A casa da esquina - pt.1
Fundada em 2019, a Mesquita da Luz recebe, regularmente, de 10 a 20 pessoas

A casa da esquina - pt.1

A história da mesquita islâmica que funciona em uma casa na Vila Monte Alegre, Zona Oeste de Ribeirão Preto

Era mais uma tradicional casa de esquina na Vila Monte Alegre, Zona Oeste de Ribeirão Preto. Tijolinhos na fachada e o portão de grades bege voltado para o cruzamento das ruas Tenente Catão Roxo com a Coronel Camisão. Não esperava encontrar nenhuma arquitetura que destoasse do restante do bairro, mas em alguns devaneios pensei que talvez surgisse uma cúpula dourada assim que eu cruzasse a Avenida do Café.

 

O que diferenciava a casa de tijolinhos eram três estandartes pendurados do lado de fora com os dizeres “Mesquita da Luz” e o CNPJ do local abaixo. Apertei a campainha a figura de Amr surgiu na varanda. Com um aceno de mão sereno fez menção para que eu entrasse. O pouco que eu sabia da cultura muçulmana era de que eu não poderia entrar no local de oração de sapatos, essa gafe eu não passei, mas não escapei de outras que viriam logo mais.

 

O meu anfitrião era Amr Galal Abdelraheem Ibrahim, o iman da Mesquita da Luz, a pessoa incumbida de conduzir as orações e orientar sua comunidade em questões religiosas, éticas e até educativas. Amr é egípcio e está no Brasil há cerca de oito anos a estudos. Ele é doutorando em bioinformática na Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, onde desenvolve pesquisas no ramo da genética.

 

Fundada em 2019, a Mesquita da Luz recebe, regularmente, de 10 a 20 pessoas. "Têm muitos muçulmanos na cidade, mas a mesquita é pequena, um pouco longe. Além disso, a oração de sexta-feira – o sermão principal – ocorre durante o horário de trabalho", justifica o iman.

 

O templo é mantido com o apoio dos frequentadores, mas já recebeu apoio da Mesquita de Barretos, a primeira do interior paulista, construída na década de 1960. Os tapetes que forram o chão da mesquita em Ribeirão Preto foram doados pelo templo barretense.

 

Após tirar os sapatos, saí da varanda e entrei na sala onde eram realizadas as orações. A sensação foi de entrar em outro país. Saí de uma varanda tão corriqueira em tantas outras casas brasileiras, para um sala coberta por tapetes vermelhos, com formas geométricas. A luz era amarelada e amena. As paredes eram repletas de estandartes com instruções, em português e árabe, para as orações e ensinamentos dos profetas e de Allah.

 

No fundo da sala, três mulheres conversavam. Elas usavam o hijab, a vestimenta tradicional muçulmana que cobre todo o corpo, mas deixa o rosto exposto. Já Amr, estava trajado com o jubba, uma túnica branca que cobre todo o corpo, e o kuffi, uma espécie de "touca" branca na cabeça.

 

Em mais um aceno, ele pediu para que nos sentássemos no chão para darmos início à entrevista. A nossa conversa será dívida em blocos porque nesse dia era realizada a jummah, a tradicional oração de sexta-feira. Nessa ocasião, os muçulmanos rezam em congregação ao invés das orações habituais.

 

Na nossa primeira conversa, Amr me contou sobre sua pesquisa na USP e formação acadêmica. Além da graduação em Agronomia e especialização em genética, o iman também é graduado em ciências do Alcorão e ciências religiosas na Arábia Saudita, algo próximo de uma formação em teologia no ocidente.

 

"Essa é uma religião simples e fácil, quem tenta dificultá-la para os outros, torna a religião difícil para si mesmo. Allah nos colocou na terra para fazer coisas boas, não apenas a adoração. Devemos trabalhar e usar a nossa razão", explicou Amr com um tom de voz calmo.

 

O líder da mesquita reforçava a ideia de que o islã é uma religião que une a fé à razão. O processo de conversão ao islã, chamado de shahada, deve ser feito quando a pessoa sente que a fé genuína tomou seu coração e que a sua racionalidade concorda com essa decisão.

 

Enquanto as pessoas se acomodavam, uma mulher com hijab roxo me chamou. Em um lapso do que me pareceu uma ideia brilhante, pensei “não vou cumprimenta-la como faria com outra mulher, vou estender a mão. Me parece mais formal”. Ela viu meu braço esticado, deu um passo para trás e levantou as duas mãos em um gesto suave. Com bom humor ela me explicou que uma mulher muçulmana não pode ser tocada por outro homem. Ela havia vindo até mim para me explicar o porquê as mulheres ficavam no fundo da sala enquanto ocorria a oração.

 

“É para não pensarem que é algo machista”, antecipou. Segundo ela, era uma maneira dos homens de protegerem as mulheres, já que durante a oração, por diversas vezes, é necessário se ajoelhar e encostar a testa no chão. “Se os homens ficassem atrás, teriam uma visão panorâmica”, brincou.

 

A mulher do hijab roxo era a empresária Sarah Hiaty, brasileira de ascendência libanesa. Eu conversaria mais com Sarah, mas ao final das orações.  Enquanto ela me falava sobre a posição das mulheres durante as orações, mais pessoas chegaram à mesquita. Três homens, um deles com o filho pequeno. E agora eram quatro mulheres. Estava chegando o momento da primeira de três orações que eles fariam naquela tarde.

 

 


 

NÃO FIQUE NA DÚVIDA:  islâmico, muçulmano ou árabe?

 

Muçulmano refere-se a uma pessoa que segue a religião do Islã. Islâmico refere-se tudo que for relacionado ao Islã, incluindo cultura, arte, história e leis. Já o árabe diz respeito a uma pessoa que fala a língua árabe ou é natural da região do Oriente Médio e do Norte da África.

 

Nem todos os muçulmanos são árabes, e nem todos os árabes são muçulmanos. Além disso, a cultura islâmica é mais ampla do que apenas a cultura árabe. O islã se estende por países como Egito, Nigéria, Senegal, Turquia, Indonésia, Malásia, Bangladesh, Paquistão, Afeganistão, Arábia Saudita, Irã, Filipinas, entre outros.

 

Leia aqui a parte dois.


Foto: Divulgação

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