Vila Tibério: um bairro, muitas histórias
Vista da Praça Coração de Maria como era antigamente

Vila Tibério: um bairro, muitas histórias

Nascida no final do século XIX, a Vila Tibério tem o charme da arquitetura moderna e o carisma da sua gente

Com uma população estimada em 32.655 habitantes (IBGE-2010) e localizado entre os bairros Sumarezinho (ao norte), Jardim Antártica (ao noroeste), Vila Virgínia (ao sul) e Campos Elísios (ao nordeste), a Vila Tibério pode ser considerada uma “extensão do Centro”, que nasceu e se desenvolveu no final do século XIX, depois da doação de terras desmembradas da Fazenda Monte Alegre, feita por João Franco de Moraes Octávio ao genro, Tibério Augusto Garcia de Senne, agrimensor que dá nome ao bairro.

 

Tibério dividiu o terreno herdado em várias chácaras (algo próximo à medida de um ou dois quarteirões atualmente) e começou a vender essas glebas, principalmente, a ferroviários e italianos que chegavam ao Brasil. Eles, por sua vez, dividiram essas terras em lotes menores e revenderam a trabalhadores, dando origem ao tradicional bairro operário.


O crescimento da Vila Tibério se deu sustentado pela inauguração da Estação de Ribeirão Preto da Cia. Mogiana de Estradas de Ferro (1885) e da cervejaria da Cia. Antárctica Paulista (1911) — que atraíram operários; pela transferência das atividades industriais do Banco Constructor para galpões no bairro (1912); pela criação da Paróquia Nossa Senhora do Rosário (1914), decretada pelo 1º bispo da Diocese de Ribeirão Preto, Dom Alberto José Gonçalves, e, também, pela Escola Estadual Dona Sinhá Junqueira (1919), além da fundação do Botafogo Futebol Clube (1918). 

Cervejaria Paulista Ribeirão Preto

O “antes” (imponência no meio do mato) e o “depois” (decadência e puro mato) da Companhia Antarctica Paulista, referência de uma época na Vila Tibério

 

Com estes pilares, a Vila Tibério se fortaleceu e passou a atrair novos empreendimentos, como fábricas de sapato, de vidro, de cerâmica, pequenas indústrias, armazéns e bares.

 

“A proximidade com o centro da cidade, com a linha férrea e com as fazendas de café atraiu as indústrias que, por sua vez, atraíram operários, principalmente italianos, que abandonavam as colheitas de café em busca da vida urbana. Assim se deu a expansão da cidade para a região oeste (até 1920) e o antigo Barracão (sede urbana do Núcleo Colonial) acabou se unindo à Vila Tibério”, explica Cláudio Gonçalves da Silva Neto, antigo morador, professor e pesquisador da história do bairro.


 

Trechos da História


Alguns pontos da Vila são referência nessa história escrita em três eixos do tempo: séculos XIX, XX e XXI, e que começa selada por uma porteira que, no início do século XX, era a única passagem para o centro da cidade. Era fechada em determinado momento do dia, deixando o bairro totalmente isolado.

 

Simplesmente, ninguém entrava ou saía até sua reabertura no dia seguinte. A porteira da Mogiana ficava onde hoje se encontra a rua Luiz da Cunha. A fábrica da Cia. Antárctica é uma das referências mais fortes na vida dos tiberenses.

 


Muitas pessoas chegavam na estação Mogiana à procura de emprego nas fazendas próximas ou nas fábricas em situação de extremada pobreza, por isso, um grupo de funcionários da estação criou a Sociedade Amiga dos Pobres

 

“Durante muito tempo, a fábrica da Cia. Antártica tocava uma sirene, extremamente alta, era o ‘relógio da Vila’. Todos se baseavam no toque da sirene para saber as horas porque ela tocava sempre às 6h, às 12h e às 18h. Mesmo após o fechamento da fábrica, a sirene continuou tocando por muitos anos. Só parou por volta dos anos 2000”, recorda Neto.


O Botafogo é uma história à parte na história da Vila. Fundado em 12 de outubro de 1918, o time nasceu da união de três clubes de futebol do bairro: União Paulistano, Tiberense e Ideal Futebol Clube. “Diz a lenda” que, cansados de perder nos campeonatos disputados, os dirigentes dos clubes se reuniram no “Bar Piranha” e entraram em consenso para criar a nova agremiação, que ganhou esse nome depois de alguém dizer:

 

“Ou define logo ou ‘bota fogo’ em tudo e acaba com essa história”. Além de uma expressão muito usada por funcionários da Estrada de Ferro Mogiana, Botafogo também era o nome do lugar próximo à Companhia Antárctica, onde os lixos da cidade eram queimados. (atual rua Saldanha Marinho).

 

Oficina da empresa de Antônio Diederichsen na Vila Tibério (1950)
Oficina da empresa de Antônio Diederichsen na Vila Tibério (1950)

 

Mercado Imobiliário


O auge da Vila Tibério foi vivenciado na primeira metade do século XX. Já no início dos anos 60 — com a transferência da Estação da Mogiana para o Jardim Independência e a construção do novo estádio do Botafogo no Ribeirânia —, o cenário começou a mudar.

