A casa da esquina - pt3. Segunda oração: a escolha feminina
Sarah Hiaty e a filha Maria Eduarda Ghelere Petersen pretendem morar na Arábia Saudita

A casa da esquina - pt3. Segunda oração: a escolha feminina

Terceira parte da história de uma mesquita islâmica que funciona em uma casa na Vila Monte Alegre, Zona Oeste de Ribeirão Preto

Leia aqui a primeira parte.

Leia aqui a segunda parte.

 

Diferente da primeira oração, que durou cerca de 20 minutos, nesta não havia o sermão. Apenas a oração e as adorações a Allah. Terminadas as preces, fui até as mulheres no fundo da sala. Foi quando puder conversar com mais calma com Sarah. A empresária, que tem uma marca própria de hijabs e vestimentas islâmicas, voltou a bater na tecla que a mulher muçulmana tem liberdade.

 

Atualmente, ela está em seu segundo casamento islâmico, com um saudita, que a aceitou com a sua filha Maria Eduarda Ghelere Petersen. A poligamia é permitida no Islã, mas possui algumas restrições.

 

Sarah me explicou que Alcorão estabelece que um homem pode ter até quatro esposas, desde que ele possa tratar todas elas com justiça e equidade. Os defensores da poligamia no Islã argumentam que ela é permitida para garantir que as mulheres sejam protegidas e cuidadas, especialmente em situações em que os homens são mortos ou incapacitados em guerras ou outras circunstâncias. Um homem não pode se deitar com mais de uma mulher ao mesmo tempo.

 

Sarah vive no Egito, mas veio recentemente para Ribeirão Preto para cuidar da mãe que estava doente e faleceu há duas semanas. Passado o período de luto, o desejo de Sarah e da filha é se mudar com o marido para a Arábia Saudita, um país, economicamente, mais próspero que o Egito.

 

Todavia, os sauditas respondem à sharia, sistema jurídico e religioso do islã que impõe a pena de morte para alguns crimes. Questionada se não se importa de viver sob um sistema tão rígido, Sarah disse que sente até mais segura.

 

“Se um bandido entrar na minha casa, meu marido pode mata-lo. Se o bandido for pego roubando, ele tem a mão esquerda cortada. É um país com uma taxa de criminalidade muito baixa, me sinto muito segura lá”, respondeu.  

 

Sarah é brasileira, foi batizada na igreja católica e trabalhou por quase duas décadas como gerente de eventos na Recreativa. A conversão ao islã veio somente depois de adulta. "Encontrei uma família síria que estava vindo para o Brasil refugiada da guerra e eles me deram um alcorão. Quando eu comecei a ler pensei: 'Meu Deus, é isso aqui! Por isso que eu me sentia incompleta'. Eu trabalhava com os eventos e quando chegava em casa sentia que tinha alguma coisa errada", relatou.

 

Diferente dos homens, Sarah conta que já sofreu preconceito por conta de suas escolhas.

 

“Uma vez fui expulsa de um Uber. Eu e minha filha entramos no carro enquanto o motorista estava olhando para o celular. Quando ele ajeitou o retrovisor e me viu ele disse: ‘pode descer do meu carro’. Eu achei que fosse uma brincadeira, ainda falei para irmos rápido porque eu estava atrasada para uma reunião, mas percebi que ele estava falando sério. Eu estava em um dia emocionalmente abalada e abri um berreiro. O motorista insistiu que não iria carregar ‘esse tipo de gente’ no carro dele. Nunca imaginei sofrer um preconceito dessa forma, se eu estivesse com um decote enorme e roupa curta, acho que ele não ligaria. É a minha escolha, mas para algumas pessoas isso incomoda”, relatou.

 

“As pessoas não entendem que nós escolhemos o islã, nós escolhemos usar o hijab. É uma escolha consciente. Somos livres para isso”, acrescentou.

 

Nesse momento paramos para fazer algumas fotos de Sarah e a filha, a outra mulher que estava no local era síria, e preferiu não aparecer na foto. Reparei que no canto da sala havia uma jovem, de lenço na cabeça, mangas compridas e negras até os punhos, mas com uma camiseta dos Beatles do álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, um dos mais psicodélicos da banda. Ela tinha três piercings aparentes: septo, sobrancelha e lábio. Fiquei curioso para saber quem era. Mas era o momento da terceira oração.

 

 

 

 

 

 

 

 


 

NÃO TENHA DÚVIDA: o que é a sharia?

 

A sharia um sistema jurídico do islã que orienta os comportamentos e práticas em diversas áreas da vida, como a religiosa, a moral, a social e a política. Ela é baseada nos ensinamentos do Alcorão, na vida e exemplos do profeta Maomé.

 

Dentre as práticas estabelecidas estão as orações diárias, jejum e doações para os pobres. Além disso, a sharia adentra em aspectos da vida cotidiana, incluindo direito de família, vestimentas, comportamento, negócios e finanças.

 

Ela ainda trata de punições severas, o roubo, por exemplo, pode ser punido com a amputação da mão do condenado. Já o adultério pode levar à pena de morte por apedrejamento em determinadas culturas.

 

Leia aqui a parte quatro.


Foto: Luan Porto

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