Problemas com transparência dificultam acesso a gastos da Prefeitura de Ribeirão Preto
Portal Revide teve acesso à quantidade de carros oficiais, gastos com combustíveis e empréstimos de veículos

Problemas com transparência dificultam acesso a gastos da Prefeitura de Ribeirão Preto

Pedido de Lei de Acesso à Informação foi respondido com informações incorretas e incompletas

Após cerca de sete meses de tentativas via Lei de Acesso à Informação (LAI), o Portal Revide teve acesso à listagem completa dos veículos utilizados pela Prefeitura de Ribeirão Preto e o quanto foi gasto de combustível entre janeiro e junho de 2019. Ao final desta matéria, é possível fazer o download todas as planilhas enviadas pelo Executivo à reportagem.

Todavia, duas respostas foram encaminhadas pelo governo ribeirãopretano. Na primeira, os números não possuíam relação com os gastos declarados no final do mês. Havia uma diferença de R$ 115 mil entre o declarado e o que foi de fato gasto.

Ao serem questionados a respeito das incongruências, a Prefeitura informou que houve um “erro” na elaboração da planilha e que encaminharia uma com os valores corretos. Tanto os dados da planilha incorreta, quanto da “correta”, serão expostos a seguir – deixando claro qual é a “oficial” e qual é a incorreta.

Segundo a lei federal 12.527, a supracitada, Lei de Acesso à Informação, é dever do governo garantir o acesso à informação mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão.

Na segunda relação enviada pelo governo, não havia diferença entre os valores apresentados. Contudo, o valor da planilha “correta” é 16% maior do que o da planilha “incorreta”. Em números, a diferença foi de R$ 189 mil.

Os gastos

Entre janeiro e junho de 2019, Prefeitura de Ribeirão Preto gastou R$ 1,3 milhão em combustíveis para os 695 veículos disponíveis na frota. Somando todos os tipos de combustíveis, em média, o governo desembolsa R$ 223 mil por mês, com um gasto mensal aproximado de R$ 320 por carro.

Segmentos como a Guarda Civil Municipal, a Secretaria da Saúde e a de Secretaria de Infraestrutura, naturalmente, consomem mais combustíveis, pois circulam mais pela cidade.

Os dez setores que mais gastaram em combustíveis foram, respectivamente: Saúde, Bombeiros, Infraestrutura, Semas, GCM, Secretaria de Governo, Coordenadoria de Limpeza Urbana, Fazenda e Educação.

A campeã, a Secretaria da Saúde, possui um gasto proporcional à quantidade de carros. A frota dessa secretaria corresponde a 27% do total de carros, e ela consome 35% do combustível. Além disso, ambulâncias tem o aval do governo para utilizar mais combustível, caso necessário.

De acordo a Secretaria de Infraestrutura, há um limite de gastos por carro oficial. Sendo: 30 litros semanais de álcool, 20 litros semanais de gasolina e 50 litros semanais de diesel.

Caso haja a necessidade de abastecer acima do limite, o pedido deve ser feito pelo gestor da pasta e encaminhado à Infraestrutura. Ela irá analisar a solicitação e julgar se é válida ou não. Ambulâncias, e viaturas policiais e do Corpo de Bombeiros não se incluem nesse limite.

Informações incorretas

Na primeira planilha enviada pela Prefeitura, os números não possuíam relação com os gastos declarados no final do mês. Havia uma diferença de R$ 115 mil entre o declarado e o que foi de fato gasto.

Após questionamento da reportagem sobre os valores, a Prefeitura informou que houve um erro na compilação dos dados.  Por se tratarem de dados enviados via LAI, ou seja, dados públicos e com a exigência de fidedignidade prevista em lei, o Portal Revide optou divulgar as principais discrepâncias presente neles.

Nessa planilha incorreta, se for levado em consideração apenas o valor descrito na coluna “Total”, o gasto com combustíveis seria 10% menor do que o que se obtém somando as cifras mês a mês. A coluna total exibia a quantia de R$ 1,03 milhão. Se somados todos os valores, mês a mês, secretaria por secretaria, o montante sobe para R$ 1,15 milhão.

A maior diferença entre o valor “real” e o declarado, foi na compra de Diesel S-10. Em fevereiro de 2019, a Prefeitura informou que consumiu R$ 19,6 mil em diesel. Ao somar todos os gastos, contudo, o valor sobe para R$ 54,6 mil. Uma diferença de R$ 35 mil. O mesmo ocorre em junho, quando a diferença foi de R$ 34 mil.

