Terapia com células CAR-T
Diego Villa Clé atua como coordenador médico do Hemocentro de Ribeirão Preto

Terapia com células CAR-T

Pesquisa desenvolvida no Hemocentro de Ribeirão Preto utiliza o sistema imunológico do próprio paciente para combater as células do linfoma ou da leucemia

Ribeirão Preto é um importante polo de pesquisas científicas em diferentes áreas da Medicina, como, por exemplo, a Hematologia. Essa especialidade, responsável por estudar e tratar as doenças relacionadas ao sangue, tem alcançado avanços significativos nos últimos anos, especialmente na luta contra o câncer. Um dos tratamentos mais promissores, atualmente, é a imunoterapia, que utiliza o sistema imunológico do próprio paciente como ferramenta para identificar e combater as células do linfoma ou da leucemia. Esse é o princípio de uma terapia inovadora desenvolvida no Hemocentro de Ribeirão Preto, um dos mais relevantes centros de hemoterapia e hematologia do país: a terapia com células CAR-T. 

 


Depois de testes pré-clínicos comprovando a eficácia da técnica, 13 pacientes com um quadro extremamente refratário foram beneficiados, a maioria deles apresentando o desaparecimento completo dos tumores. Diante dos resultados positivos, o objetivo da equipe, agora, é ampliar a produção para alcançar um número maior de pessoas e, em um segundo momento, viabilizar a implementação da modalidade no Sistema Único de Saúde (SUS). Na entrevista a seguir, o coordenador médico da instituição, Diego Villa Clé – graduado pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) com especialização em Hematologia e Hemoterapia pelo Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, Doutorado em Ciências Médicas e MBA de Gestão em Saúde, ambos pela USP de Ribeirão Preto –, explica mais detalhes sobre a especialidade e sobre a pesquisa com células CAR-T, que, inclusive, está na final do 2º prêmio EURO, que premia as iniciativas mais inovadoras na área da saúde na América Latina.

 

 

A Hematologia é uma especialidade extremamente importante e, mesmo assim, não é tão conhecida. Poderia explicar, resumidamente, essa área de atuação da Medicina?

 

A Hematologia é a área da Medicina que estuda as doenças do sangue. Cuidamos e tratamos desde os problemas mais comuns e benignos, como anemias, até os cânceres do sangue, como leucemias, linfomas e mieloma múltiplo.

 

 

Quais são as principais doenças tratadas pelo hematologista?

 

Doenças benignas: anemias, distúrbios dos glóbulos brancos do sangue, distúrbios das plaquetas, distúrbios de coagulação. Doenças malignas: leucemias, linfomas, mieloma múltiplo.

 

 

Existe alguma forma de prevenção?

 

Na maioria das vezes não, mas, alguns tipos de anemias podem ser prevenidos pela ingestão adequada de ferro e de vitaminas. Alguns medicamentos que podem causar alterações dos glóbulos brancos ou das plaquetas do sangue também podem ser evitados.

 

 

Em que situações, ou diante de quais sinais, a pessoa deve procurar um médico dessa especialidade?

 

Alguns sinais e sintomas que podem sugerir as doenças do sangue são o surgimento de nódulos na região do pescoço, axilas ou virilhas (as chamadas ínguas ou gânglios), perda de peso inexplicável e febre persistente. Fraturas espontâneas em ossos do corpo, isto é, sem um trauma ou queda associado, devem levantar a suspeita de mieloma múltiplo. Já as anemias se manifestam como cansaço exagerado, falta de ar para realizar esforços de moderada ou pequena intensidade, palidez da pele e mucosas, palpitações e cefaleia. Sangramentos espontâneos, ou a pequenos traumas, como aparecimento de manchas roxas na pele, podem sugerir problemas de coagulação. Mas, muitas vezes, a pessoa pode estar assintomática e possuir apenas alterações em exames laboratoriais, como o hemograma, um exame muito solicitado na prática por diversas especialidades médicas.

 

 

Como em muitos outros casos, o diagnóstico precoce é essencial?

 

Sim. Quanto mais precoce o diagnóstico, em qualquer doença, maiores são as chances de tratamento bem-sucedido e menor os riscos de complicações. O diagnóstico rápido é fundamental. A avaliação médica de rotina é essencial para prevenir doenças e fazer o diagnóstico precoce.

 

 

Quais são os tratamentos disponíveis atualmente?

