Educação para as emoções

Educação para as emoções

Considerada um estado complexo do organismo, gerado a partir de um acontecimento externo ou interno caracterizado por uma excitação que predispõe à ação, a emoção é um enorme desafio ao ser humano

De acordo com o neurocientista português naturalizado norte-americano, Antônio Damásio, todos os organismos vivos, da ameba ao ser humano, nascem com dispositivos de sobrevivência para solucionar automaticamente os problemas. Nos seres mais simples, como as moscas, são observados movimentos automáticos de aproximação e de afastamento. Já nos seres humanos, estes movimentos corresponderiam às emoções. O choro e o sorriso seriam exemplos de como o homem já nasce com “emoções básicas” relacionadas ao sentido de sobrevivência. Pouco depois, o “choro manhoso”, utilizado para se conseguir algo dos pais, demonstra um exemplo de manipulação da emoção por aprendizagem.
Existem muitas emoções, sendo todas elas consideradas importantes para o ser humano. Entre os autores que já se dedicaram ao seu estudo está Paul Ekman — considerado o maior especialista mundial na análise das expressões emocionais humanas, principalmente a facial —, que lista sete (inatas) consideradas básicas pela maioria dos autores: alegria, tristeza, raiva, surpresa, medo, nojo e desprezo. 

Cada uma envolve a mudança de tonicidade de um grupo específico de músculos da face. No mapeamento feito pelo A relação do ser humano com as emoções é “tipicamente de descuido”, afirma João Roberto de Araújopesquisador, ficou comprovado que, no mundo todo, nas mais diferentes culturas, essas expressões faciais acontecem da mesma forma.

Diferentes teorias tentam definir as emoções. Evolucionistas afirmam que elas desempenham um papel importante no processo de adaptação ao contexto para assegurar a sobrevivência. Teorias cognitivas ressaltam que esses sentimentos são a consequência das avaliações que fazemos de determinado contexto. A psicanálise as descreve como expressões de desejos inconscientes. O construcionismo social as contempla como uma reconstrução da sociedade. 

Apesar da importância de conhecer e de aprender a lidar com as próprias emoções para viver melhor, pode-se dizer que muitas pessoas passam a vida toda sem observá-las. 

Analfabetismo emocional

João Roberto de Araújo, mestre em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da USP e idealizador do programa de Educação Emocional e Social da Inteligência Relacional, “Liga Pela Paz”, afirma que a relação do ser humano com as emoções é tipicamente de descuido, o que se traduz em um amplo analfabetismo emocional. “Muitas vezes, as questões emocionais são negligenciadas e, quando muito, limitadas a terapias específicas na fase adulta. A educação ficou distante do tema das emoções, as quais têm sido majoritariamente barradas nos portões das escolas”, enfatiza o professor. 

A relação com as próprias emoções desponta tão complexa que, ao se aprofundar, percebe-se o quanto falta por avançar. Há, por exemplo, um maior número de emoções desagradáveis do que agradáveis listadas pela maioria dos estudiosos, assim como também o vocabulário possui mais termos para representar os estados emocionais desconfortáveis do que os confortáveis. 

Isso acontece, segundo João Araújo, porque a função da emoção é manter as pessoas vivas, não felizes. “Somos mais vigilantes às situações de perigo e desconforto, real ou imaginário, pois é a atenção e a resposta a elas que nos mantêm vivos. Por isso, fala-se no eixo gravitacional das emoções negativas, que, a todo momento, puxa o indivíduo para baixo. Nosso desafio, com a educação emocional, é ir contra a gravitação e potencializar a vivência das emoções confortáveis às desconfortáveis. Utilizamos estes termos em vez de ‘emoções positivas ou negativas’ para não confundi-las com emoções boas ou ruins, que não devem ser sentidas, afinal, todas as emoções são importantes e fundamentais à sobrevivência”, avalia o professor.

Desafio do século

A educação e o preparo para lidar com as emoções Para João Araújo, lidar com as emoções consiste no maior desafio educacional deste século. A Educação Emocional e Social é um processo permanente, que busca desenvolver consciência, autonomia e regulação emocional — a chamada “competência emocional” —, tendo como objetivo o desenvolvimento de estilos emocionais saudáveis ao longo da vida. “As competências emocionais são o conjunto de habilidades, atitudes e conhecimentos necessários para tomar consciência, compreender, expressar e regular de forma apropriada os fenômenos emocionais”, explica o idealizador do programa.

O objetivo do desenvolvimento das competências está em promover o bem-estar pessoal, profissional e social, sendo, portanto, um tema indispensável na Educação Infantil, no Ensino Fundamental e Médio, na família, nos centros de formação de adultos, nos meios de comunicação, nas organizações e nas empresas. “É a verdadeira Educação para a Vida”, salienta Araújo.

