Justiça determina a realização de cirurgia de redesignação sexual em mulher trans de Ribeirão Preto
Juíza do caso decidiu que "para o transexual, ter uma vida digna importa em ver reconhecida a sua identidade sexual"

Justiça determina a realização de cirurgia de redesignação sexual em mulher trans de Ribeirão Preto

Espera para a cirurgia de redesignação sexual pode demorar cerca de 10 anos

A Defensoria Pública de São Paulo em Ribeirão Preto obteve uma decisão que determina a realização de uma cirurgia de redesignação sexual em até 90 dias a uma mulher trans.

Débora (nome fictício), de 42 anos, se identifica como mulher e se mostra insatisfeita com o aspecto masculino, uma vez que sua estrutura física é incompatível com seu psicológico. Ela se submete a tratamento hormonal desde 2012 e acompanhamento psicológico.

O fato de sua estrutura física estar em dissonância com sua autoidentificação lhe traz empecilhos tanto de ordem social quanto íntima, motivo pelo qual ela procurou a Defensoria Pública para obter informações sobre os trâmites necessários para solicitar a cirurgia de redesignação sexual.

O Defensor Público Paulo Fernando de Andrade Giostri, responsável pelo caso, obteve a informação de que o Hospital das Clínicas de São Paulo, referência na realização do procedimento, possui uma fila de espera que pode demorar até 10 anos.

Para que Débora não precise esperar uma década para viver com dignidade, a Defensora Pública ingressou com uma ação em face do Estado e do Município de Ribeirão Preto, em que pede a realização da cirurgia. Giostri apontou princípios e direitos previstos constitucionalmente para defender a realização do procedimento.

Segundo o advogado, cumprir a resolução 1652/2 do Conselho Federal de Medicina, que regulamenta a cirurgia de transgenitalização em nome dos princípios da dignidade da pessoa humana, torna "mais do que consolidado a concretude do procedimento cirúrgico almejado, tendo em vista o enquadramento da autora nos requisitos legais estipulados". 

Na decisão, a juíza Lucilene Aparecida Canella de Melo, da 2ª Vara da Fazenda Pública de Ribeirão Preto, reconheceu o direito de Débora. "Para o transexual, ter uma vida digna importa em ver reconhecida a sua identidade sexual, sob a ótica psicossocial, a refletir a verdade real por ele vivenciada e que se reflete na sociedade”, observou a magistrada.

Dessa forma, determinou que o Município de Ribeirão Preto e o Estado de São Paulo realizem a cirurgia de redesignação sexual no prazo de 90 dias, devendo garantir também o fornecimento de todos os insumos necessários. 

O Portal Revide entrou em contato com a secretaria de Saúde municipal e estadual questionando sobre a decisão e aguarda um retorno. 

Entenda a diferença entre identidade de gênero e orientação sexual

Em abril de 2018, a revista Revide publicou uma matéria sobre a vida e as dificuldades das pessoas transgêneros em Ribeirão Preto. Além disso, a reportagem buscou especialistas para explicar a diferença entre identidade de gênero e orientação sexual.

Apesar de claro na cabeça dos especialistas, os termos ainda causam confusão entre quem não é da área. Segundo a psicóloga Maria Rita Lerri, “a identidade de gênero refere-se a como a pessoa se identifica, independente das características biológicas do corpo e do órgão genital. Então, ser mulher trans ou homem trans não significa ser homo ou heterossexual, ou outra orientação que seja”, explica.

A doutora em ginecologia e obstetrícia e especialista em saúde sexua, Lúcia Alves da Silva Lara, esclarece que a maioria dos mitos sobre a transexualidade não possuem respaldo científico.. Segundo ela, a transexualidade não é uma escolha, assim como a orientação sexual, que não depende da vontade do indivíduo.

"As teorias de que o ambiente social poderia contribuir para o desenvolvimento da transexualidade ou para a orientação sexual diferente do modelo binário não encontram respaldo científico. A pessoa possui a sua essência e o meio social não mudará esse fato. É preciso respeitar as vivências de cada indivíduo”, finaliza a doutora.

Para se ter uma ideia, a cirurgia de readequação sexual só pode ser feita após o interessado ter passado por, no mínimo, dois anos de acompanhamento com um profissional de saúde mental. A decisão não pode ser tomada do dia para a noite e nem deve existir a mínima dúvida sobre um possível arrependimento da pessoa. 

Já a orientação sexual diz respeito ao objeto de desejo da pessoa, isso é, por quem ela se sente atraída emocionalmente e sexualmente. A orientação sexual, assim como o gênero, não pode ser escolhido. Por exemplo, um homem que se sente atraído por outros homens é homossexual, enquanto um homem que se sente atraído por mulheres é heterossexual.

“Apesar de haver uma confusão, é simples de explicar porque são coisas muito diferentes. Quando falamos de gênero, estou falando de como eu me sinto, de uma imagem que construí e desenvolvi de mim mesma. A orientação sexual tem a ver com a pessoa que me causa desejo, independente da minha identidade de gênero”, esclarece a psicóloga Ana Beatriz.

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Foto: Pixabay

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