Arte falada em movimento
Cada vez mais forte, o movimento conhecido como Poetry Slam terá representantes de Ribeirão Preto em competição estadual
A arte das ruas conhecida como Poetry Slam ocupou a sala prin cipal do Theatro Pedro II, na noite do último dia 7 de agosto, para o encer ramento do campeonato regional Slam 016 — uma das inovações da 23ª FIL (Feira Internacional do Livro de Ribeirão Preto) este ano. Um grupo formado por 12 slammers, representando sete Slam’s (grupos de poesia falada), passou por etapas classificatórias realizadas desde abril, em Ribeirão Preto e cidades da macrorregião.
A apresentação de poemas autorais, construídos a partir de temáticas diversas, foi comandada pela poeta e slammer Roberta Estrela D’Alva, pioneira do movimento da poesia fala da no Brasil e principal nome feminino na cena nacional do Slam. A competição premiou os três primeiros colocados após duas rodadas de apresentações. A slammer Dani Paina foi a vencedora e levou para casa o prêmio triplo, com vales de consumo em cervejaria, um curso de italiano durante um ano e serviços de estética.
Realizado em parceria com Instituto Abayomi de Direitos Humanos — Cole tivo Abayomi —, a final do campeonato contou com a participação dos Slam’s Travessia, Desafeto, Vida Louca, Da Paz, Orienta, Da Cana e Das Minas.
CAMPEÃ DO SLAM 016
Estudante de ciências biológicas na USP-Ribeirão Preto, Danithiely Cristina Paina de Souza, 23 anos, começou a participar de Slam´s há um ano. Antes disso frequentava saraus. “Faço poesias desde os 10 anos, mas a minha participação como slammer é recente. Mudei para Ribeirão Preto em 2021, mas os Slam´s haviam parado em decorrência da pandemia. Os encontros só voltaram a acontecer na cidade em 2023. Foi quando participei pela primeira vez com o Slam das Cores, na Feira do Livro. Hoje existem vários na cidade, com encontros semanais e eu participo sempre que posso”, conta Dani.
Para ela, o Slam representa um espaço de fala, de resistência e de expressão artística. “Posso falar tudo o que consi dero importante ser dito de uma forma elaborada e artística, o que faz com que as pessoas realmente se atentem e ab sorvam o que está sendo dito. É um lugar em que geralmente se fala o que se vive e falar sobre o que se vive faz com que aquilo se torne um problema real. Quando um problema se torna real você se cobra solucioná-lo e isso muda muitas coisas na sociedade em níveis micro e macro. Além de mudar a percepção do próprio artista sobre como se portar em toda e qualquer situação de insegurança e injustiça”, enfatiza.
Tendo o pai como um grande apoia dor da sua arte, Dani conta que foi sem pre uma criança observadora e com desejo de cobrar o que acreditava estar errado. “Então, meu pai me ensinou a di recionar essa cobrança e a fazê-la de for ma que alcançasse lugares onde a igno rância não alcançaria, para mudar esses ambientes de dentro para fora”, recorda. O Slam é uma competição, por isso, o poeta já tem que chegar pronto para competir. Dani costuma praticar em casa antes e para a batalha na FIL contou com o apoio dos amigos.
POESIA NA PERIFERIA
Luis Henrique Batista dos Santos, o Psiul, tem 25 anos, é produtor cultural independente, artista, poeta, compo sitor, rapper e idealizador do projeto ‘Slam 016’ na FIL, realizado em parceria com o Coletivo Abayomi. Ele foi um dos poetas classificados, ficou em segundo lugar, e sua relação com o formato teve início em 2017. Psiul participava de batalhas de rimas em saraus e começou a competir somente ano passado, quan do criou coragem de mostrar suas poe sias para outras pessoas. Segundo ele, todos os Slam´s de Ribeirão Preto são coletivos indepen dentes, que na sua maioria não rece bem nenhum tipo de apoio. “São movimentos organizados coletivamente por jovens da periferia entre 18 e 25 anos”, ressalta.
Organizador do Slam Travessia, que completa um ano este mês, promovendo o resgate histórico das pessoas pretas importantes na cidade e na região metropolitana de Ribeirão Preto, Psiul conta que o nome escolhi do homenageia um grupo de teatro só de pessoas pretas, chamado Travessia, organizado por Pedro Paulo, nome importante para a cultura de matriz africa na em Ribeirão Preto. “O Slam Travessia atua nas ruas e praças da Zona Norte, próximo ao Tanquinho e Vila Carvalho, levando poesia, oralidade e cultura para essas comunidades afastadas. Por isso, a chamamos de ‘po esia marginal’, porque relata a vida, pensamentos e insatisfações de quem vive à margem. Assim, devolvemos a palavra para o povo e vemos nesse movimento muita gente parando para ouvir poesia na rua e escutando um ao outro. Além de ser um movimento do Hip Hop, marginal, das ruas, o Slam é um movimento onde a periferia se acolhe. É também uma ferramenta de mudança na vida de pessoas marginalizadas pelo sistema, nossa forma de fazer o jogo virar para a nossa comunidade”, enfatiza Psiul.
SLAMMASTER
Também chamada de “batalha das letras”, a poetry slam desembarcou no Brasil pelas mãos do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos e Memória do Hip Hop, em 2008, tendo como principal expoen te a poeta, atriz, cantora e apresentadora Roberta Estrela D’Alva, que foi a apresentadora (slammaster) do Slam 016 na FIL. “A cena do Slam tem crescido muito em várias localidades do país. Vimos poetas incríveis nesse Slam da FIL e ainda tere mos a oportunidade de ver no Slam SP, que é o campeonato estadual, já que Ribeirão Preto participa este ano com cinco representantes”, avalia Roberta, 46 anos.
“Tudo começou na sede do Núcleo Bartolomeu, um coletivo artístico de Teatro Hip-Hop formado por mim, Luana Gabanini, Claudia Schapira e Eu gênio Lima no ano 2000”, recorda. Para a slammaster, o Slam é uma possibilidade de encontro poético-político, uma plata forma de fala e escuta, um jogo cênico onde diversão, educação e arte andam de mãos dadas. “É inevitável que as feiras literárias no Brasil, cada vez mais, reco nheçam e abram espaço para as mani festações da poesia oral, considerando a riqueza e diversidade dessas manifesta ções no nosso país. Isso só amplia, enri quece e traz ainda mais pluralidade de vozes a eventos como esse”, conclui.
ORIGENS DO MOVIMENTO
O slam é um molde de competição de poesias criada na década de 1980 pelo poeta americano Marc Smith, em Chicago (EUA). A expressão “slam” é inglesa e seu significado se assemelha ao som de uma “batida” de porta ou janela, “algo próximo do nosso ‘pá!’ em língua portuguesa”, segundo a pesquisadora Cynthia Agra de Brito Neves. A grande diferença dos saraus para a poetry slam – ambos apresentações de poesia falada e apresentada para grandes plateias — é que o primeiro é usu almente voltado para a elite e o segundo para o povo. Hoje, é competição de poesia falada que coloca questões da atualidade em debate. Também chamada de “batalha das letras”, a poetry slam desembarcou no Brasil pelas mãos do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos e Memória do Hip Hop, em 2008, tendo como principal expoente nossa entrevistada, a poeta, atriz, cantora e apresentadora Roberta Estrela D’Alva. Ao longo dos últimos dez anos, tem sido um fortalecedor de comunidades e vínculos por diversos estados do país (e no mundo)