E QUEM SE PREOCUPA COM O ALUNO? – Uma reflexão pertinente!

E QUEM SE PREOCUPA COM O ALUNO? – Uma reflexão pertinente!

Paula Rezende Hautz Dias

Quando se trata de Educação, o mais natural e coerente a se pensar é que o principal sujeito envolvido, e objetivo nato a ser alcançado por meio de muito estudo e pesquisas é o aluno. Mas, será que isso, de fato, acontece na realidade nua e crua de nossas escolas brasileiras, principalmente nas públicas? Será que todos os Docentes, Gestores e Secretarias de Educação, com suas políticas públicas, realmente lutam pelo protagonismo estudantil, a fim de proporcionar uma Educação de qualidade e que seja transformadora desses sujeitos? Comecemos pela Declaração Mundial sobre Educação para Todos (Conferência de Jomtien – 1990), no que concerne ao item abaixo:

 

SATISFAZER AS NECESSIDADES BÁSICAS DE APRENDIZAGEM

 

1. Cada pessoa – criança, jovem ou adulto – deve estar em condições de aproveitar as oportunidades educativas voltadas para satisfazer suas necessidades básicas de aprendizagem. Essas necessidades compreendem tanto os instrumentos essenciais para a aprendizagem (como a leitura e a escrita, a expressão oral, o cálculo, a solução de problemas), quanto os conteúdos básicos da aprendizagem (como conhecimentos, habilidades, valores e atitudes), necessários para que os seres humanos possam sobreviver, desenvolver plenamente suas potencialidades, viver e trabalhar com dignidade, participar plenamente do desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida, tomar decisões fundamentadas e continuar aprendendo. A amplitude das necessidades básicas de aprendizagem e a maneira de satisfazê-las variam segundo cada país e cada cultura, e, inevitavelmente, mudam com o decorrer do tempo.

 

Pois bem, o documento acima trata da garantia de aprendizagem básica para todas as pessoas. Mas, ponderamos que não basta apenas criarem esses registros. A aprendizagem DEVE acontecer! Cabe a nós, de alguma forma, enquanto parte da sociedade, lutar por isso! E, por estarmos extremamente preocupados com essa questão que perpassa séculos, e que se agravou substancialmente durante a pandemia que se estendeu para 2021, é que discorreremos um pouco acerca do assunto ao longo deste artigo de opinião.

Traremos aqui algumas discussões pertinentes e necessárias para contextualizarmos nossa indagação. Como ponto de partida, destacaremos a relevância legítima do dueto Alfabetização e Letramento; tema muitíssimo estudado por inúmeros pesquisadores, dentre eles, a professora Elaine Assolini. Segundo ela, “A escola deveria partir do letramento para a alfabetização. E não o contrário”.

Recorreremos também a Tfouni, citada por Assolini (2019) no artigo A dor de aprender: “Enquanto a alfabetização ocupa-se da aquisição da escrita por um indivíduo, ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade”.

Analisando as falas de ambas as pesquisadoras, entendemos que são extremamente adequadas e ressignificadoras, uma vez que apenas decifrar códigos não reflete que o sujeito é letrado. É letrado quem consegue viver em nosso mundo contemporâneo e deixar suas marcas na história por meio de seus conhecimentos transformadores, resultados de suas práticas discursivas letradas, a partir do reconhecimento de todos os aspectos sócio-históricos que esse sujeito carrega consigo e da valorização dessas origens sociais e culturais do letramento.

Ainda segundo Assolini: “O exercício da cidadania exige que o sujeito seja alfabetizado e letrado”. Pois bem: por que a insistência neste assunto? Reflitamos: Se o fato de ser um cidadão está intrinsicamente ligado à alfabetização e letramento, qual seria a agência responsável por esta demanda?  Irrefutavelmente, a Escola! Sim, ela mesma! Este Aparelho Ideológico do Estado (Althusser, 1970) tem a missão, dever e obrigação de garantir a TODOS os seus estudantes a oportunidade de se constituírem cidadãos! E não cidadãos quaisquer, mas sim, seres humanos de verdade, que sejam capazes de exercer seus direitos e também cumprir seus deveres nesse nosso país continental e, quiçá, mundo afora!

Nesse contexto, passaremos a levantar problemas latentes...

Segundo Assolini, “ocorre, entretanto, que o nível de letramento não é igual para todas as crianças, visto que em nossa sociedade o conhecimento não é distribuído de forma igualitária, equânime, ainda mais em uma sociedade desigual como a nossa. As vivências e experiências com as práticas discursivas letradas são, portanto, muito diferentes”.

