Especialistas explicam o fenômeno chamado de "reduflação"

Especialistas explicam o fenômeno chamado de "reduflação"

Com a inflação em alta, indústrias reduzem tamanho de alimentos, mas mantêm preços

A perda do poder de compra dos consumidores brasileiros com a desvalorização do real, registrada nos últimos meses, trouxe de volta um antigo “fantasma” com novo nome: a reduflação, neologismo traduzido do inglês shrinkflation.

 

Trata-se uma estratégia utilizada por diferentes indústrias, principalmente do setor alimentício, que consiste em reduzir o tamanho ou modificar a composição dos produtos diante da alta da inflação, mas mantendo ou aumentando os preços dos itens. Somente em 2022, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial do Brasil, já atingiu 4,78% (a meta era de 3,5% para o ano todo).


Em termos gerais, o consumidor paga mais caro pelo produto e recebe uma quantidade menor ou uma qualidade inferior do que anteriormente. Tem sido assim com as caixas de bombons, que passaram de um padrão de peso de 400g para 250g em poucos anos. No caso do sabão em pó, o argumento dos fornecedores para as modificações é de que os novos 1,6kg rendem ‘igual’ aos 2kg ofertados antes.

 

Mas, para o cliente comum, é quase impossível fazer esses cálculos. “Um consumidor desatento pode não perceber a mudança na quantidade do produto e, assim, não se dar conta que está pagando mais caro. [É preciso] intensificar as pesquisas de preço, procurar bens substitutos mais baratos, ou mesmo deixar de comprar”, aponta o professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA-RP) da USP de Ribeirão Preto, Fábio Augusto Reis Gomes.


O chefe do Procon de Ribeirão Preto, Francisco Mango Neto, explica que os fornecedores podem legalmente diminuir o tamanho dos produtos, apesar de ser pouco ético. Por isso, as empresas devem adotar algumas medidas para informar corretamente os consumidores sobre as mudanças, como indicações nos rótulos das embalagens, de forma destacada e visível ao cliente, durante seis meses.

 

“Para não perder o cliente, as empresas estão fazendo essas mudanças. Para o fornecedor, é uma forma de não aumentar os preços. Mas as pessoas compram o produto pensando que existe a mesma quantidade. Se a empresa não seguir a própria lei, ela estará incorrendo em abuso ao consumidor”, diz Mango.


Apesar de muitos consumidores se sentirem enganados com a maquiagem de produtos, o volume de denúncias feitas ao Procon de Ribeirão Preto sobre irregularidades é muito baixo. Apenas duas reclamações sobre produtos foram enviadas ao setor municipal nos últimos dois anos.

 

“A impressão que tenho é de que as pessoas acabam se acomodando ao ver a dificuldade que existe [em torno da denúncia]. E não é assim. Os clientes têm que procurar seus direitos, denunciar ao Procon, para que possamos tomar as devidas providências”, destaca Francisco Mango Neto. Os consumidores podem fazer denúncias ao Procon-RP pelo telefone e WhatsApp (16) 3605-3315, além do e-mail [email protected].

 

Dilema no bolso
Do outro lado da ponta, os pequenos comerciantes também estão com problemas na compra de insumos do dia-a-dia, que estão cada vez mais caros. A situação é vivida pelo casal Nani e Thiago Leite, que são donos de um trailer de lanches no Jardim Nova Aliança, Zona Sul de Ribeirão Preto, e estão há sete anos no mercado. Nos últimos meses, os principais vilões na chapa de lanches têm sido os embutidos, como presunto e salsicha, e laticínios, como muçarela e requeijão, além dos próprios pães.

 

“Estamos sentindo, sim, esses aumentos. Não fazemos mais estoque dessas mercadorias, porque existe uma variação muito grande em um prazo semanal. Outra alternativa que adotamos é usar as mesmas marcas e produtos, mas fazer cotações em diferentes fornecedores”, aponta Nani.

 


Mesmo com os preços dos produtos em alta, o casal destaca que não consegue fazer os repasses nos valores dos lanches, que são reajustados a cada seis meses. Nessas horas, a criatividade é importante para manter o negócio fluindo bem e evitar a reduflação: os donos do trailer fazem promoções mensais e combos fixos, além de investirem no retorno do cliente através de cadastro e cartões-fidelidade.

 

“Optamos por diminuir a nossa margem de lucro e manter a qualidade dos nossos ingredientes. Trabalhamos com marketing pelas redes sociais e contamos com aumento da nossa equipe de delivery, para agilizar a entrega do nosso produto, além de treinar a equipe para um atendimento mais acolhedor e personalizado”, afirma Thiago Leite.


Para o professor da FEA-RP, Fábio Augusto Reis Gomes, a situação não deve melhorar a curto prazo. Ele aponta que fatores externos (como a guerra na Ucrânia) e internos (como o descontrole da política fiscal pelo governo federal) devem fazer com que a reduflação seja notada pelos consumidores brasileiros por mais tempo.

 

“A inflação elevada se deve a vários fatores e, em certos casos, está ligada a falta de produtos. Nestes cinco meses, o IPCA referente a alimentos e bebidas é ainda maior: 7,56%. Sobra ao Banco Central o recurso de aumentar a taxa de juros, como temos observado nos últimos meses. É difícil prever quando haverá uma desaceleração dos preços”, finaliza. 


Foto: Tania Rego/ Agência Brasil

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