O ‘Real Madrid’ do Agro
Professor universitário e consultor, o engenheiro agrônomo Marcos Fava Neves enaltece o agro brasileiro, que, segundo ele, está para o mundo como o time espanhol para o futebol
Atualmente um dos brasileiros mais conhecidos e respeitados internacionalmente na área de agronegócios e planejamento/estratégia, o engenheiro agrônomo Marcos Fava Neves não tem papas na língua quando chamado a opinar sobre qualquer assunto da área, por mais polêmico que seja. Defende seus pontos de vista com conhecimento de causa e argumentos fundamentados por dados científicos e pesquisas, que cita com impressionantes fidelidade e memória.
Nascido em Lins, cidade paulista a 238 km de Ribeirão Preto e a 433 km da capital do estado, é casado com Camila Santarosa Fava Neves e mora em Ribeirão Preto desde 1996, quando chegou para assumir uma posição na Faculdade de Economia e Administração da USP (Universidade de São Paulo). Suas três filhas nasceram em Ribeirão Preto.
Formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP (Universidade de São Paulo) de Piracicaba, em 1991, Fava Neves fez toda a carreira de pós-graduação em estratégias empresariais – chegando a professor titular da FEARP/USP – aos 40 anos de idade. Complementou sua pós-graduação na França (1995) e na Holanda (1998-1999, em Wageningen). Desde 2006 é professor internacional da Universidade de Buenos Aires, e desde 2013 da Universidade de Purdue, em Indiana (EUA). Também é especializado em planejamento e gestão estratégica, tendo realizado mais de 300 projetos no agronegócio brasileiro e mundial.
Autor e organizador de 80 livros publicados em dez países, além de mais de 200 artigos em periódicos científicos internacionais e nacionais, Fava Neves recebeu mais de 6 mil citações, de acordo com o Google Acadêmico, o que faz dele um dos cientistas brasileiros mais citados mundialmente na plataforma. Realizou mais de 1.800 palestras em 22 países e, como empresário, foi fundador da Markestrat, em 2004; da plataforma DoutorAgro, em 2012, e da Harven Agribusiness School, em 2023.
Constantemente requisitado para falar sobre Agro na imprensa, tem mais de 700 artigos publicados em jornais e revistas. Foi articulista dos jornais China Daily, de Pequim, e Folha de S. Paulo, e atualmente tem coluna no Estadão e na revista Veja. Já foi entrevistado por jornais como Financial Times, Wall Street Journal, da emissora CNN, além, claro, pela Revide em diversas ocasiões. Nesta edição comemorativa, falamos com ele sobre o atual cenário do Agro nacional e mundial, na entrevista a seguir:
Professor, começo pedindo que o senhor descreva o perfil – ou perfis – médio(s) do agricultor brasileiro hoje, já que esta edição é toda dedicada ao Dia do Agricultor.
O agricultor brasileiro hoje é muito mais diversificado e capacitado, desde o pequeno produtor familiar até grandes empresários do agro. A capacitação técnica e o acesso a tecnologias têm crescido, com muitos agricultores utilizando ferramentas modernas e buscando inovações para aumentar a produtividade e sustentabilidade de suas operações [leia mais sobre o perfil do agricultor brasileiro, segundo Fava Neves, na matéria de capa desta edição].
A evolução das tecnologias, particularmente a Inteligência Artificial (IA), ameaça o trabalho no campo? Se sim, em que medida?
Eu acredito que a Inteligência Artificial e o avanço das tecnologias irão transformar o trabalho no campo: as tarefas operacionais podem ser automatizadas, com máquinas autônomas realizando as operações com maior eficiência e contribuindo com o desafio da escassez de mão de obra nas propriedades; a gestão de dados vai ser cada vez mais precisa, com monitoramento em tempo real das condições das lavouras, ajudando na tomada de decisões mais assertivas e na otimização do uso de recursos. Assim, irão surgir novas oportunidades e novos empregos para profissionais qualificados, evidenciando a necessidade de capacitação contínua dos trabalhadores.
Gostaria que o senhor explicasse didaticamente a diferença entre agricultura, agroindústria e agronegócio e a importância de cada um para o Brasil.
