Direcionando esforços

Direcionando esforços

Pesquisa da USP de Ribeirão Preto pode aprimorar políticas públicas voltadas ao tratamento e prevenção do câncer em todo o país

Entrevista publicada na edição 1106 da revista Revide.

Rastrear e prevenir precisamente o câncer é a meta do estudo integrado pelo Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica (Pronon), realizado pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, pelo Hospital das Clínicas (HC), pela Fundação de Amparo ao Ensino, Pesquisa e Assistência (Faepa) e pela Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto.

O projeto integrará dados epidemiológicos, clínicos e laboratoriais de 15 mil pacientes. O professor da FMRP, Leandro Colli, referência em oncologia será o coordenador.

Como o estudo identificará pessoas com maior ou menor risco de ter câncer?

Primeiro, vamos recrutar pessoas com ou sem câncer. Extrairemos uma amostra de sangue dessas pessoas e faremos a genotipagem, com isso, iremos identificar os polimorfismos dessas pessoas. O polimorfismo é um tipo de variação, ou seja, algumas pessoas têm certas “letrinhas” no DNA. O que iremos comparar é se essa letrinha está mais presente no grupo com câncer ou sem câncer, vamos fazer isso 800 mil vezes para cada um dos polimorfismos que estamos avaliando.

Uma vez que identificarmos todas as letrinhas dessas 800 mil comparações que estão associadas ao câncer, criaremos um agregado, o número único que junta a suscetibilidade de todas as letrinhas de uma pessoa, o que chamamos de escore poligênico. Então, usaremos as pessoas que já tem câncer para ajudar a identificar as pessoas com a mesma genética e pensar em estratégias de prevenção e rastreamento especial. 

Quais serão as etapas da pesquisa com os voluntários e como elas serão executadas?

Nossa primeira meta foi construir a infraestrutura do estudo, o que já atingimos. Todo o parque de equipamentos estabelecido no laboratório, parque de equipamentos de coleta. Cada equipe recebeu computador, tablet, impressora, balança, medidor de pressão arterial. Estamos treinando as equipes para participarem do recrutamento dos voluntários.

Uma vez recrutadas, as pessoas assinam um termo de consentimento, tem a coleta de sangue, a extração do DNA, o processo de genotipagem e, por fim, o processo de análise. A coleta é o processo mais demorado, levando um ano e meio a dois; a extração e a genotipagem, leva de três a seis meses; e a análise de três a seis meses. Por isso, nós prevemos um estudo de cerca de três anos até os resultados. 

Como as conclusões do estudo podem contribuir para políticas públicas?

Queremos entregar uma forma de identificar pessoas com maior ou menor chance de ter câncer. Se você identificar quem é a pessoa com maior chance de ter o câncer de mama, você pode direcionar recursos e estratégias para essa pessoa. Assim, podemos fazer mamografia mais precoce, ou mais frequente, além de exames mais sensíveis, ou seja, que trazem o melhor diagnóstico do câncer, como uma ressonância. 

Então, o estudo vai fornecer as bases para a implementação de políticas públicas de uso racional e adequado dos recursos de prevenção e rastreamento. Para as pessoas que não precisam, nós não vamos gastar tempo no rastreamento e na prevenção sobre câncer de mama se ela tem uma chance muito baixa, mas às vezes ela tem chance de ter o câncer de cólon, diabetes ou alguma outra doença. Não é que ela vai ficar desassistida, nós vamos determinar o risco dela e direcionar, é o que chamamos de prevenção de precisão. 

Coordenador da pesquisa explica como mapeamento genético poderá ajudar na prevenção do câncer

É possível, ainda nesta fase inicial, apontar números sobre resultados esperados de pessoas com maior ou menor risco?

Nosso foco é no 1% de alto risco. É onde todo mundo hoje tem focado os esforços de prevenção. Estamos falando lá no risco máximo genético, aos poucos vamos baixando isso para outras porcentagens, mas nosso objetivo aqui é focar nesse 1%. Apesar de parecer um número pequeno, é 1% de uma população como Ribeirão Preto, seriam sete mil pessoas que podem ter a sua vida, a sua estratégia de rastreamento modificada.

Por que, dentro de um país com 27 capitais, Ribeirão Preto é quem está aplicando esse estudo para o Brasil?

Primeiro que nós temos esse cenário de Saúde da Família muito bem estabelecido há anos, com prontuário eletrônico, dentro de uma mesma instituição que tem uma oncologia forte. Então, foi fácil fazer essa multidisciplinaridade dentro de uma universidade voltada para a pesquisa, como a FMRP da USP. Somado a isso, a população tem características de 45 a 60% da população do Brasil, então, você consegue extrapolar isso para uma população muito grande. 

Existe alguma ideia de tratamento preventivo para as pessoas que rastreiam o câncer com antecedência ou é diferente para cada tipo?

Em uma pessoa de muito alto risco de mama, podemos fazer ressonância; muito alto risco de cólon, uma colonoscopia, e assim, sucessivamente. É importante ressaltar que nem todos os tumores têm rastreamento, porque não temos ferramentas efetivas para todos. Contudo, nos grupos de muito alto risco talvez consigamos encontrar alternativas para isso. No entanto, com certeza, todos têm prevenção e hábitos de vida como estratégias fáceis de serem abordadas uma vez identificadas. 


Fotos: Revide

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