E então... como enfrentar essa realidade esmagadora, que tem a capacidade de minar até mesmo os docentes mais entusiasmados e comprometidos com a Educação? Pensamos que o ponto norteador e nevrálgico seria advir, por parte das Secretarias de Educação, para Formações Docentes que sejam REAIS, ou seja, a ideia tem que ser CONTINUADAMENTE pautada no objetivo de equalizar a distribuição de oportunidades para todos os atores envolvidos nesse enredo. É categórico que professor que não possuir uma boa formação, não será capaz de provocar o protagonismo em seu aluno. Mas, em contrapartida, se esse aluno não tiver condições mínimas para estudar, não fará um bom percurso. E quando mencionamos essas condições, “colocamos em xeque”, TUDO que é imprescindível para possibilitar aprendizagens satisfatórias. Por exemplo: uma criança mal alimentada não consegue se concentrar nas aulas; e não podemos deixar de apontar também as condições salutares psicológicas, necessárias para se aprender, e que, agora, pioraram drasticamente por conta da pandemia.

Cabe à sociedade, como um todo, cobrar a realização de políticas públicas eficientes e plausíveis para se ter uma Educação equânime e de qualidade em nosso país. Concordamos com veemência que neste momento a preocupação é e DEVE SER sanitária. Mas, atrelada a ela, temos também a inquietação com a responsabilidade pedagógica em relação ao que é improtelável de ser o alvo de todo nosso empenho: o aluno.

Refletimos que, em primeira instância, é incumbência de nossos governantes garantir e executar ações que de fato irão AO (e não DE) encontro dos/aos objetivos de aprendizagem de nossas crianças, adolescentes e adultos. Sem mencionar que a questão das falhas nessas políticas públicas vem de muito mais longe: são interferências sofridas pelas famílias (ou não) das crianças inseridas (ou não) na sociedade, que corroboram para a falta de moradias dignas, de saneamento básico, de saúde, de emprego e da subsistência como um todo.

Partindo pontualmente da perspectiva da Escola, torna-se necessário fazermos alguns apontamentos, por exemplo: que tenhamos prédios otimizados, funcionários (não terceirizados, pis há de se criar vínculos afetivos) em quantidade e com formação adequadas para desempenharem com excelência suas funções.

E, tornando ao referido anteriormente: a Formação Docente de Qualidade! Uma boa formação, para ser efetiva, para início de conversa, tem que ser pensada, organizada, planejada e de Rede, mas sempre considerando as possibilidades e realidades de cada escola, cidade e região (os aspectos sócio-históricos e culturais dos sujeitos clamam para serem ouvidos...). E, mais do que isso, ela (formação docente) tem que ser desejada e CONTINUADA!  Pois, se não existir uma vontade em comum entre equipes gestoras, professores e secretarias, nada surtirá o efeito pretendido, e, como resultado, o aluno permanecerá aquém de seus direitos de aprender.

Para esclarecer alguns termos acima, trazemos Libâneo: “A formação continuada é o prolongamento da formação inicial, visando o aperfeiçoamento profissional teórico e prático no próprio contexto de trabalho e o desenvolvimento de uma cultura geral mais ampla, para além do exercício profissional”. (LIBÂNEO, 2004, p. 227).

Respaldados pelas palavras do autor, julgamos oportuno acrescentar que as formações continuadas que nos permitem ir além do desempenho profissional, remetem-nos a formações mais humanizadoras, que elucidam as competências socioemocionais. Para tanto, sempre que possível, é importante abordar o cultivo do hábito de se colocar na posição do Outro: nossos pares, gestores e principalmente nossos estudantes. Nesse caso específico estamos nos referindo a eles (estudantes). Tentar conhecer um pouco de cada um, tratá-lo pelo nome e não apenas por seu número...

Consideramos ser válido também recorrer a Wallon (1979), no que tange à afetividade, a qual, segundo ele, está relacionada às sensibilidades internas e se orienta em direção ao mundo social e para a construção da pessoa; as relações entre sujeito e objeto do conhecimento, com a afetividade, fazem-se presentes na mediação sutil que incentiva a empatia, a curiosidade, e que é capaz de fazer a criança avançar em suas hipóteses no processo de desenvolvimento e aprendizagem. Nesse sentido, razão e emoção não se dissociam, visto que uma não acontece sem a outra. Portanto, pautar-se nesta teoria pode ser valoroso para obtermos sucesso para com a aprendizagem de nossos alunos por meio de uma “boa ensinagem”.

Indispensável frisar que em hipótese alguma queremos usar de hipocrisia aqui: sabemos de todas as dificuldades que uma sala de aula apresenta, principalmente quando estamos falando de escolas públicas. Mas, reforçamos a ideia de que se conseguirmos nos relacionar afetivamente e instigar os sujeitos-alunos nesse processo de desenvolvimento e aprendizagem, descrito por Wallon, construiremos potencialmente chances de êxito. Podemos e devemos trilhar este caminho, por exemplo, proporcionando uma boa educação para os Anos Iniciais. Assim, o percurso desses estudantes tornar-se-á mais suave e, provavelmente, eles produzirão bons frutos, tendo sempre em mente que nenhum aluno é igual ao outro (que bom, viva a heterogeneidade!), e alguns deles obviamente precisam muito de seus docentes, que podem ser seus inspiradores.

