Discussão sobre Imposto Seletivo acirra ânimos de cervejeiros e destilarias; entenda
Além de bebidas alcoólicas, o chamado Imposto do Pecado vai taxar a produção de itens considerados prejudiciais para a saúde
A criação do novo Imposto Seletivo, popularmente conhecido como "Imposto do Pecado", tem gerado intensos debates e polarizado opiniões, especialmente entre os setores diretamente afetados pelo novo tributo. Este imposto faz parte da Reforma Tributária a ser implementada a partir de 2026, que pretende taxar produtos considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, incluindo bebidas alcoólicas, tabaco, bebidas açucaradas, veículos poluentes e a extração de minério de ferro, petróleo e gás natural.
Recentemente, uma audiência pública na Câmara dos Deputados, em Brasília, que se estendeu por quase cinco horas e meia, deu voz a 44 representantes dos setores afetados pela criação do Imposto do Pecado. A sessão foi marcada por discursos apaixonados e embates acalorados. Alexandre Naoki Nishioka, professor na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), destaca a importância da discussão: "É preciso ter equilíbrio e também incentivar a indústria para fortalecer campanhas informativas de consumo responsável".
Apesar de concordarem com a isenção do novo imposto para pequenas empresas, um ponto coloca em lados opostos os representantes das cervejarias e das destilarias: a taxação deve ser ou não correspondente ao grau alcoólico da bebida? A Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva) lançou a campanha "Cerveja Não é Pecado" para mobilizar a população contra o novo imposto. "Defendemos três pontos: que o imposto seja seletivo quanto ao porte das empresas, excluindo da nova cobrança as empresas enquadradas no Simples; que seja seletivo quanto ao teor alcoólico, com tarifas proporcionais ao volume de álcool; e que seja mantida a alíquota atual durante o período de transição", explica Gilberto Tarantino, presidente da Abracerva.
"A cerveja é um produto que está dentro da cultura e é a bebida mais consumida pelos brasileiros. A imposição de um imposto sobre a cerveja é uma injustiça com um dos setores mais importantes da economia. Nossa posição é desesperadora”, conta o empresário e cervejeiro Tio Limongi, da cervejaria SP330, um dos representantes do Pólo Cervejeiro de Ribeirão Preto.
Márcio Maciel, presidente executivo do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv), diz que é preciso cuidado para não haver incidência indiscriminada do Imposto Seletivo sobre a cerveja. “O excesso de impostos pode inviabilizar centenas de pequenos negócios já fragilizados pela pandemia e aumento de custos”, disse.
Já para o presidente da Associação Brasileira de Bebidas Destiladas (ABBD), José Eduardo Macedo Cidade (foto abaixo), "é fundamental compreender que álcool é álcool e que as políticas públicas e os tributos, como o Imposto Seletivo, devem atender ao princípio da isonomia dentro da categoria, que é uma só, para cumprir sua função: mitigar o consumo excessivo e preservar a saúde do consumidor. Todas as bebidas alcoólicas devem ser tratadas de maneira simétrica tanto do ponto de vista regulatório quanto tributário, permitindo uma competição justa, arrecadação de impostos, geração de empregos e valor para a sociedade brasileira".
Ele ainda critica a eficiência de uma nova taxação. "Fazer distinções infundadas com base no teor alcoólico, e poupar a bebida em que se concentra a maior parcela do consumo, seria ineficiente para combater o consumo nocivo. Hoje são 84 litros de cerveja consumidos per capita por ano, enquanto os destilados representam 4,1 litros per capita", destaca. Ele defende uma tributação justa e isonômica que incentive investimentos e de sestimule o comércio ilegal. "Isonomia é um pilar fundamental", diz.
Sobre o perfil de produção da cerveja no Brasil, Tarantino destaca outro ponto. “Deixar nosso segmento isento do Imposto Seletivo impacta praticamente em nada a arrecadação e, por outro lado, incentiva a produção local, familiar e sustentável e a prática do 'beba menos e beba melhor', inerente às cervejas mais gastronômicas”, diz. Ele reforça que mais de 90% das 1.847 cervejarias instaladas no Brasil são pequenas ou médias fábricas, e que as microcervejarias respondem por apenas 1% da produção nacional. “A cerveja artesanal é uma expressão da nossa cultura, um patrimônio nacional. Hoje, um em cada sete municípios brasileiros tem sua própria cervejaria, que orgulha a população e gera efeitos positivos na economia local por meio do turismo e da gastronomia”, diz.
