Governo federal estuda volta do horário de verão

Governo federal estuda volta do horário de verão

Cinco anos após ser suspenso, mudança no relógio durante a estação mais quente do ano pode ser retomado ainda em 2024, mas ainda há ponteiros a serem ajustados

No centro de Ribeirão Preto, sob um sol escaldante de 38 graus em plena primavera, as discussões sobre a volta do horário de verão começaram a se aquecer tanto quanto o asfalto. Faz cinco anos desde que os brasileiros ajustaram seus relógios pela última vez, e agora, em 2024, o governo federal está reavaliando a medida. Mas o que está por trás dessa decisão? Nos corredores do Ministério de Minas e Energia, as preocupações com a segurança energética se intensificaram, principalmente a seca recorde que atingiu mais de 1.400 municípios brasileiros neste mês.

 

Alexandre Silveira, o ministro responsável, sabe que o sistema elétrico brasileiro está em um momento crítico, especialmente com a seca que afeta os reservatórios hidrelétricos. O consumo de energia dispara durante o fim de tarde, quando milhões de brasileiros ligam suas luzes, aparelhos de ar-condicionado e televisores ao mesmo tempo.

 

O retorno do horário de verão, que tradicionalmente adiantava o relógio em uma hora para aproveitar melhor a luz natural, aparece como uma solução para aliviar essa pressão. “Demonstrou-se que o horário de verão tem um grau de economicidade e aumenta nossa confiabilidade", admitiu Silveira em coletiva de imprensa recente, após receber um parecer técnico do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) recomendando a retomada do horário de verão, embora ainda haja hesitação sobre a necessidade imediata da medida.

 

A medida ganha força política, já que o vice-presidente Geraldo Alckmin também vê a ideia com bons olhos. “Pode ser uma boa alternativa para poupar energia”, disse ele, reconhecendo que a crise hídrica atual exige medidas inteligentes para evitar um cenário de racionamento. A ideia é evitar que as usinas termelétricas, caras e poluentes, sejam ativadas em larga escala. Mas os números são os que realmente fazem os olhos brilhar.

 

Estudos recentes do Operador Nacional do Sistema (ONS) indicam que a economia gerada pelo retorno do horário de verão pode chegar a R$ 1,8 bilhão ao ano, reduzindo a necessidade de usinas termelétricas e estabilizando a oferta de energia. A grande vantagem seria ter as usinas de energia solar trabalhando enquanto o consumo é o mais alto do dia. No geral, a demanda por energia elétrica, no entanto, não muda com a adoção do horário de verão, segundo o estudo do ONS, principalmente porque houve uma mudança no perfil de consumo. Agora, ventiladores e ares-condicionados respondem pela maior parte do consumo, do que a iluminação das casas brasileiras, aponta o ONS.

 

COMÉRCIO COMEMORA

 

Para empresários, comerciantes e trabalhadores de Ribeirão Preto que vivem uma das semanas mais quentes do ano, a ideia de mudança no relógio é comemorada pela maioria. Renato Munhoz, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes da região (Abrasel Alta Mogiana), destaca os benefícios não só para o setor elétrico, mas também para o comércio.

 

“O retorno do horário de verão é uma medida que pode trazer benefícios significativos, não só para a economia, mas para a sociedade como um todo. Com mais horas de luz natural, conseguimos estender o período de funcionamento dos bares e restaurantes, aumentando o fluxo de clientes e gerando mais faturamento. Além disso, ajuda na economia de energia, o que é extremamente importante neste momento de aumento das tarifas. Acreditamos que essa discussão precisa ser retomada, pois o impacto positivo é evidente, tanto para os empresários quanto para os consumidores."

 

Muita gente se queixa da dificuldade de adaptação do organismo com a mudança de horário. Não é o caso da jornalista Lisiane Marques. “Não tenho dificuldade em me adaptar ao horário de verão, inclusive, gosto porque o dia ainda está claro quando paro de trabalhar e isso me dá a sensação de poder aproveitar melhor o fim de tarde para, por exemplo, passear com o cachorro, fazer caminhada ou até mesmo curtir um happy hour com o céu ainda claro”. Por outro lado, o empresário Valdecir Molina é contra a mudança.