Inovador e inédito, o trabalho de Educação Emocional e Social com escolas e famílias realizado pela Inteligência Relacional apresenta números significativos. Trata-se de uma iniciativa colocada em prática em 2008, por meio da metodologia “Liga Pela Paz”, qualificada pelo Ministério da Educação e implantada em escolas de 22 estados brasileiros, envolvendo mais de 500 mil alunos e de 22 mil educadores.

Para a Inteligência Relacional, educar para as emoções significa ensinar para a paz, ou seja, reconhecer a importância das emoções na vida de todas as pessoas e tratar o tema de forma estruturada e sistemática, de modo que a convivência possa ser melhorada. 

Com Educação Emocional e Social, situações de estresse, consumo de álcool e drogas, depressão e violência podem ser evitadas. Isso porque são desenvolvidas a concentração, a tolerância, a autoestima, as competências emocionais e as habilidades para solução de conflitos. Tudo isso gera melhoria da relação com o outro e, consequentemente, contribui para a manutenção de uma sociedade mais pacífica. 

Ação em Ribeirão

Para a professora Isabel Cristina Ribeiro Rambourg, a escola precisa trabalhar com o ser humano em sua totalidadeEm Ribeirão Preto, uma iniciativa pioneira na escola pública Professora Hermínia Gugliano, que buscou patrocínio para a formação de professores e a aquisição do material pedagógico desenvolvido pela Inteligência Relacional, possibilita há cinco anos a utilização da metodologia. “Sentimos necessidade de buscar um programa que pudesse lidar com questões relacionadas às emoções porque no mundo atual, cada vez mais, a escola precisa trabalhar com o ser humano em sua totalidade, e não apenas se preocupar com as questões relacionadas aos conteúdos escolares. A metodologia Liga Pela Paz está alicerçada em três pilares: perdão, diálogo e autoestima. Já sentimos muitas mudanças na cultura de paz e na comunicação não violenta em nossa comunidade escolar”, afirma a coordenadora pedagógica Isabel Cristina Ribeiro Rambourg.

Segundo Isabel, há evolução no relacionamento entre as crianças, entre alunos e professores, entre professores e até entre os familiares e a escola.  Houve, ainda, melhora na aprendizagem, pois a partir do momento em que a criança aprende a lidar com as emoções, tem condições e tranquilidade para aprender bem os conteúdos de cada ano escolar.

Uma pesquisa realizada pela UNESCO em 14 países da América Latina comprovou que a educação emocional é uma variável importante no aprendizado. A avaliação de resultados da Inteligência Relacional, baseada em inventários aprovados pelo Conselho Federal de Psicologia, revela redução de 34% em comportamentos problemáticos e aumento de 26% nos comportamentos socialmente habilidosos entre os alunos que passaram pelo desenvolvimento da Educação Emocional e Social desde 2013. 

 “Precisamos ter nas escolas um olhar voltado às dificuldades que as crianças enfrentam em seu dia a dia. Não se consegue atenção à formação de nossas crianças somente trabalhando com Língua Portuguesa ou Matemática, mas, principalmente, trabalhando com as emoções, com os valores, questões comuns que estão cada vez mais esquecidas pela sociedade que muito sabe de tecnologia e pouco sabe sobre como lidar com seus problemas emocionais”, conclui Isabel Rambourg. 

As emoções e o cérebro

Todas as emoções são fonte de motivação para a ação. O ciúme, por exemplo, pode levar a um comportamento violento ou ser canalizado para o autodesenvolvimento. A raiva pode conduzir à morte ou motivar para o bem, como fez Gandhi, que direcionou sua raiva das injustiças à construção da teoria da “Não Violência”. Richard Davidson, neurocientista norte-americano, afirma que o cérebro possui um “estilo emocional” que influencia determinados estados emocionais e humores. Uma pessoa ansiosa, que costuma se preocupar nas mais diversas situações, tende a ter uma combinação de estilos emocionais de baixa resiliência, atitude negativa e atenção pouco focada. Assim, tem maior chance de responder de forma ansiosa em outra situação, pois este caminho cerebral (as sinapses) se fortalece a cada resposta ansiosa. A boa notícia nas investigações de Davidson é que isso pode ser mudado com exercícios, pois o cérebro afetivo tem a capacidade de alterar sua estrutura e sua função em resposta à experiência, o que se chama neuroplasticidade — algo bastante útil no controle da ansiedade e da depressão, por exemplo. Mudar o estilo emocional do cérebro é mudar a maneira como cada um se emociona frente às situações da vida. O caminho é a Educação Emocional.

Texto: Yara Racy

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