A agricultura é restrita as atividades realizadas no campo, que chamamos de “dentro da porteira”. Tudo o que é feito pelos fazendeiros que é relacionado a produção no campo faz parte da agricultura, desde frutas, soja, eucalipto, boi, entre outros. Já a agroindústria compreende a transformação da matéria-prima em produto industrializado. E por fim, o agronegócio é um termo muito mais amplo que engloba toda a cadeia produtiva, desde os insumos, a produção, o processamento, a distribuição e comercialização dos produtos (restaurantes e supermercados) até chegarem ao consumidor final. O agronegócio engloba o “antes da porteira”, o “dentro da porteira” e o “depois da porteira”, compreendendo todas as atividades econômicas e serviços necessários para que um produto agrícola seja produzido e chegue até as mãos do consumidor. Foi conceituado em 1957, por Ray Goldberg (Harvard). A importância dos três setores é inestimável. O PIB [Produto Interno Bruto] do agronegócio correspondeu a 23,8% do PIB total brasileiro em 2023. É mais do que um quarto da força econômica do nosso país. E como eu costumo dizer: sem produção e venda, não há geração de renda, nem distribuição de merenda. O agro já é um grande impulsionador e tem potencial de aumentar ainda mais a geração de renda no Brasil. Só para ilustrar, o Valor Bruto da Produção Agropecuária Brasileira foi estimado em R$ 1,176 trilhões em 2024. É a quantidade de recursos que esse setor traz para movimentar milhares de empresas e gerar empregos. No ano passado, o número de pessoas trabalhando no agronegócio somou 28,3 milhões, uma participação de 26,8% no total de ocupações pelo Brasil. O impacto disso na vida dos brasileiros é mais oportunidades para todos!
Que posição o Brasil ocupa no cenário do agronegócio mundial? E como o senhor descreve a região de Ribeirão Preto neste contexto?
O Brasil é um dos mais importantes fornecedores de alimentos, bioenergia e outros agroprodutos do mundo, sendo líder na exportação de diversas commodities: soja, milho, algodão, açúcar, café, suco de laranja, carne bovina e de frango, fumo e celulose. Um estudo realizado pela Embrapa mostrou que o agro brasileiro alimenta ao redor de 800 milhões de pessoas no mundo. É impressionante! E segue aumentando. Em 2000, Ribeirão Preto recebeu o título de Capital Brasileira do Agronegócio, em reconhecimento à sua diversificada e competente atividade agroindustrial. Este nome fui eu quem deu. Sua relevância é atrelada à combinação de fatores ambientais favoráveis, infraestrutura de alta qualidade, importantes instituições de pesquisa e intensa atividade econômica no setor agrícola. O município destaca-se por sua produção de cana-de-açúcar e diversas usinas para produção de etanol. Além disso, as projeções econômicas para 2024 no Estado de São Paulo revelam que o PIB da cidade deve crescer 3,2% neste ano, sendo 1,2 ponto percentual acima da média esperada para o estado (2,0%), segundo a Fundação Seade. É a 9ª cidade mais rica de São Paulo, responsável por 2,6% dos bens e serviços produzidos no estado em 2023. Em relação ao Brasil, Ribeirão Preto aparece como a 29ª cidade mais rica no ranking do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] divulgado em 2021.
Em que medida o agro brasileiro já aderiu às práticas ESG [padrões de boas práticas estabelecidos pela ONU visando empresas socialmente conscientes, sustentáveis e corretamente gerenciadas]?
Cada vez mais a produção será pautada por critérios ambientais, sociais e de governança. São diversos os indicadores que atestam que o Brasil está seguindo esse caminho. Um estudo da Serasa Experian traz uma visão positiva da atuação do produtor rural no mercado, adotando critérios ESG em suas atividades: o número é de 91,8% em compliance com a conformidade socioambiental. Além disso, o Brasil é o país com uma das legislações ambientais mais rígidas do mundo: atualmente, 66% do território é intocado com áreas protegidas e preservadas e o nosso código florestal restringe o uso de áreas para produção nas fazendas em, no máximo, 20% para quem estiver no bioma Amazônico (80% devem ser preservados); 65% em áreas de transição Amazônia/Cerrado (35% preservados); e 80% nas demais áreas (preservando 20%). Outro aspecto de orgulho é a participação das energias renováveis na matriz nacional que está próxima a 48%, quando a média do planeta é de 15%. O Brasil também se destaca no percentual de uso dos biocombustíveis. É claro que ainda existem diversos problemas na área ambiental, como os resíduos, lixo, poluição, contaminações, emissões e a má eficiência no uso de água, mas o problema de maior impacto penso estar na questão do desmatamento ilegal, que como o próprio nome já diz, é crime e traz muitos problemas de imagem ao Brasil. Mas quem comete esses atos são criminosos, representando parte ínfima dos produtores brasileiros. Temos que colocar foco para acabar com o desmatamento ilegal, punindo seus responsáveis.
Estamos em um momento de mudanças climáticas de consequências de grande escala, resultado de décadas de atividades agressivas ao meio ambiente e não sustentáveis, o que muita gente relaciona mais às da agricultura e agroindústria de uma forma generalizada. Em sua opinião, qual é a real cota de responsabilidade dessas atividades no quadro ambiental que temos hoje no mundo?