 

“Acredito que até aumente o consumo de energia e água com essa mudança, afinal, vamos chegar em casa e tomar banho, ligar o ar condicionado. Em cidades quentes como Ribeirão é difícil funcionar essa medida. Além disso, ficamos mais cansados e demoramos para adaptar a rotina, a gente fica mais cansado”, acredita Valdecir. O consultor de vendas Misael Macedo concorda. “Nosso relógio biológico fica um pouco bagunçado, mas vejo como um ponto positivo de modo geral. Talvez o impacto na nossa região não seja tão grande, mas existem regiões mais frias, onde a medida provavelmente vai significar uma economia maior”.

 

O médico neurologista Guilherme Mendonça explica que é sim preciso se adaptar ao novo horário, mas que “a luz solar é sincronizadora do tempo, e regulariza o relógio biológico, pois ajuda na produção de vitaminas e de hormônios”, explica.

 

O médico afirma que essa adaptação à luz solar é chamada de "zeitberger", termo alemão, que designa agentes externos reguladores do metabolismo. Segundo o especialista, jovens adultos são os que mais demoram para se adaptar ao horário de verão. "A rotina de trabalho e de estudos muitas vezes impossibilita uma adaptação rápida e a sensação de cansaço acaba se acumulando na semana, enquanto isso não acontece com as crianças, por exemplo, que geralmente não têm dificuldades de se adaptar".

 

Já para a Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto (Acirp), a volta do horário de verão pode trazer melhores números para os comerciantes da cidade. “A mudança deve refletir benefícios significativos para o comércio de rua, bares e restaurantes em Ribeirão Preto. Com mais tempo de luz natural no fim do dia, as pessoas tendem a aproveitar melhor o período pós-expediente, o que impulsiona o consumo e o lazer. Além disso, uma cidade mais iluminada e com maior circulação de pessoas transmite sensação de segurança, favorecendo o aumento de compras e atividades externas. Essa medida contribuiria para aquecer a economia local, fortalecendo esses setores importantes para a cidade”, explica Sandra Brandani Picinato, presidente da Acirp.

 

 

Paulo César Garcia Lopes, presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Ribeirão Preto (Sincovarp) reforça o discurso a favor da retomada do horário de verão. “Com luz natural, a sensação de segurança é maior e, em paralelo, pode significar mais vendas sem aumentar os custos fixos para o empreendedor. São fatores relevantes em uma conjuntura econômica na qual, de um lado, os consumidores ainda convivem com endividamento e juros altos e, de outro, estão em meio a um mercado de trabalho aquecido e aumento da massa de renda, que estimulam o consumo. Toda medida que ajuda a vender mais será bem-vinda”, acredita Paulo.

 

DESAFIOS

 

Em nota, a prefeitura de Ribeirão Preto disse acompanhar a discussão em âmbito federal e que já está se preparando para a possível volta do horário de verão. Mudança no horário de funcionamento de parques públicos, assim como otimização da iluminação pública estão entre as mudanças apontadas pela administração municipal.

 

No entanto, há desafios. O setor aéreo, por exemplo, precisa de ao menos 180 dias para se adaptar a mudanças no horário. As companhias aéreas alegam que alterações repentinas podem afetar voos internacionais e comprometer a logística dos aeroportos globais. Em nota, a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR) expressou preocupação com “a possibilidade de restabelecimento do horário de verão pelo Governo Federal de forma tempestiva e sem prazo suficiente que considere as questões operacionais e logísticas do transporte aéreo, o que pode ter impactos substanciais para os passageiros e comprometer a conectividade do país".

 

O comunicado ainda reforça que “o conhecimento prévio e com ampla antecedência das datas de início e término do horário de verão é fundamental para o planejamento de mais de 40 empresas aéreas, nacionais e internacionais, que operam no Brasil”. Embora o impacto econômico seja promissor, a implementação do horário de verão precisa ser bem coordenada para evitar atritos.  Entre tantas expectativas, o retorno do horário de verão, se aprovado, poderá ocorrer em novembro de 2024, trazendo um novo ritmo às rotinas de milhões de brasileiros. Ajustar o relógio talvez seja apenas um pequeno esforço diante da promessa de economia e benefícios, tanto para o bolso quanto para o clima de negócios no país.


Foto: Pixabay (imagem ilustrativa)

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