Consciência Negra: candidatos à prefeitura falam sobre medidas antirracismo em RP

Consciência Negra: candidatos à prefeitura falam sobre medidas antirracismo em RP

Portal Revide também ouviu de especialistas negros quais deveriam ser as propostas contra o racismo

Desde 2016, o Dia da Consciência Negra, celebrado nesta sexta-feira, 20 de novembro, não é mais considerado um feriado em Ribeirão Preto. Isso porque, no final do mandato da ex-prefeita Dárcy Vera, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo considerou ilegal a Lei Municipal que instituía o Dia da Consciência Negra na cidade. 

O processo teve início com uma ação civil pública movida pelo Ministério Público, a partir de uma representação do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), uma vez que Ribeirão Preto já possuí quatro feriados municipais

A data foi escolhida, pois, em 20 de novembro de 1695, o líder do Quilombo dos Palmares, Zumbi, foi assassinado. O objetivo da comemoração é promover a reflexão sobre a importância da cultura e do povo africano na formação da identidade brasileira.

Às vésperas do segundo turno das eleições municipais, o Portal Revide ouviu de pessoas negras e dos candidatos à Prefeitura de Ribeirão Preto, o que pode ser feito para avançar a discussão do racismo no município.

Para Fausto Neto, mestre em Saúde Coletiva e idealizador do projeto Lugar de Escuta, o dia da Consciência Negra é um esforço para conscientizar a sociedade sobre todos os homens, mulheres e crianças que foram escravizados e tratados como seres "inferiores" durante séculos. "Meus avós foram escravos. Meus antepassados foram arrancados de sua vidas e culturas em seus países natais e trazidos acorrentados para enriquecer este país chamado Brasil. Consciência negra é mais que um dia! É um trabalho para vida toda. Acredito que pela história de escravidão que Ribeirão Preto tem seria necessário esse feriado para reforçar a luta, a cultura, espaços para discutirmos o racismo e promover a igual integração negra na sociedade. É um dia de conscientização e reflexão", declarou Neto.

Já o advogado Joaquim Romão ressaltou que data se trata de uma reflexão sobre a inserção do negro em todos os setores da sociedade brasileira visando a igualdade e a justiça. "Nossa nação é plurirracial, mas, em especial para nós, afro-brasileiros, é preciso afirmar o antirracismo todos os dias", explicou.

O advogado acrescenta que as diversas atividades desenvolvidas em prol do dia da Consciência Negra têm por objetivo ressaltar a beleza negra, o reconhecimento do negro e protagonismo da identidade negra na comunidade. "Não se pode apenas expor as mazelas. É preciso mudar o padrão e o Dia da Consciência Negra reflete a luta diária da construção de uma sociedade antirracista. Deste modo, não há problema algum o fato deste dia não ser feriado. O importante é que sejam desenvolvidas atividades educacionais, culturais etc. no dia, semana, mês e, por óbvio, um ano todo de consciência negra", afirmou Romão.

Advogado Joaquim Romão e Fausto Neto, idealizador do projeto Lugar de Escuta

Candidatos e propostas

A candidata à Prefeitura de Ribeirão Preto, Suely Vilela (PSB) frisou que tanto o racismo quanto qualquer outra  forma de discriminação são inaceitáveis não só para Ribeirão Preto como para o mundo. "Mas, infelizmente ainda vivemos, assistimos e muitas vezes presenciamos esse ato que considero desumano e cruel", comentou Suely.

Para ilustrar, a candidata apresentou uma pesquisa da Unicef que aponta que adolescentes negros entre 12 e 18 anos de idade têm quase três vezes mais risco de morrer por homicídio do que adolescentes brancos. Além disso, 56% da população brasileira concorda com a afirmação de que “a morte violenta de um jovem negro choca menos a sociedade do que a morte de um jovem branco”, segundo dados da Secretaria Especial de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir e Senado Federal). 

"Quando assumir a Prefeitura adotarei políticas públicas efetivas para que, ao menos, em nossa cidade essas constatações sejam menores. Para isso, juntamente com conselhos, grupos, ONGs e membros da sociedade civil que tenham interesse pelo assunto, implantaremos campanhas de conscientização contra o racismo em escolas e sociedade em geral buscando sempre a igualdade racial. Vamos valorizar a cultura e arte dos afrodescendentes da nossa cidade com realizações de eventos e atividades direcionadas. Incentivaremos todos os jovens – sem distinção de cor ou raça – ao acesso a uma educação de qualidade, com opções de prática de esportes, lazer e cultura que sabemos que são pontos fundamentais para que o índice de violência diminua, principalmente, nessa faixa etária", assegurou Suely.

Já o atual prefeito e candidato à reeleição, Duarte Nogueira (PSDB) comentou que, no dia 29 de setembro deste ano, foi instituído o Centro de Referência em Educação para as Relações Étnico-Raciais. O objetivo do Centro é apoiar e contribuir com as ações da rede municipal de ensino no desenvolvimento de práticas de conscientização junto às comunidades escolares em razão da discriminação étnico-racial. 

"O Centro de Referência em Educação para as Relações Étnico-Raciais colaborará para a criação das diretrizes curriculares da Educação Municipal nas relações étnico-raciais e do ensino de História e da Cultura afro-brasileira, africana e indígena e das demais etnias que formam a população ribeirãopretana", afirmou Nogueira.

Sobre um possível retorno do dia da Consciência Negra como feriado, ambos os candidatos alegaram que, por determinação do Governo Federal e do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Ribeirão Preto não poder incluir mais nenhum feriado municipal em seu calendário oficial. Para isso, precisaria abrir mão de um feriado já existente. 

"Para incluir qualquer feriado no calendário, a lei exige que um feriado deixe de existir. É uma discussão que deve ser ampliada junto a sociedade civil", ponderou Nogueira. 

O que você mudaria?

A reportagem também questionou os especialistas consultados sobre quais medidas contra o racismo eles tomariam caso assumissem o cargo de prefeito de Ribeirão Preto. O advogado Joaquim Romão declarou que governo municipal  precisa incluir uma agenda produtiva e um calendário efetivo de igualdade racial, principalmente junto às secretarias de educação, saúde e cultura. "É importante manter e aprimorar as boas práticas já existentes, e sempre criar outras formas, métodos e programas de inclusão, para diminuição da desigualdade", aconselhou.

Já Fausto Neto ponderou que o caminho é longo para o prefeito que tenha em sua agenda governamental as pautas raciais. "Escutar com profundidade as lideranças de comunidades negras e periféricas seria um grande avanço para o combate as injustiças raciais. Pra isso, estabelecer um plano diretor que vise projetos de implementação de órgãos e conselhos  com planos de promoção, justiça e igualdade para a população negra.  Somente com diálogo é possível entender e tomar ação", concluiu.

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Foto: Luan Porto

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