Médicos e pesquisadores recomendam que não é hora de "afrouxar" quarentena em RP

Médicos e pesquisadores recomendam que não é hora de "afrouxar" quarentena em RP

"Afrouxar o isolamento social é irresponsável e não é baseado em nenhuma evidência científica", declarou Marcelo Bigal, médico ribeirãpretano que trabalha nos Estados Unidos

Se há um consenso entre os profissionais ouvidos pela reportagem do Portal Revide é o de que não é existe embasamento científico para falar em afrouxamento das medidas de isolamento social em Ribeirão Preto neste momento.

O decreto de calamidade pública que prevê medidas no combate ao novo coronavírus foi assinado no dia 23 de março e previa quarentena até o dia 7 de abril. Tendo em vista o crescimento dos casos nos na cidade, a Prefeitura optou por prorrogar a quarentena até o dia 22 de abril.

Em transmissão ao vivo realizada na última quinta-feira, 9, o prefeito Duarte Nogueira comentou que, dependendo da evolução do número de casos, poderia rever as medidas de isolamento social no município.

Todavia, o secretário de Saúde, Sandro Scarpelini, esclarece que a mudança na estratégia levará em conta o aumento ou diminuição do número de casos.

"Um aumento explosivo de casos, indicará a necessidade, não apenas de manter as medidas de isolamento, como um possível recrudescimento dessas medidas", alertou o secretário.

Para Scarpelini, o cenário ideal para se propor um relaxamento das medidas seria a estabilização dos casos mais graves em um patamar menor do que capacidade máxima de absorção de pacientes em terapia intensiva.

Por outro lado, especialistas ouvidos pela reportagem não acreditam que o cenário de estabilização dos casos graves ocorra nas próximas semanas. Para o médico Marcelo Bigal, Ribeirão Preto começa a discutir medidas de afrouxamento antes mesmo de chegarmos ao pico da doença.

Bigal possui doutorado pela Universidade de São Paulo (USP). Se mudou para os Estados Unidos para fazer o pós-doutorado e dedicou metade da carreira no Albert Einstein College of Medicine, em Nova Iorque. Recentemente, ele iniciou as atividades na indústria farmacêutica, sendo o CEO de uma companhia de biotecnologia. A empresa de Bigal tem o foco em distúrbios do sistema imunológico.

"Afrouxar o isolamento social é irresponsável e não é baseado pela evidência científica", frisa o médico. Bigal cita o exemplo bem-sucedido da Coréia do Sul. O país possui uma população de 51 milhões de habitantes em um território que tem a metade do tamanho do Estado de São Paulo.

"A Coréia fez um isolamento rápido e radical da sua população. Além disso, fazem cerca de 20 mil testes para cada um milhão de habitantes. No Brasil fazemos cerca de 296 por milhão. E o que aconteceu? Eles registram 208 mortes lá. No Brasil já são mais de mil", explica o médico.

Bigal também traz o exemplo dos Estados Unidos. Lá, os estados possuem mais autonomia para gerirem as políticas de isolamento, por isso, cada um deles apresenta resultados diferentes.

"Se você olhar a Califórnia, que é um estado bastante populoso, eles adotaram isolamento social rapidamente. Cancelaram as aulas, pararam os negócios e descontinuou o que não era essencial. Até o momento, foram 559 mortes durante todo o período de epidemia na Califórnia. Em Nova Iorque, que demorou para parar, – só hoje –, em um único dia, morreram 777 pessoas", comparou.

Se afrouxar, explode

Devido ao extenso currículo de pesquisas na área de computação aplicada à saúde, o professor da USP, Domingos Alves, tem sido requisitado pela mídia de todo o país para falar sobre o avanço do novo coronavírus. Com base nas análises realizadas até o momento, o pesquisador aponta para um pico dos casos confirmados e mortes durante o mês de abril e maio. 

Atualmente, pesquisador mantém um site no qual que publica as suas pesquisa e previsões sobre o crescimento do coronavírus no Brasil. A pesquisa é feita em parceria com de cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade de Brasília (UnB).

