Prefeitura divulga dados conflitantes sobre número de leitos em Ribeirão Preto
Dados da Secretaria de Saúde sobre ocupação de leitos apresentaram diferença de 14% em relação a informações fornecidas por hospitais
A Prefeitura de Ribeirão Preto tem divulgado dados conflitantes em relação ao número de leitos exclusivos para o tratamento da Covid-19 na cidade. Isso porque, os números divulgados pela Secretaria Municipal de Saúde, com base nos dados do governo estadual, não condizem com outras base de dados e nem com as informações disponibilizadas pelos próprios hospitais.
Atualmente, a lei 14.478, de junho de 2020, determina que os hospitais informem diariamente à Secretaria Municipal de Saúde a quantidade de leitos disponíveis para o tratamento da Covid-19.
O texto foi sancionado pelo prefeito no dia 4 de junho, mas, desde então, a Prefeitura segue dependendo dos dados divulgados pelo Governo do Estado de São Paulo referente à ocupação de leitos.
De acordo com a assessoria do vereador Marcos Papa (CID), autor da lei, a proposta surgiu da dificuldade, assumida pela própria Secretaria de Saúde, em conseguir e centralizar os dados de todos os hospitais. O gabinete do vereador declarou que, segundo os hospitais, as informações estão sendo encaminhadas ao Executivo corretamente. Contudo, devido às divergências nos números apresentados, irão encaminhar um ofício à Secretaria de Saúde para confirmar se a lei está sendo cumprida.
Na segunda-feira, 28, o prefeito Duarte Nogueira (PSDB) anunciou que 98,2% dos leitos de Centro de Terapia Intensiva (CTI) estavam ocupados na cidade, restando apenas três vagos. Logo após o anúncio, hospitais da cidade questionaram a informação. Naquele dia, o Hospital Ribeirânia, por exemplo, atingiu 80% de lotação.
Segundo levantamento feito pelo LeitosCovid.org, plataforma que atualiza em tempo real um banco de dados com base nas informações divulgadas pelos hospitais na cidade, o pico de ocupação de leitos em Ribeirão Preto foi de 84%.
Segundo dado mais recente divulgado pelo Governo do Estado, e replicado pela Prefeitura de Ribeirão Preto, até a final da tarde de terça-feira, 30, o município possuía 156 leitos de CTI ocupados. Dos 167 exclusivos, 11 estariam vagos. Uma ocupação de 93,4%. Já dos 250 leitos de enfermaria, 205 estariam ocupados — uma taxa de 82% de lotação.
Porém, segundo o LeitosCovid.org, a cidade apresenta ocupação de 83,9% nos leitos de CTI, sendo 26 leitos vagos, e ocupação de 64,4% nos leitos de enfermaria, com 80 vagos. O site indica que o município possui, ao todo, 162 leitos exclusivos de CTI para Covid-19 e 225 de enfermaria. Outra informação que eles trazem, que não é divulgada pelo governo, é a quantidade de respiradores em uso. No momento, 108 pessoas estão respirando com a ajuda desses aparelhos na cidade.
Mais transparência
Enquanto a lei do vereador Papa fornece os mecanismos para a Prefeitura obter as informações dos hospitais, o projeto de lei do vereador Lincoln Fernandes (PDT) exige que o município os divulgue de maneira transparente.
O texto de Fernandes recebeu veto parcial, que foi acatado na sessão de terça-feira, 30, mas manteve o seu conteúdo. Com o projeto, a Prefeitura fica obrigada a divulgar o número de leitos de UTI em cada unidade de saúde credenciada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), bem como o número de pacientes infectados e que já receberam alta.
O veto da Prefeitura foi em relação ao local que os dados seriam divulgados. O parlamentar exigia que eles fossem informados no Boletim Epidemiológico, junto com o número de casos. Porém, o governo declarou que, com isso, o Legislativo estaria adentrando à esfera do poder Executivo.