A planilha do etanol também possui divergências nos meses de fevereiro e junho. Somando os dois meses, a diferença chega aos R$ 35 mil. Os “erros” na gasolina, são menores, mas ainda assim, atingiam a quantia de R$ 10 mil.

Ademais, os gastos da Secretaria de Governo apareciam como incompatíveis com quantidade de carros. Era descrito que o órgão possuía oito veículos, e um gasto de R$ 71 mil em seis meses.

Isso porque, a relação enviada pelo Executivo mostra, apenas, quantos carros cada secretaria detém, mas não por quantos carros ela responde pelo abastecimento.

Segundo a própria Secretaria de Governo, as planilhas obtidas via LAI estavam incorretas. Para checar as informações, a reportagem enviou as planilhas na íntegra para o órgão.

“O material enviado pela reportagem difere em alguns itens que constam na tabela do setor de Divisão de Gerenciamento de Frota da Secretaria de infraestrutura”, informaram.

Ao invés dos oito veículos citados inicialmente, a Secretaria de Governo informou que responde pelo abastecimento de outros 36 veículos. Sendo 13 automóveis e 23 motocicletas de outros setores que estão alocados no mesmo centro de custos.Valores enviados inicialmente pela Prefeitura apresentavam erros

O presidente do Observatório Social de Ribeirão Preto, Alberto Borges Matias, explica que a LAI não fala, especificamente, sobre possíveis erros nas informações. Existem trechos que falam sobre omissões deliberadas e objetividade nas informações, mas os erros não foram explorados a fundo pela legislação.

Para Maria Vitória Ramos, diretora do Fiquem Sabendo, uma agência de dados públicos que se propõe a revelar informações de interesse social, quanto mais informações constarem no portal da transparência, a chamada “transparência ativa”, melhor para o cidadão.

"Quanto mais acessíveis forem os dados, melhor será para a sociedade e para os próprios servidores. O servidor público que cumpre seu dever corretamente, e percebe que há desvios de outros servidores, é beneficiado quando os dados são acessíveis ao público", comenta Maria.

Resposta incompleta

A reportagem também solicitou a quantidade de multas recebidas por cada veículo oficial. Contudo, o questionamento não foi respondido pela Prefeitura, além de não ter sido enviado nenhuma justificativa para a negativa. O que fere o disposto na lei federal 12.527, a Lei de Acesso à Informação.

Em janeiro deste ano, o Portal Revide solicitou a relação de multas e o consumo de combustível dos carros oficiais da Câmara dos Vereadores de Ribeirão Preto. O pedido foi atendido de maneira integral, dentro do prazo estipulado e sem a necessidade de realizar novas correções.

Além disso, diferente da Câmara, a Prefeitura não disponibilizou o controle de deslocamento dos veículos. Nesse documento, o usuário do transporte oficial deve assinar o horário em que utilizou o veículo e descrever o destino. Por meio de nota, o governo explicou que cada uma das 15 secretarias possui regras próprias para o uso do transporte oficial.

Com esse controle, por exemplo, seria possível cruzar as informações sobre o local de saída e o de chegada, com relação ao combustível gasto, e saber se o servidor fez o caminho descrito.

Ademais, não há como cruzar as informações obtidas via LAI com as disponíveis no Portal da Transparência, da Prefeitura. Isso porque, em notas de empenho e de pagamento, por exemplo, não consta para qual secretaria foi destinado combustível comprado.

No item "Detalhamento das despesas" dos empenhos, consta o tipo de combustível, quantidade, valor unitário e valor total. Não existe, atualmente, no site da Prefeitura, nenhuma ferramenta para consultar e comparar, de forma clara e acessível, os gatos com combustível da administração pública. 

Matias explica que existem informações, como o caso dos combustíveis, que o município não tem obrigação legal de divulgar abertamente no portal da transparência. Todavia, elas devem ser respondidas caso solicitadas via LAI.

Carro devolvido

Enquanto a matéria sobre os gastos com combustíveis era produzida, o Portal Revide recebeu uma denúncia anônima de uso indevido de um carro da Secretaria de Educação.

Segundo a denúncia, em 2016, foram comprados veículos com a verba destinada exclusivamente à Educação. Um desses carros, um SpaceFox 2016, utilizado pela Divisão de Alimentação Escolar (DAE), foi transferido para o Palácio do Rio Branco, sendo utilizado pela Secretaria de Governo, inclusive, tendo a sua identificação retirada.