O professor explica que os números oficiais ainda não correspondem à realidade dos fatos. Não por descaso ou falta de vontade dos profissionais. Pelo contrário. Domingos explica que a subnotificação dos casos se dá pelo excesso de exames que são enviados a um mesmo local. Todas as cidades da região encaminham para o instituo Adolfo Lutz em São Paulo, enquanto Ribeirão Preto depende do Hospital das Clínicas.

"Tem muito exame que está parado para receber confirmação. Além disso, temos um aumento nos casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave", comentou.

Segundo Domingos, a situação na cidade requer muita atenção. Apesar disso, o sucesso das medidas de isolamento tomadas agora, serão determinantes para determinar o tempo que a sociedade irá demorar para voltar à normalidade.

"Qualquer afrouxamento agora a gente pode entrar em um cenário de explosão no número de casos no qual a nossa rede de atendimento irá entrar em colapso rapidamente", advertiu.

Responsabilidade

O pesquisador Raul Borges Guimarães desenvolve na Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp) um estudo que revelou que Ribeirão Preto é considerada uma das cidades com maior risco de difusão do novo coronavírus no interior do Estado de São Paulo.

Os resultados da pesquisa são disponibilizados no site Radar Covid-19, mantido por um comitê científico composto por profissionais de diversas áreas, como médicos, matemáticos, geógrafos e especialistas em computação. Apenas no laboratório no qual Guimarães mantém na Unesp, são 30 profissionais que se baseiam em quase três décadas de estudos.

Para Guimarães, o isolamento deve ser mantido. "O afrouxamento da quarentena nesse momento aumenta o risco de aceleração da transmissão de um vírus muito perigoso. Ele gera, no mínimo, 65 vezes mais hospitalização do que outras complicações respiratórias", argumenta.

O especialista argumenta que não existe nenhuma cidade, região ou país no mundo que o sistema hospitalar tenha conseguido atender ao mesmo tempo todas as pessoas que precisam de leitos na UTI.

"Daí podem aumentar o número de mortes. Quem defende a flexibilização da quarentena hoje deverá ser responsabilizado por essas mortes num futuro próximo", criticou o pesquisador.

Futuro da quarentena

Com a consciência de que o isolamento social é a melhor solução para salvar vidas, os profissionais entendem que a economia também deve ser levada em conta. Entretanto, o retorno gradual às atividades irá ocorrer levando em conta o sucesso das medidas de isolamento, a comprovação de novas drogas para o tratamento da doença e o desenvolvimento de uma vacina.

O diretor de Práticas Assistenciais do Grupo São Lucas, o médico João Carlos Cristóvão, dá créditos ao isolamento social ao relativo controle que os hospitais estão tendo no momento em relação ao coronavírus na cidade.

"Neste momento suspender a quarentena é temeroso. Os países que tomaram essa atitude tiveram experiência ruim com aumento expressivo dia casos. A maior dúvida é até quando e como fazer o retorno as atividades. Talvez uma forma progressiva e se houver aumento de casos o retorno ao isolamento", avalia Cristóvão.

Para o médico Marcelo Bigal, que está inserido no universo das indústrias farmacêuticas, os primeiros medicamentos para o tratamento do vírus deverão surgir entre junho e setembro. Enquanto a vacina é aguardada para o segundo trimestre de 2021. "O papel do governo agora é manter as pessoas saudáveis até que isso aconteça", disse.

Com o controle no número de casos graves e o desenvolvimento de remédios que reduzam o tempo de internação e a taxa de mortalidade, Bigal acredita que, aí sim, os governantes possam pensar em medidas para retornar à normalidade.

“Obviamente que ninguém vai ficar em um isolamento social completo até setembro. Nós vamos ter que, em determinado momento, começar a decidir quais grupos podem voltar. Sabendo que quando isso acontecer, pequenos surtos de caso irão aparecer” explicou Bigal.

Veja o vídeo gravado pelo médico Marcelo Bigal para o Portal Revide:


Imagem: Revide

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