Plano atrasado

Plano atrasado

Em menos de um mês, o Plano de Educação (PME) de Ribeirão Preto completa um ano de atraso sem ter sido aprovado pela Câmara Municipal, por ter sofrido mudanças após a realização de audiências públicas

Era para ser apenas uma audiência pública para debate de vários assuntos relacionados à educação, mas a maior parte da discussão acabou voltada para o Plano Municipal de Educação (PME) de Ribeirão Preto. A audiência, convocada pelo promotor Marcelo Pedroso Goulart, do Grupo de Atuação Especial de Educação do Ministério Público de São Paulo (GEDUC), Núcleo Ribeirão Preto, tinha na pauta quatro temas relacionados à educação de Ribeirão Preto, Cravinhos, Serrana e Serra Azul, entre eles, os PMEs, cujo prazo de conclusão, com aprovação legislativa, era 24 de junho do ano passado, data do primeiro aniversário do Plano Nacional de Educação. Como Ribeirão Preto não conseguiu cumprir o prazo, ganhou direito a uma discussão ampliada dentro da audiência.

No dia 23 de maio, o promotor Marcelo Goulart despachou um inquérito sobre o assunto com o objetivo de marcar uma reunião com a Comissão Permanente de Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia da Câmara de Vereadores, presidida pelo vereador André Luiz da Silva (PTN) e com Cícero Gomes da Silva (PMDB) como vice-presidente. No encontro de sexta-feira chegou-se à conclusão que o PME precisa de pelo menos mais uma audiência pública, a ser convocada pela Câmara Municipal, para que se discuta pontos divergentes. “Vou agendar uma reunião com a Comissão e convidar o Ângelo (Invernizzi Lopes – secretário municipal da Educação) para participar. Espero que possamos levar o assunto para audiências públicas, para debater as alterações feitas no PME”, disse o promotor.
Essa demora ocorre porque o texto do PME sofreu mudanças após a realização de cinco audiências públicas. O secretário de Educação Ângelo Invernizzi aponta que as mudanças, que ele chama de vetos do Executivo, existiram em função de problemas financeiros. “Fizemos as audiências públicas e elaboramos um plano democrático, mas a implantação levaria a um custo adicional de R$ 140 milhões ao ano, o que inviabiliza qualquer gestão. Por isso, o Executivo vetou pontos polêmicos”, disse o secretário. 

Além do custo, outros vetos foram feitos. Um dos mais polêmicos diz respeito à gestão democrática, que prevê o fim de indicações e nomeações políticas de diretores de escolas. “Essa é uma discussão ampla. Existem seis modalidades de gestão democrática, entre elas, a eleição direta, a nomeação por lista tríplice e o concurso, mas os diretores defendem a continuidade das nomeações. Qualquer solução encontrada provocará discordâncias”, comenta Ângelo Invernizzi.

Em nota, a Prefeitura de informou que o Plano Municipal da Educação foi analisado pelas secretarias dos Negócios Jurídicos e da Fazenda, pelo Comitê Orçamentário Financeiro (COF) e pela Comissão de Governo, nomeada pela Portaria nº 0769, publicada no Diário Oficial do Município (DOM) de 21/10/2015. “Dentro das prerrogativas do Governo, ele foi revisado para se adequar ao momento econômico do país, do município e em consonância com a Lei de Reponsabilidade Fiscal. O Plano foi encaminhado para a Câmara Municipal, que irá analisá-lo”, registra a nota.

Para o cientista político José Elias Domingos, a mudança na forma de escolha dos diretores é uma questão essencial, crucial para se resolver o problema. “É preciso mudar o perfil para a escolha dos diretores de escolas. Sair da ótica de nomeação política para estabelecer a participação de professores, alunos e pais. Ribeirão Preto está muito atrasada em relação a isso”, disse José Elias. No dia 5 de abril deste ano, vários estudantes estiveram na Câmara Municipal para protestar pela mudança no PME e sua aprovação. As principais faixas de protestos apontavam para a reivindicação de votar para diretores de escolas. Marcelo Goulart lembra que esta é uma posição já firmada no PNE e que é difícil não ocorrer. “É possível exigir pelo Plano Nacional”, disse o promotor.