"Acrescentamos que a Secretaria Municipal da Saúde está trabalhando para divulgação do censo sobre leitos disponíveis diariamente em sua página", escreveu o governo na justificativa do veto parcial. A redação final do texto segue agora para sanção do prefeito.
Prefeitura e Estado
Questionada sobre a diferença no número de leitos informados pelo prefeito durante transmissão ao vivo, na última segunda-feira, e os dados dos hospitais, a Secretaria de Saúde respondeu com a seguinte nota:
“Os dados sobre leitos e ocupação são fornecidos pelo sistema Censo Covid da SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE, tanto leitos públicos quanto particulares”, escreveu a pasta, ressaltando em letras maiúsculas que os responsáveis pelos dados não eram eles.
Contudo, como informado pela assessoria do vereador Marcos Papa, com a lei 14.478 sancionada, os hospitais da cidade já estariam encaminhando as informações atualizadas ao governo. O texto determina que os dados devem ser repassados diariamente e devem conter o número de pacientes de Covid-19, tanto os suspeitos quanto os confirmados internados em leitos de enfermaria e CTI, além de altas e óbitos.
Portanto, com base na resposta fornecida pela própria Secretaria, o Portal Revide questionou novamente a pasta sobre o porquê de ainda depender dos dados estaduais, sendo que já possuiria os dados atualizados dos hospitais no município. Porém, a Secretaria ainda não se pronunciou sobre o assunto até o fechamento desta matéria. A reportagem também questionou a Secretaria da Saúde do governo do Estado, mas também não obteve uma resposta até a conclusão desta matéria.
Por ter que consolidar dados tanto de hospitais estaduais, quanto municipais e particulares, há uma defasagem em relação aos dados fornecidos pelo governo do Estado. Para se ter uma ideia, segundo número extraído na tarde desta quarta-feira, 1º, do boletim elaborado pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), responsável por contabilizar os casos em todo o Estado, Ribeirão Preto possui 3.957 casos confirmados de Covid-19. Quando, segundo informações da Prefeitura, o município registra 5.001 casos. As mortes, contudo, coincidem, sendo 156 até o momento.
Plataforma digital
Exatamente o que é solicitado no projeto de lei é feito pela plataforma LeitosCovid.org. Atualizado em tempo real, o site divulga dados fornecidos diretamente pelos hospitais por meio de um sistema automatizado.
Segundo Kim Morise, gerente executivo de Inovação do Grupo Bild e Vitta, responsável pelo projeto, a iniciativa nasceu de um grupo de empresários que estavam preocupados com os impactos negativos da pandemia na cidade, além da dificuldade do poder público em consolidar e divulgar essas informações de maneira clara.
De acordo com os responsáveis pelo projeto, eles entraram em contato com a Secretaria de Saúde e, assim como a assessoria do vereador Marcos Papa, também ouviram do secretário Sandro Scarpelini que o Executivo tinha dificuldade em centralizar as informações, que eles possuíam apenas uma "fotografia" do que estava acontecendo na cidade.
Com isso, a empresa forneceu todo o suporte tecnológico e de investimentos para criar um sistema simples, de modo a facilitar a transmissão da informação pelos hospitais.
"Não há interesse comercial por nossa parte, desenvolvemos de forma gratuita e com código aberto para poder ser escalável para outros estados e municípios", declarou Morise.
No site, é possível encontrar a taxa de ocupação dos leitos na cidade, tanto os de Covid-19 quanto os normais. É possível, também, observar a ocupação por hospital e por região da cidade. Como explicado por Morise, o site é aberto ao público e possui uma página com informações necessárias para que outros programadores repliquem a ideia em outras cidades e estados.
“Uma das visões da empresa não é só o segmento econômico, mas o que a gente pode trazer de legado para as nossa vidas em um cunho mais social", concluiu o diretor.
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Foto: Pixabay (Imagem ilustrativa)