 

Cada uma destas doenças tem um tratamento muito específico. Algumas delas, como os linfomas, são subdivididos em mais de 40 subtipos, com comportamentos, tratamentos e mesmo prognóstico muito distinto entre eles. Existem, desde cânceres hematológicos com altíssimas chances de cura, até alguns ainda incuráveis. Mas, de maneira geral, o tratamento dos cânceres hematológicos se baseia em quimioterapia, com ou sem radioterapia. Mais recentemente, com o progresso da Medicina, temos identificado as causas genéticas de muitos destes cânceres, e, hoje, alguns já são tratados com as chamadas ‘drogas alvo’, desenvolvidas para bloquear especificamente estas alterações. Isso torna o tratamento mais eficaz e com menos efeitos colaterais, como os observados com a quimioterapia convencional. Além disso, novas maneiras de combater o câncer têm surgido. Uma delas, e a mais promissora atualmente, é utilizar o sistema imunológico do próprio paciente para combater o câncer. São as chamadas ‘imunoterapias’. Nós estimulamos, ou mesmo ‘treinamos’ o sistema imune para reconhecer e combater as células dos tumores. É o princípio que temos utilizados na terapia inovadora e revolucionária que desenvolvemos no Hemocentro de Ribeirão Preto, a terapia com células CAR-T.

 

 

Podemos dizer que Ribeirão Preto é referência em relação a estudos e pesquisas científicas nesse campo?

 

Sim, certamente. Ribeirão Preto é um polo de pesquisa na área da saúde e, na Hematologia, não é diferente. Somos, atualmente, a instituição pioneira na América Latina a desenvolver esta tecnologia de manipular geneticamente os linfócitos, que são as principais células de defesa do sistema imune, e produzir as células CAR-T. Estas células CAR-T passam a reconhecer e combater as células tumorais, quando devolvidas ao paciente.

 

 

Poderia comentar um pouco sobre esse estudo clínico? Como tem sido essa análise?

 

Desde 2015, impulsionados pela necessidade de desenvolvermos novos tratamentos eficazes em pacientes com câncer hematológico refratário, temos desenvolvido esta forma inovadora de combater o câncer através do próprio sistema imune do paciente. Retiramos os linfócitos do sangue do paciente e, em laboratório, os modificamos para que expressem receptores direcionados a um determinado tumor, no nosso caso, às células do linfoma ou da leucemia. Esses linfócitos, agora chamados CAR-T, são devolvidos à circulação do paciente, como em uma transfusão de sangue, e passam a combater as células do câncer. É uma modalidade sem quimioterapia ou radioterapia associada. 

 

 

Quais foram os resultados até agora?

 

Depois de realizarmos todos os testes pré-clínicos comprovando a eficácia destes linfócitos CAR-T, pudemos beneficiar 13 pacientes com linfoma ou leucemia extremamente refratários, que estavam em tratamento paliativo e sem outras perspectivas curativas. Eles já haviam passado por quatro ou cinco linhas de tratamentos anteriores, sem resposta. Quase todos os pacientes responderam ao tratamento com as células CAR-T e a maioria, inclusive, teve resposta completa, com o desaparecimento completo dos tumores. Com o sucesso destes casos, estamos em vias de iniciar um estudo clínico maior, que envolverá outros 5 centros de Hematologia do Estado, e ampliará o uso deste tratamento para mais cerca de 80 casos.

 

 

Qual é o objetivo final desse trabalho?

 

O objetivo agora é aumentar nossa capacidade de produzir as células CAR-T em laboratório, para poder beneficiar um número maior de pessoas. Estamos em vias de iniciar um estudo clínico grande com este tratamento e desejamos, em breve, poder incluir esta modalidade de terapia no Sistema Único de Saúde (SUS) em nosso país.

 

 

Ele está concorrendo a um prêmio, certo? Como foi selecionado?

 

Estamos na final do 2º prêmio EURO, que premia as iniciativas mais inovadoras na área da saúde na América Latina. Pela qualidade, robustez e aplicabilidade do projeto, fomos um dos selecionados dentre os mais de 868 inscritos. O projeto passou de fase e, agora, concorre com outras 60 iniciativas mais inovadoras em saúde, e somos um dos finalistas. A etapa atual depende da votação on-line pelos médicos dos países participantes e, por isso, peço a ajuda de todos. Os médicos podem acessar o site https://premioeuro.com/ para conhecerem mais detalhes dos trabalhos.

 


Esse reconhecimento é importante para que mais avanços sejam conquistados?

 

Este reconhecimento, além de dar visibilidade e atrair investimentos no projeto, pode nos auxiliar a ampliar nossa capacidade de produção e dar continuidade ao projeto até alcançarmos nosso objetivo final, que é beneficiar o máximo de pessoas possível com este novo tratamento. 


Foto: Divulgação

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