Destilaria recém construída no bairro Lagoinha em Ribeirão Preto / Foto: Cachaça Moale/Divulgação
Em Ribeirão Preto, o empresário e diretor da IDF Destilados Finos, Antonio Carlos França, engrossa o coro dos críticos à proposta de taxar bebidas com base no teor alcoólico. "Inicialmente, discordamos do apelido dado ao Projeto de Lei, pois produzir ou consumir bebida alcoólica não é transgressão ou contrário a nenhuma norma ou lei, muito menos imoral ou errado", defende França. Ele explicou que a cachaça, por exemplo, possui teores alcoólicos variados entre 38% e 48%, o que resultaria em alíquotas diferentes mesmo dentro da mesma categoria de bebida. "Somos contrários a este critério de definição de alíquota de tributo e também ao uso da tributação como ferramenta para enfrentar problemas públicos. Em nossa opinião, o aumento de tributo pode resultar em um aumento dos produtos ilegais colocados no mercado, outro problema grave que o setor enfrenta", argumentou.
Antonio Carlos, que lançou sua cachaça recentemente, diz que qualquer mudança de tributação que onere a cadeia produtiva vai na contramão do potencial do setor de bebidas destiladas no Brasil. “Isso seguramente afetará a produção e a venda das nossas bebidas, pois todo custo acaba chegando ao valor final para o consumidor e dificulta o acesso a produtos de qualidade, que cumprem com a legislação vigente. Isso pode resultar no efeito inverso ao objetivo anunciado pelo governo, que é desestimular o consumo de produtos prejudiciais à saúde”.
Enquanto a busca por formas de mitigar o consumo de produtos prejudiciais à saúde parece longe de uma solução, os produto res argumentam que uma política tributária equilibrada é essencial para preservar a competitividade, fomentar o desenvolvimento econômico e incentivar práticas de consumo responsável. Resta saber quem vai sair menos insatisfeito dessa discussão.
"MUDANÇA PODE SER BENÉFICA"
Para o médico Marco Andrey Cipriani Frade, a taxação sobre produtos que comprovadamente fazem mal à saúde é uma tendência mundial, seguindo recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) com o objetivo de atingir melhores índices de saúde pública e economia. "O aumento dos preços dos cigarros e das bebidas os torna menos acessíveis, especialmente para jovens e pessoas de baixa renda, levando a uma diminuição na prevalência de doenças relacionadas ao tabagismo e alcoolismo, como câncer de pulmão, doenças cardíacas e respiratórias relacionadas ao cigarro, câncer hepático e, principalmente, uma diminuição dos acidentes de trânsito e mortes por armas de fogo ou brancas consequentes do alcoolismo no ambiente familiar ou fora dele", acredita o médico.
Além de inibir parte dos consumidores, uma taxação extra pode aumentar a arrecadação do governo para o cuidado e prevenção. "Outro objetivo que, em teoria, pode ser buscado, é forçar a indústria a inovar em alternativas menos prejudiciais, promovendo o desenvolvimento de produtos menos danosos ou a diversificação para outros setores", diz.
No entanto, ele ressalta que, "para maximizar esses benefícios, é importante que essa política seja implementada juntamente com outras medidas de controle." Ele observa que, no caso do tabagismo, foram adotadas regulamentações sobre propaganda de tabaco, campanhas educacionais e programas de apoio à cessação do tabagismo no SUS. "Hoje não é permitida propaganda alguma de cigarros. O mesmo deve ser adotado para o álcool para se obter o mesmo ou resultados parecidos, além de se adotarem também campanhas educacionais para evitar o início do uso e campanhas de apoio à parada do consumo de álcool no SUS", avalia o médico.
Por outro lado, Frade alerta que "o aumento da taxação deve ser também ponderado, pois a possibilidade de suscitar o contrabando existe e vemos isso acontecer para o cigarro e também com as bebidas alcoólicas, o que requererá por parte do governo maior atenção à fiscalização e controle”.
ENTENDA O PECADO
Pelo texto atual do projeto, o Imposto Seletivo será cobrado das empresas produtoras e importadoras da seguinte maneira:
Produtores Nacionais: O imposto será aplicado diretamente sobre os fabricantes de bebidas alcoólicas, cigarros, bebidas açucaradas, veículos poluentes e produtos resultantes da extração de recursos naturais (minério de ferro, petróleo e gás natural). Os produtores deverão calcular e pagar o imposto com base no volume de produção e no teor alcoólico (no caso de bebidas alcoólicas) ou nas características específicas do produto.
Importadores: Produtos estrangeiros também estarão sujeitos à nova taxação. As empresas que importam esses itens terão que pagar o imposto no momento da entrada do produto no país. Isso garantiria que tanto os produtos nacionais quanto os importados sejam tributados de forma equivalente.
Vendedores: Os vendedores (comerciantes) não serão diretamente responsáveis pelo pagamento do Imposto Seletivo. No entanto, o custo adicional do imposto pago pelos produtores e importadores pode ser repassado aos preços finais dos produtos, afetando o consumidor.
Arrecadação de Recursos: Os recursos arrecadados com esse imposto podem ser destinados a programas de saúde pública e iniciativas ambientais.
Teor Alcoólico: No caso de bebidas alcoólicas, o imposto será proporcional ao teor alcoólico, com bebidas mais alcoólicas sendo mais tributadas do que bebidas com menor teor de álcool.
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