Na relação de veículos enviada via Lei de Acesso à Informação (disponível para download no final desta matéria), não consta o empréstimo do veículo SpaceFox, placa FKS 3924, para o Palácio do Rio Branco.

Carros oficiais só podem ser emprestados para outros setores, após cinco anos de uso. O que não era o caso do veículo em questão. Contudo, no mesmo dia que a reportagem questionou a Prefeitura sobre a transferência, foi dada a ordem para que ele fosse devolvido.

A Prefeitura explicou que, desde 18 de julho deste ano, a chefia da DAE é acumulada pelo Diretor do Departamento Administrativo da Secretaria Municipal da Educação, ficando tal veículo com baixa utilização desde então.

Segundo a Secretaria da Educação, o veículo foi deslocado à sede da Pasta no dia 8 de agosto, passou por uma revisão em oficina, e após, foi disponibilizado durante 20 dias para a Secretaria de Governo, quando foi devolvido no último dia 29, no mesmo dia em que a reportagem questionou.

“A expectativa é que na próxima semana um novo chefe da Divisão de Alimentação Escolar seja designado, momento no qual tal veículo retornará ao local de origem”, informou a Secretaria da Educação.

Sobre o prazo de cinco anos para o empréstimo, o governo informou que em situações temporárias é possível o empréstimo, independentemente da idade do veículo.

O que é a Lei de Acesso à Informação?

Em vigor desde 2012, a Lei de Acesso à Informação, como o nome diz, garante o acesso à informação a qualquer cidadão aos dados do poder público.

A lei prevê que a informação deve ser fornecida, sempre que possível, de forma imediata ao interessado. Caso seja necessária uma pesquisa maior por parte do governo, o prazo é de 20 dias, prorrogáveis por mais 10. Se houver recusa, o cidadão pode apresentar recurso.

Com um pedido de LAI, o interessado pode ter acesso à gastos públicos, gastos com cartões corporativos, gastos com material de papelaria, balanços financeiros, índices de violência e saúde, quantidade de professores nas escolas, folha de ponto de servidores, entre outros dados. Em julho, por meio da LAI, a reportagem do Portal Revide descobriu que a Prefeitura bloqueou palavras como "buracos" em sua página no Facebook.

A diretora do Fiquem Sabendo explica que, com a LAI, o país ganhou "200 milhões de fiscais". "Por exemplo, a pessoa que nota que sempre faltam médicos no posto de saúde do bairro, ou que não tem ninguém para atender no plantão do feriado, pode solicitar a folha ponto daqueles dias via lei de acesso e checar quais médicos estavam escalados e que não assinaram o ponto", explica.

Além disso, o pedido dispensa a apresentação de motivação pelo interessado. Dessa forma, nenhum agente público tem o direito de perguntar ao cidadão o porquê ele quer aquela informação.

Entretanto, a lei prevê exceções à regra de acesso para dados pessoais e informações classificadas por autoridades como sigilosas. Informações sob a guarda do Estado que dizem respeito à intimidade, honra e imagem das pessoas, por exemplo, não são públicas.

Em Ribeirão Preto, é possível solicitar informações da Câmara dos Vereadores (neste link) e da Prefeitura (neste link). Para que não ocorra problemas no momento da resposta, é aconselhável que o solicitante detalhe ao máximo a pergunta. Incluindo de qual setor quer aquela informação, em qual período de tempo e em qual formato.

Não obstante, o serviço ainda é pouco utilizado pela população. Segundo dados do Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão (e-Sic) de Ribeirão Preto, apenas 7% dos pedidos feitos à LAI partiram de pessoas sem ensino superior. Além disso, um quarto de todos os pedidos são feitos por jornalistas.

“Você não precisa entender de legislação para entender as informações da LAI. A própria legislação prevê que a informação deve ser disponibilizada em linguagem acessível”, comenta Maria. A diretora também comentam que falta uma divulgação ampla da LAI e suas ferramentas, em diferentes linguagens e plataformas para que todos os cidadãos possam fazer uso desse recurso. Segundo Maria, a LAI é "fundamental à democracia".
 

Download

Relação da frota (até 29/06/2019) e Consumo de combustível (de 01/01/2019 até 29/06/2019).

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*Matéria alterada às 13h45 de segunda-feira, 9 de setembro.


Foto: Arquivo Revide

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