Sem Pedras

Apesar de considerar que, do jeito que está o PME, a discussão não vai a lugar nenhum, o secretário da Educação diz que não é possível demonizar o Plano. “Não dá para tratá-lo como uma Geni e jogar pedras (numa referência à música Geni e o Zepelim, de Chico Buarque). Vou propor o caminho do meio, uma nova audiência para discutirmos a partir dos vetos do Executivo, para não inviabilizar o projeto. Sou a parte mais interessada na solução e meu posicionamento é pela retomada da conversa, sem perder as discussões das audiências já realizadas, por isso, a convocação deve partir da Câmara Municipal”, apontou Ângelo Invernizzi.

Presente na audiência pública, o vereador Beto Cangussú (PT) disse que não poderia falar em nome da Câmara ou da Comissão de Educação, mas deu sua opinião como parlamentar. “Acho que a discussão é possível e deveria ser agora, mas temo que não aconteça em razão do ano eleitoral”, afirmou. Cangussú comentou que a audiência deve ser convocada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) ou da Educação, das quais ele não participa, mas se comprometeu a fazer gestões pela discussão. “Se não houver a provocação, o projeto vai ficar dormindo em berço esplêndido”, afirmou o vereador.

Para o presidente da Comissão de Educação, André Luiz da Silva, seria prudente que a convocação partisse da Comissão, mas ele pretende conversar com os demais membros — Cícero Gomes da Silva e Waldyr Villela — para definir se haverá a convocação. “Precisamos ver a possibilidade porque houve uma construção feita pela sociedade bem representada, um outro produto feito pela comissão da Prefeitura e, agora, faríamos um terceiro produto, da Câmara. A Comissão não tem uma posição clara, porque há questões de gênero e democratização. Além do mais, há um governo federal fazendo mudanças e temos uma eleição municipal pela frente, e o prefeito eleito também pode querer mudanças”, salientou André. 

Grupo de estudo

O PME deveria ter entrado em vigor no dia 24 de junho do ano passado, mas apenas no dia 30 do mesmo mês o projeto discutido em cinco audiências foi entregue à Prefeitura para análise. A Administração Municipal criou um grupo para analisar a proposta e fez as adequações que considerou necessárias e o enviou à Câmara Municipal para análise e votação. Após a votação, caberá ainda à prefeita Dárcy Vera (PSD) sancionar a lei, que deverá ser aplicada pelos próximos dez anos devendo, após este prazo, ser revisada.

Democratização Difícil

Presidente do Conselho Municipal de Educação (CME), José Eugênio Kaça vê com dificuldades a democratização da educação, notadamente a mudança de escolha de diretores de escolas. “A meta 19 prevê a democratização e os participantes das audiências públicas aprovaram o fim das nomeações por indicações, mas os diretores e vice-diretores tomaram uma das audiências, por serem contrários à medida. Temos que democratizar. Em quase 20 anos de CME, fui o primeiro a chegar ao Conselho sem participar da rede municipal de ensino, mas enfrentei resistências. Chegava para reuniões e a ata já estava pronta, antes das discussões, para ser assinada”, afirmou.

Kaça considera que a prefeita deveria enviar o projeto original, aprovado nas audiências públicas, e um substitutivo já com os vetos serem discutidos e defendidos com argumentos concretos. “A Prefeitura tem que ser transparente. Não dá para dizer que é impossível cumprir sem mostrar o motivo. Acho que o fórum adequado para se discutir é realmente a Câmara Municipal”, comentou. Para o presidente do CME, é preciso resolver a questão de vez. A cidade chegou a elaborar um plano de educação em 2008, também não votado. “Falaram, na época, que o plano era muito ambicioso e ele acabou na gaveta”, lembra Kaça.

Texto: Guto Silveira
Foto: Ibraim Leão

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