Uma das muitas maneiras de sermos assertivos com os alunos, é nunca, jamais considerá-los sujeitos iletrados, pois, de acordo com Assolini, se estes vivem em uma sociedade letrada, algum saber sobre a escrita eles possuem. Constitui um dos afazeres do professor desenvolver esses saberes implícitos em seus estudantes.

Vale lembrar que o desafio a partir de agora será colossal para todos os envolvidos com a Educação e, essencialmente, para os docentes, pois já fora um despropósito no ano de 2020; mas, temos um alento: agora, que estamos mais adaptados e confortáveis com o “novo”, consideramos que saímos mais experientes e confiantes em diversificar os inúmeros modos de se ensinar (sim, os professores se desdobraram e se superaram!). Parece-nos até cabível aqui o termo deslocamento, oriundo da psicanálise, para ilustrar esta superação docente.

Urge usarmos todo este arcabouço (ora transformado em arquivo do docente - termo linguístico) em benefício de nossas crianças, adolescentes e adultos. A missão de resgate desses sujeitos será outra adversidade a enfrentarmos, visto que, conforme já explicitado anteriormente, as diferenças sociais, culturais e econômicas são um abismo que engole a Educação. Mas, reiteramos: Bom-senso, coerência e vontade são grandes virtudes que nos ajudarão nesse trajeto ainda conturbado. É crucial salientar que é de suma importância, ao fazermos essa recuperação de habilidades, competências e conteúdos perdidos por conta da pandemia, que o apoio psicológico tornar-se-á necessário. O professor não é psicólogo (é fato!), mas suas vivências e seu conhecimento tácito advindo destas, certamente lhes garantem subsídios para tratar desses obstáculos da melhor maneira possível!

Poderíamos estender essa conversa por páginas a fio, por exemplo, citando Eni Orlandi, em seu incentivo ao discurso polêmico e lúdico, para uma boa formação dos alunos, tanto na vida acadêmica quanto na formação sociocultural destes. Ela mostra que deve haver um espaço entre aluno e professor, que possibilite a transferência de sentidos produzidos. Dessa forma, pensamos que na reversibilidade desses sentidos há uma valorização do senso crítico e, assim, posições diferentes de sujeitos são validadas de modo que, futuramente, possa haver a contribuição para a própria construção de sentidos de nossos alunos, enquanto sujeitos sociais e históricos.
Seria importante também considerarmos a valia do diálogo, posto que ele é uma exímia ferramenta na prevenção e solução de problemas e conflitos escolares.

Sem darmos conta de esgotar essa temática, chegamos a algumas conclusões: O professor deve sempre ser respaldado por seu Coordenador Pedagógico e seus Diretores, que, por consequência, carecem do apoio acurado de suas Secretarias, sempre com rapidez e nos momentos precisos! É assim que deve funcionar a Educação em nosso país – uma Rede na qual todos trabalham por seu aluno e pelo bem comum. E sempre, SEMPRE, com o objetivo de formar nossos estudantes para escreverem suas histórias de sucesso em nossa sociedade contemporânea, que suplica, implora por mudanças tangíveis e renovadoras!

Por fim: - E quem se importa com o aluno? - TODOS NÓS, enquanto EDUCADORES comprometidos e esperançosos de um mundo possível e justo para todo e qualquer sujeito!

 

REFERÊNCIAS

 

ALTHUSSER, L. (1970). Aparelhos Ideológicos do Estado.

Disponível em: https://pt.scribd.com/document/314805516/Althusser-Aparelhos-Ideologicos-de-Estado-1970. Acesso em 18/02/21.

ASSOLINI, F. E. P. (2019) A dor de aprender. Revista Revide. Blog Educação Escolar. 2019. Disponível em: https://www.revide.com.br/blog/elaine-assolini/dor-de-aprender/ Acesso em: 08/02/21.

Declaração Mundial sobre Educação para Todos (Conferência de Jomtien – 1990)

Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-mundial-sobre-educacao-para-todos-conferencia-de-jomtien-1990. Acesso em 08/02/21.

LIBÂNEO, J. C. Organização e Gestão Escolar Teoria e Prática. 5. ed. Goiânia: Alternativa, 2004.

O AFETO QUE EDUCA: Disponível em: https://www.ufjf.br/pedagogia/files/2017/12/O-AFETO-QUE-EDUCA.pdf. Acesso em 15/02/21.

ORLANDI, E.P. Para quem é o discurso pedagógico. In: A Linguagem e seu Funcionamento: as formas do discurso. Campinas, SP: Pontes, 2001.

TFOUNI, L. V. Alfabetização e letramento. Coleção Questões do nosso tempo. Cortez, 1995.


 

 

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