O instituto de pesquisa global WRI (World Resources Institute) mostra que o setor mais poluente (maior emissor de gases de efeito estufa) é o de energia, responsável por 73% das emissões mundiais. Isso inclui transporte, eletricidade e geração de calor, edifícios, fabricação e construção, emissões fugitivas e outras queimas de combustível. A agropecuária aparece em segundo lugar, mas bem abaixo, com 12% das emissões totais. Além disso, o Brasil, mesmo com toda a sua importância no mercado agrícola mundial, aparece contribuindo com apenas cerca de 2% nas emissões mundiais. Quando você divide as emissões por cada pessoa (emissões per capita) o Brasil tem uma das sociedades menos poluentes do planeta, se caracterizando em solução para problemas ambientais globais.
Explique, por favor, de forma didática e resumida até que ponto os defensivos agrícolas ou agrotóxicos são os “mocinhos” e a partir de qual viram “bandidos” ma agricultura.
Os defensivos agrícolas são essenciais para a segurança alimentar da população. Sem eles, faltaria alimentos para a crescente demanda mundial por alimentos saudáveis e seguros. São eles que protegem as lavouras contra pragas e doenças que poderiam assolar a nossa produção, ainda mais em um país tropical como o Brasil, em que temos a capacidade de plantar duas ou até três safras em uma mesma área. É claro que isso necessita de um manejo mais rigoroso. No entanto, os produtores não colocam mais do que o estritamente necessário para produzir, visto que esses insumos são caros e pesam bastante no custo de produção dos agricultores. Eles são os “mocinhos” no sentido de representar uma ferramenta para proteger as plantas para o consumo seguro. Virariam “bandidos” se o seu uso fosse indiscriminado, sem o respeito as doses corretas e técnicas de aplicação.
Em sua opinião, como é possível conciliar agronegócio e meio ambiente, e em que medida isso já vem ocorrendo no Brasil e, particularmente, na região de Ribeirão Preto?
O agronegócio é muitas vezes visto como o vilão, mas, na verdade, ele pode ser um dos heróis na preservação do meio ambiente. O setor possui grande potencial para realizar ações que contribuam para a adaptação e mitigação das mudanças climáticas, proteção do meio ambiente, geração de oportunidades às pessoas e desenvolvimento econômico. Diversas práticas já são adotadas e só crescem no Brasil. Nós, inclusive, chamamos essa nova forma de produzir de Agricultura 6.0, que engloba práticas regenerativas (rotação de culturas, plantio direto, culturas de cobertura, uso racional de químicos e aumento do manejo com biológicos, sistemas produtivos integrados), economia circular, bio-revolução, novas soluções em biocombustíveis e bioenergia (biogás, hidrogênio verde, SAF), mercado de créditos de carbono e intensificação produtiva.
Agroambientalismo é um termo relativamente novo. Pode explicar o que é para os leigos?
Xico Graziano, que trouxe o termo agroambiental no Brasil, o define como a prática de uma agricultura conservacionista – um conceito que resolveu o impasse entre ruralistas e ambientalistas. Visa a criar um equilíbrio sustentável entre a produção de alimentos e a conservação dos recursos naturais, garantindo que as atividades agrícolas não comprometam a saúde do meio ambiente. E é o avanço tecnológico que tem permitido ao agroambiental se impor. O Brasil já é uma potencia alimentar mundial, entregando 60% da soja comprada pelo mundo, 52% do açúcar, 33% do frango, 30% do milho, 25% da carne bovina, 15% da carne suína, 80% do suco de laranja, 30 % do café, 25% do algodão, e cerca de 15 a 20% do fumo e da celulose, liderando as exportações em 10 cadeias produtivas, e faz isto de forma extremamente renovável. As perspectivas para os próximos 10 anos é aumentar ainda mais estas participações de mercado. Nossas exportações estão chegando perto de US$ 200 bilhões por ano. O mundo depende da comida brasileira e cada vez mais vai depender da bioenergia feita aqui.
Por fim, do que o agricultor mais precisa hoje, do governo e da opinião pública?
Do governo, os agricultores precisam de mais políticas de acesso a crédito, seguros e financiamentos para continuarem a exercer resiliência nessa atividade de grande risco que é a “indústria a céu aberto” do agro. Precisam de contínuo desenvolvimento em inovação e tecnologia, bem como melhores infraestruturas logísticas, de armazenagem, conectividade rural. E, por fim, não podemos esquecer da capacitação, uma vez que o agro e as tecnologias vão exigir cada vez mais mão de obra especializada e qualificada. E também o ambiente jurídico deve caminhar no sentido de facilitar o investimento e não colocar graves ameaças, como a que foi colocada com o marco temporal das terras indígenas, que precisou do Legislativo para remover o risco, ou reter investimentos em infraestrutura, entre outros. Da opinião pública, o que os agricultores mais precisam é de reconhecimento e valorização pelo trabalho duro que realizam dia a dia no campo, a fim de trazer alimentos seguros para a população. Com a vergonha que está o futebol brasileiro, hoje nós só temos um time que joga e ganha a Champions League: o agro brasileiro. É preciso ampla admiração. O agro brasileiro está para o mundo como o Real Madrid para o futebol.
Luan Porto