichsen —, que carrega, até hoje, o nome de seu idealizador. Todo feito de concreto armado, em estilo Art Déco, e formato de U, o prédio de seis andares está localizado na rua Álvares Cabral e possui 150 metros de fachada, entre as ruas General Osório e São Sebastião.Edifício Diederichsen e o processo de verticalização do Centro que teve início nos anos 1970

 

Pode ser considerado o “shopping” daquela época. Abrigou o Cine São Paulo, até sua desativação, em 1992, a Unidade I do Pinguim e, até hoje, sedia o Café Única, um forte ponto de referência no Centro. O edifício é uma das mais importantes referências históricas do município e, não fosse a ousadia de Antônio Diederichsen em erguê-lo, a cidade poderia ter estagnado com a crise cafeeira, assim como tantas outras na região. Tombado pelos conselhos municipal e estadual de defesa do patrimônio histórico e cultural — Conppac e Condephaat, o edifício foi doado como herança à Santa Casa de Ribeirão Preto. 

 

Mercado imobiliário


Resultado de um processo de verticalização e especulação imobiliária, intensificado entre 1950 e 1990, o Centro tal qual é hoje passou por um significativo aumento da sua densidade demográfica em pouco tempo, algo sem precedentes, até então, na história da cidade.

 

Com um desenvolvimento considerado sustentável até meados da década de 70, a partir da década de 80, houve uma inversão no uso das edificações acima de três pavimentos — que eram predominantemente destinadas a uso comercial e passaram a um maior uso com finalidade residencial —, tornando a área de moradia no Centro 20% maior do que no restante da cidade, segundo aponta Ricardo Barros em seu filme “Verticalização de Ribeirão Preto”, que destaca a legislação da época como grande responsável por esta verticalização desproporcional.


Com uma taxa de vacância (imóveis desocupados) de 11%, segundo dados do IBGE de 2010, a valorização dos imóveis na região se mantém estável há muito tempo, “diferente de outras regiões”, segundo o diretor do Conselho Regional dos Corretores de Imóveis (CRECI), Antônio Marcos Melo.

 


A variação do m² no Centro fica entre R$ 1.500 e R$ 5.000, segundo o diretor do CRECI, Antônio Marcos Melo

 

“Embora algumas regiões da cidade, como a Avenida Dom Pedro ou a Avenida Saudade, já tenham vida própria, o Centro permanece com sua força, pois dificilmente se vê uma porta comercial fechada na região central, onde não se tem despesa de condomínio, encargo de uma loja no shopping. Nota-se que quando se desocupa um imóvel, é bem rápida a posse com um novo inquilino. Também é comum notar estudantes da USP, por exemplo, manterem pequenas repúblicas na região central. É uma proposta, um estilo de vida, uma opção”, avalia Melo.


Para o corretor, os inúmeros atrativos que a região central oferece em termos de comércio, serviços diversos, locais históricos, cultura e lazer, estabelecimentos de ensino e saúde, calçadão, Catedral, mercadão, shopping, ACIRP e Feira do Livro, bem como a proximidade com a rodoviária, a mobilidade e o acesso facilitado como fortes aliados, geram oportunidades de investimento, de emprego e de expansão de negócios, mesmo sendo devido o laudêmio dentro do perímetro de patrimônio original da Igreja.

 

“Tudo isso associado a maior ou menor proximidade de pontos de maior circulação de pessoas, a idade do imóvel e seu estado de conservação, a metragem de terreno e construção, faz com que, muitas vezes, em uma mesma rua o valor do m² varie. Por amostragens de negócios realizados na região central, apontamos essa variação entre R$ 1.500 até R$ 5.000 o m²”, conclui o diretor. 

 

Avenida Nove de Julho


Os primeiros quarteirões da atual Avenida Nove de Julho foram entregues em 7 de setembro de 1922, pelo então prefeito João Rodrigues Guião. A via, tombada pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural (Conppac), e conhecida por suas frondosas sibipirunas, começou a ser planejada em 1921 e foi inaugurada como Avenida Independência.

 

Anos mais tarde, a partir do Ato nº 60, de 25/07/1934, passou a se chamar Nove de Julho — em celebração à Revolução Constitucionalista de São Paulo, ocorrida em 1932 —, e ganhou prestígio a partir de 1950, com residências de estilo moderno construídas nas proximidades. Com o passar do tempo, perdeu suas características de área residencial e se tornou um grande centro financeiro, reunindo quase 30 bancos comerciais e de investimentos, além de seguradoras e consórcios em seus pouco mais de dois quilômetros. 

 

Praça XV de Novembro


Foi a partir da Praça XV que Ribeirão Preto se desenvolveu. Era um grande largo de terra batida, de 400x100 metros, cercado de construções. Nasceu sem inauguração e ali plantaram algumas figueiras que resistem até hoje.

 

Foi a partir dessa área que o fabriqueiro Manoel Fernandes do Nascimento, encarregado de demarcar a cidade, planejou o traçado de Ribeirão Preto. A primeira Matriz foi inaugurada ali, em 1868, onde hoje está a fonte luminosa. Em 1897, foi inaugurado em frente à igreja o Theatro Carlos Gomes. Em julho de 1901, foi inaugurado o “Jardim do Doutor Loyola”, prefeito interino que formou o primeiro jardim e construiu um chafariz, um coreto e um lago de carpas na praça. Em 1919, a praça passou por uma reforma completa.

 

 

Em 1905, a velha Matriz foi demolida e erguido um bar. Em 1946, foi a vez do Theatro Carlos Gomes ser demolido (feito considerado um crime para o patrimônio da cidade). E, no início da década de 60, o coreto foi posto abaixo.

 

Entre 1929 e 1930, foi inaugurado o “Trianon da Praça XV”, um bar térreo com mirante na cobertura, que foi demolido em 1938. A praça passou por muitas modificações, a mais significativa entre 1937 e 1944, quando adquiriu detalhes da sua imagem atual, com o plantio de árvores nativas brasileiras, a instalação do Monumento ao Soldado Constitucionalista de 1932 e a construção da fonte luminosa, inaugurada em 20 de janeiro de 1939. Em 1º de fevereiro de 1993, a Praça XV foi tombada como patrimônio histórico juntamente com o “Quarteirão Paulista”. 

 

• Confira mais sobre o Centro e outros bairros de Ribeirão Preto na editoria "Nosso bairro, nossa história".


Fotos: Revide / Acervo/

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