 

O fechamento da cerâmica, do frigorífico e das fábricas de vidros, de sapatos e da cervejaria (no final da década de 90), terminaram de escrever a história da Vila Tibério como um bairro de comércio diluído, dotado de um importante corredor gastronômico: a Avenida do Café, que separa o bairro da Vila Amélia e liga o campus da Universidade de São Paulo (USP) ao centro da cidade. 

 

Estádio Luís Pereira Ribeirão Preto

Estádio Vila Tibério
Estádio Luis Pereira (Botafogo), na Vila Tibério, dos áureos tempos ao abandono


Essa proximidade com a USP, aliás, é um dos grandes atrativos para o mercado imobiliário.

 

“O endereço fácil para estudantes cria referência na região e, por ser um bairro classe média, antigo, tradicional, próximo ao centro e muito bem servido de comércios, escolas, bancos e transportes públicos, o setor imobiliário apresenta estabilidade. Ainda assim, sentimos que há um déficit no perfil de famílias classe média, com qualidade e valores compatíveis, apesar da quantidade de ofertas tanto para locação, quanto para venda”, argumenta Maria José de Queiroz, que atua no mercado imobiliário na região há 18 anos, contando com experiência tanto em momentos de expansão, como de crise. 


No bairro, a maior concentração de construções é de casas de classe média, com boa disponibilidade de espaço, e o valor do m² varia entre R$600 a R$1.000 nas áreas centrais e R$300 a R$500 nas áreas periféricas. 

 

Vista de vão lateral da oficina do Antigo Banco Construtor, na Vila Tibério.  Presença de operários junto às máquinas e escritório (1928)
Vista de vão lateral da oficina do Antigo Banco Construtor, na Vila Tibério.  Presença de operários junto às máquinas e escritório (1928)

 

A vila e sua gente

 

A Vila Tibério tem muitas “histórias estranhas”, baseadas, principalmente, no imaginário das crianças que cresceram invadindo locais abandonados para brincar, assegura Cláudio Neto, uma dessas crianças.

 

“Toda rua tinha sua história de ‘noiva’ e também tínhamos a mania de achar que todos tinham algum segredo para esconder. Por exemplo, na minha rua, tinha um professor de violão que deixava uma peruca pendurada perto da janela, certamente para provocar as crianças, e sempre pensamos que era algo tipo o filme Psicose. Passávamos lá todo dia, na esperança de ver a peruca ou a ‘mulher’ se mexer”, conta o pesquisador.

 

Sebastião Bordini, o Leão
Eleito em uma pesquisa como o personagem mais iconográfico da Vila Tibério, torcedor fanático do Botafogo, muito conhecido não só por ser alguém que está lá há mais de 70 anos, mas por sempre ficar muito nervoso quando o assunto é futebol. Não comente nada sobre o Comercial (rival do Botafogo) perto dele, pois é famoso por seus berros nas ruas quando provocado. 

 

Sr. Divino do violão
Senhor negro, muito alto, vestido todo de branco, com chapéu e tudo, que sempre subiu e desceu a feira do bairro aos domingos cantando e tocando seu violão com frases da bíblia.

 

Zezinho do papel picado
Ninguém sabe ao certo como se chama, só o que se pode dizer sobre este senhor é que anda pelo bairro picando papel, literalmente. Senta-se pelas esquinas e começa a picar papel de jornal, anúncios ou lixo. Pica bem pequeninho, fica ali por horas picando, levanta e vai embora.

 

Gepeto
Consertador oficial de brinquedos, era famoso por ser o único a “dar jeito” em bonecas e carrinhos no bairro. Tinha uma pista de autorama enorme em sua loja e as crianças ficavam do lado de fora só observando e desejando um dia ter dinheiro para brincar na pista.

 

"A Vila Tibério é um bairro pitoresco. A população envelheceu e os filhos e netos foram saindo para condomínios fechados (meu caso), deixando os pais lá. A sensação é de que a gente sai da vila, mas a vila não sai da gente. Mesmo morando longe, corto o cabelo no velho barbeiro de sempre, e faço questão de fazer tudo a pé, só para andar pelas ruas e sentir os velhos cheiros e olhar os alpendres antigos.

 

A sensação é de estar em casa. Eu nunca transferi meu colégio eleitoral, só para ter a alegria de entrar na minha antiga escola para votar. A gente brinca dizendo que a vila não precisa de policiamento, pois tem sempre alguém na calçada, com cadeira de fio de borracha, vigiando a rua e as pessoas”, Cláudio Gonçalves da Silva Neto, “nascido e criado na vila”

 

 

Confira mais sobre a Vila Tibério e outros bairros de Ribeirão Preto na editoria "Nosso bairro, nossa história".


Fotos: Revide/ Divulgação/ Carlos Trinca/ Jornal da Vila

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