Explosão das a "bets" e o risco escondido sob a promessa de diversão e lucro

Explosão das a "bets" e o risco escondido sob a promessa de diversão e lucro

O crescimento vertiginoso das "bets", os bilhões movimentados e o impacto no endividamento e na saúde pública

O mercado de apostas no Brasil vive uma expansão acelerada e já provoca impactos sociais e econômicos. Dados do DataSenado  de outubro de 2024 indicam que cerca de 22 milhões de brasileiros apostaram em "bets" apenas naquele mês. A maioria desses apostadores tem entre 18 e 35 anos de idade, com predominância masculina, perfil impulsionado pelo fácil acesso aos aplicativos e pelo forte apelo das propagandas.

 

Ademais, o impacto sobre as camadas mais pobres é devastador. Beneficiários do Bolsa Família gastaram aproximadamente R$ 3 bilhões em apostas esportivas online em agosto de 2024, valor que corresponde a cerca de 10% dos recursos do programa. O mesmo levantamento do DataSenado revela que cerca de 19% dos apostadores admitem ter se endividado por conta das apostas. O Serasa, por sua vez, aponta que o Brasil superou a marca de 73 milhões de pessoas endividadas em 2024, sendo as apostas online um dos fatores emergentes que agravam esse quadro.

 

Para além das estatísticas, o vício em apostas já é reconhecido como um transtorno do controle dos impulsos pela American Psychiatric Association (APA), que o classifica como "Transtorno do Jogo" no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5). A Organização Mundial da Saúde (OMS) também inclui a compulsão por apostas na Classificação Estatística Internacional de Doenças (CID-11). No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) considera o comportamento compulsivo relacionado às apostas como uma forma de dependência, com impacto semelhante ao do alcoolismo e do tabagismo.

 

EXPERIÊNCIA E CONSCIENTIZAÇÃO

 

Entre os que vivenciaram de perto essa realidade está Enzo Pires, jornalista recém-formado transformou sua experiência pessoal com apostas em uma pesquisa acadêmica e em um podcast. “Quando percebi que as apostas não eram apenas um entretenimento, mas um vício, busquei ajuda psicológica para ‘sair dessa vida’. Entendi que não é fácil esse caminho, e dizer ‘paro quando quiser’ é uma ilusão. Transformei essa experiência em algo positivo e criei o Vício em Cliques, que gerou reflexões importantes não só para mim, mas também para os ouvintes”, afirma.

 

Sobre as diferenças entre apostas esportivas e jogos de azar, como os populares “tigrinhos”, Pires considera que ambas podem ser prejudiciais. “Jogos de azar são feitos pra você perder, isso é fato. Já nas bets esportivas, dá pra usar análise e estratégia, mas o problema é o emocional. Quando a pessoa toma um ‘red’ (perde a aposta), muita gente tenta recuperar e acaba perdendo ainda mais”, avalia.

 

REPETIÇÃO COMPULSIVA

 

O professor Matheus Rozario Matioli, coordenador do curso de Psicologia da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), contribui com uma visão psicanalítica sobre o tema. Segundo ele, embora a Psiquiatria e a Psicologia frequentemente se refiram ao problema como “vício”, na perspectiva da Psicanálise Lacaniana é mais apropriado falar em "repetições compulsivas". “Embora haja similaridades entre os jogos de azar e o uso de substâncias, principalmente a repetição, na toxicomania, a substância age diretamente sobre o corpo. Nos jogos de azar, o objeto é simbólico”, explica.

 

Matioli destaca que, para além dos sinais tradicionais como o endividamento, há indícios subjetivos importantes que podem apontar para um comportamento compulsivo. “Podemos observar: repetições compulsivas, rupturas com laços familiares e sociais, angústia e fantasia de reparação, ou seja, que recuperará o que perdeu”, afirma.

 

Para Enzo Pires, a publicidade e o fácil acesso são fatores que agravam muito o problema. “As apostas se tornaram algo comum, e muita gente entra achando que é só diversão, mas acaba viciada, perdendo dinheiro, tempo e até relações importantes”, afirma. O jornalista critica a presença massiva de casas de apostas como patrocinadoras em times de futebol, transmissões esportivas e nas redes sociais: “É fácil falar ‘jogue com responsabilidade’ quando se está recebendo bem, mas difícil convencer quem os segue a parar”.

 

Embora a regulamentação das apostas esportivas — com a sanção da Lei nº 14.790/2023 — represente um avanço, especialistas alertam que ainda há muito a ser feito. O setor movimentou mais de R$ 100 bilhões no Brasil em 2024, segundo a consultoria H2 Gambling Capital, e deve gerar até R$ 12 bilhões anuais em tributos. No entanto, medidas de prevenção e assistência permanecem tímidas diante da expansão vertiginosa do mercado.

 


Imagem destaque gerada por I.A - Chat GPT

Compartilhar: