A casa da esquina - pt4. Terceira oração: a questão do livre arbítrio

A casa da esquina - pt4. Terceira oração: a questão do livre arbítrio

Quarta e última parte da história de uma mesquita islâmica que funciona em uma casa na Vila Monte Alegre, Zona Oeste de Ribeirão Preto

Leia aqui a primeira parte.

Leia aqui a segunda parte.

Leia aqui a terceira parte.

           

Assim como a segunda oração, esta também não teve sermão. Como era a última, alguns membros se despediram e voltaram para a sua rotina. Antes de se despedir, Sarah reforçou que o islamismo, assim como todas as outras vertentes religiosas tem seus extremistas e que a fé original, tal qual está nas escrituras, não justifica o surgimento de grupos como o Talibã e o Estado Islâmico.

 

Após isso, pude me dirigir à jovem com a camiseta dos Beatles. Era Isabela Raiele Carvalho Garcia de Lima, de 24 anos, graduada em História pela Unesp. O trabalho de conclusão de curso de Isabela, intitulado “Al-Mustafia: um estudo sobre as referências de Maria no Islã”, analisou as referências de figuras bíblicas como Maria e Jesus no islamismo. Vale ressaltar, que Jesus também é cultuado no islamismo, porém, ele é considerado um dos profetas de Allah.

 

Isabela é brasileira e não possui nenhuma ligação com o oriente médio. Os pais são católicos, mas como boa parte dos brasileiros, segundo a jovem “não são praticantes”; Apesar disso, aceitam a fé da filha. "Eu sempre achei a cultura muçulmana muito bonita, e há uns nove anos comecei a pesquisar e me interessar pelo assunto. Eu comecei a vir na Mesquita desde o início dela em 2019", relatou.

 

Apesar do fascínio pela fé islâmica, Isabela ainda não fez a shahada, o juramento para a conversão. Ela ainda está refletindo sobre sua fé, mas acredita que em breve deverá se converter totalmente. Sobre os piercings, admite que a linha fria da fé islâmica não concorda com esse tipo de adereço.

 

Isabela e Amr

 

"Depois da conversão, você não pode machucar o seu corpo, porque ele é algo sagrado. Eu tenho piercings, mas não sou convertida, mas acho que mesmo se eu fosse, eu não iria tirar. É uma questão de escolha, eu tenho o meu livre arbítrio", explioua a jovem. Além de não abrir mão da identidade com os piercings, Isabela também não abrirá mão de seu namorado, que também é brasileiro, mas católico. “Se eu me converter, não iria terminar com ele”, acrescenta.

 

Após falar com Isabela, Amr ainda me mostrou outros cômodos da mesquita, onde ensina caligrafia e também a língua árabe. Ele me presenteou com alguns livretos sobre o islamismo e um alcorão.

 

Entrei no Uber no caminho de volta para casa pensando em como escrever essa experiência. A função do jornalista é traduzir os dados que ele captou e transformá-los em informação para o público. Fazer a tradução de uma cultura tão complexa era o desafio. Preferi focar nas pessoas e nas suas histórias, algo mais familiar para todos.

 

Parado em um semáforo enquanto eu refletia sobre o texto, um carro na nossa frente exibia um grande adesivo sobre um modelo de home schooling cristão. Em cima da lanterna traseira havia outro adesivo, mas com bandeira do Brasil. "Deus, pátria e família". A ironia me ajudou a clarear as ideias.

 


 

NÃO TENHA DÚVIDA: o que são xiitas e sunitas?

 

A cisão que criou as vertentes sunitas e xiitas foi a sucessão do profeta Maomé após sua morte. Os sunitas, a vertente com mais seguidores, acredita que os novos líderes religiosos deveriam ser escolhidos pela comunidade. Essa pessoa deveria ser uma devota fiel e qualificada para o posto.

 

O termo "sunita" está relacionado com as Sunas, que são as tradições do profeta Maomé, que incluem seus ensinamentos, ações e comportamentos. Elas foram registradas em coleções de Hadiths, que são relatos de pessoas próximas a Maomé sobre o que ele disse ou fez.

 

As Sunas são uma das principais fontes de orientação religiosa para os sunitas, além, é claro, do Alcorão. Abu Bakr foi o primeiro califa sunita escolhido para suceder Maomé, no ano 632 depois de Cristo. Já para os xiitas, o líder deveria ser alguém da família do profeta Maomé.

 

Eles acreditavam que Ali ibn Abi Talib, o primo do profeta, deveria ser o escolhido. Ali foi o quarto califa do islamismo e. Ele é considerado pelos xiitas como o primeiro iman e é venerado como um símbolo de resistência contra a injustiça. Todavia, cada grupo possui sub-vertentes mais ou menos conservadoras. Por isso, não é correto rotular “xiitas” como sendo extremistas, como virou de praxe no ocidente.

 

 

NÃO TENHA DÚVIDA: todo muçulmano é extremista?

 

É importante ressaltar que o extremismo não é uma característica fundamental do Islã, mas sim uma interpretação radical de certas escrituras.

 

Assim como existem vertentes extremistas em outras religiões, como a Ku Klux Klan (Estados Unidos) e o Exército de Resistência do Senhor (Uganda) que fazem uma leitura equivocada do cristianismo; e o Lehava (Israel) que interpreta de maneira radical o judaísmo; o islã também sofre com seus extremistas. Como é o caso do Estado Islâmico, Talibã, Al-Qaeda e Hezbollah.


Foto: Divulgação

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