A casa da esquina - pt. 2. Primeira oração: diferentes povos
Idrissa Sakome, Amr Ibrahim, Mohamad Dughmosh e Feras Dogha; vindos de três diferentes nações, compartilham da mesma fé

A casa da esquina - pt. 2. Primeira oração: diferentes povos

Segunda parte da história da mesquita islâmica que funciona em uma casa na Vila Monte Alegre, Zona Oeste de Ribeirão Preto

Leia aqui a primeira parte.

 

Os sermões de sexta-feira também englobam cânticos e orações. Parte do culto é realizada obrigatoriamente em árabe e a outra em português. Ao se colocar diante do púlpito para dar início ao sermão, Amr se transformou. Principalmente, quando falava em árabe. O homem de gestos comedidos e fala mansa deu lugar ao iman, de expressão firme e com a voz que preenchia toda a sala.

 

O sermão jorrava pelo líder do templo em uma fala torrencial. Incessante. Com a mão no peito e o dedo em riste, fez lembrar os grandes líderes islâmicos. Os cânticos e orações adquirem um tom quase hipnótico para quem não está habituado com o idioma árabe.

 

Durante o sermão, dessa vez em português, Amr reforçou o que havia me dito sobre o uso da racionalidade no Islã. Enfatizou também como os cientistas muçulmanos foram muito importantes para a história da humanidade.

 

De fato, o iman tem razão. Contribuições no campo da álgebra, astronomia, química, medicina, física e filosofia estão entre alguns dos feitos notáveis dos muçulmanos. Inclusive, muitos filósofos gregos que tiveram seus textos perdidos ou ignorados durante a idade média europeia, foram traduzidos e lidos pela primeira vez em séculos pelo povo árabe.

 

Ao final das orações, os homens se sentaram em um círculo próximo ao púlpito, enquanto as mulheres permaneceram no fundo da sala. Como quem acaba de sair de um transe, os homens seguiram falando em árabe em um tom comedido por alguns instantes e eu fiquei em dúvida se o momento ritualístico já havia terminado. Foi quando Amr, retomando sua feição pacata, acenou com a mão para que eu e o fotógrafo Luan Porto nos sentássemos junto a eles.

 

Além do iman, três outros homens estavam na roda. Idrissa Sakome, vindo do Senegal e que trabalha como eletricista. Mohamad Dughmosh, da Síria, dono de um restaurante de comida árabe na cidade e Feras Dogha, do Líbano, que trabalha no mesmo restaurante. Me sentei ao lado de Feras, o homem que tinha chegado como filho: uma criança com uma camiseta do Homem Aranha que dormiu e embarcou em um sono profundo durante toda a oração.

 

 

 

Logo no início da nossa conversa, Feras ressaltou a diversidade étnica e cultural do islã.  "Para o islã todo mundo é igual. Temos uma mensagem de paz, amor e felicidade. Temos também o mês de peregrinação à Meca, chamado de Dhu al-Hijja. Nesse mês milhões de pessoas vão para lá. Você chega e fica louco. Allahu Akbar! [Deus é grande]. Todo mundo é igual. Rico, pobre, branco, preto, brasileiro, árabe, asiático, africano... Isso é o islã", exaltou.

 

Ao ser questionado se já sofreu preconceito pela sua fé, Feras garantiu que não e reforçou a fama de hospitaleiro do brasileiro. "O Brasil é uma terra de respeito, as pessoas são amorosas. Eu já fui para a Europa e não é assim. Alguns europeus querem até proibir mulheres de andarem de hijab. Não gostam de refugiados", afirmou.

 

Apesar de ter nascido no Líbano, parte da família de Feras veio para o Brasil nos anos 1940, assim como grande parte dos libaneses que migraram para o país entre o final do século XIX e a primeira metade do século XX. Atualmente, existem mais libaneses morando no Brasil do que no próprio Líbano.

 

Já a imigração de Mohamad ocorreu em circunstâncias diferentes. Ele migrou para cá em 2014, durante a guerra na Síria. Chegou no Brasil sem dominar o idioma e sozinho. Em pouco mais de oito anos, conseguiu aprender a língua, se casou, teve filhos e hoje comanda o seu próprio negócio.

 

O quarto homem na roda, Idrissa, é um fula, grupo étnico minoritário do Senegal. Por isso, além do seu próprio dialeto, o senegalês teve de aprender o francês, idioma oficial imposto pelo domínio imperialista da França; e o uolofe, o dialeto do povo uolofe que é o mais falado no país. Além disso, ele fala português com fluência e arranha algumas palavras em árabe, principalmente nas orações.

 

"Não sou refugiado, mas sai para buscar uma vida melhor", comentou. A conversa foi novamente interrompida. Era hora de mais uma oração.

 

Leia aqui a parte três

 


 

NÃO TENHA DÚVIDA: quantas vezes os muçulmanos oram por dia?

 

Os muçulmanos realizam cinco orações diárias em horários específicos ao longo do dia, que são determinados pela posição do sol. As orações são: antes do amanhecer, ao meio-dia), no meio da tarde, logo após o pôr do sol e à noite.

 

 

 As orações são uma forma de lembrar a presença de Deus e agradecer por suas bênçãos. Elas também servem como uma forma de disciplina espiritual e são uma oportunidade para se conectar com outras pessoas da comunidade muçulmana.

 

Leia aqui a parte três


Foto: Luan Porto

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