Inflação elevada gera retirada recorde na caderneta de poupança
Cenário inflacionário motiva alta na taxa de juros, torna mais atrativos investimentos em títulos do tesouro direto
A poupança registrou retirada líquida recorde de R$ 15 bilhões a mais do que os depósitos, maior retirada registrada para o mês de março desde 1995, início da série histórica. A aplicação financeira mais tradicional do País encerrou o mês de abril com R$ 17,3 bilhões de saldo negativo. Após atingir captação recorde de R$ 166 bilhões em 2020, a caderneta de poupança vem registrando recordes de retiradas desde o ano passado, tendo acumulado saque de R$ 35,5 bilhões a mais do que os depósitos no ano de 2021. Foi a terceira maior retirada líquida da história ficando atrás somente dos anos de 2015, com R$ 53,5 bilhões, e 2016, com R$ 40,7 bilhões de retirada.
Ainda no mês de março, os investimentos em títulos do Tesouro Direto registraram saldo de R$ 2,1 bilhões, maior valor desde maio de 2019, quando o valor atingiu R$ 5,9 bilhões. No mesmo mês, o programa registrou aumento de 38 mil investidores, ultrapassando a marca de 1,9 milhões de investidores ativos, maior número da série histórica que teve início em 2002. O estoque do Tesouro Direto fechou o mês de março deste ano com R$ 86 bilhões, um aumento de 3,87% em relação ao mês anterior, em fevereiro, quando registrou R$ 83 bilhões.
Segundo o economista Luciano Nakabashi, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP/USP), o aumento na taxa de juros é o que explica a migração de investimentos.
“Os juros já estão bastante elevados e a poupança tem um teto, que é de 0,5% ao mês mais a taxa referencial, que geralmente é muito baixa, então os juros da poupança dificilmente passam de 6%, enquanto os juros dos títulos públicos estão mais altos. Com esse diferencial de juros e com investimentos bastante seguros, é uma migração natural neste momento. Esse aumento dos juros é o que explica esse movimento pois, hoje, qualquer título do governo acaba remunerando mais do que a poupança”, detalha o economista.
Ainda de acordo com Nakabashi, a alta inflacionária é a responsável pelo aumento expressivo dos juros. “A taxa de juros é o principal instrumento para se controlar a inflação, controlando a demanda agregada da economia. Temos uma inflação alta e bastante persistente, e o governo aumenta a Selic para segurar a demanda e controlar a inflação. Esse ciclo de aumento dos juros leva ao diferencial em termos percentuais entre o tesouro direto e a poupança, e consequentemente explica essa migração para os títulos do governo”, completa.
No início de maio, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) elevou a taxa Selic em 1%, no décimo aumento consecutivo da taxa básica de juros da economia. Com a alta, a Selic foi de 11,75% para 12,75% ao ano, maior patamar desde janeiro de 2017, quando a taxa chegou a 13% ao ano. Na avaliação do professor Edgard Monforte Merlo, economista da FEA-RP/USP, a tendência é de elevação contínua da inflação no cenário de retomada gradual da economia.
“Em um cenário de retorno da inflação as pessoas tendem a buscar a melhor proteção para os seus investimentos. Assim, vão ocorrer mudanças nas aplicações financeiras. Nesse sentido, esse movimento de mudar os investimentos é normal e deve ocorrer cada vez mais neste cenário que é de retomada gradual da economia, mas com inflação. As empresas vão buscar aumentar suas margens por meio do aumento de preços e teremos tendência de contínua elevação da inflação que deve se situar no patamar médio de 10% no ano”, explica o professor.
Investimentos
De acordo com o especialista em produtos e alocação da Blue3 Investimentos, Oscar Almeida da Silva Junior, o principal fator para redução do estoque da poupança é o momento de alta da inflação, que compromete a rentabilidade e o patrimônio das famílias.
“Se acompanharmos o estoque da poupança, ele vem reduzindo desde 2021. É uma tendência que já vinha acontecendo. Essa movimentação se deve ao nosso momento desafiador na economia em relação à inflação. Temos um cenário inflacionário a nível global e local que acaba corroendo o patrimônio e a rentabilidade das famílias, pois todos os gastos básicos das famílias vêm aumentando, como supermercado e gasolina que estão mais caros e a inflação continua em patamar elevado, então no final do mês não sobra espaço para fazer um direcionamento de capital para poupança”, explica o especialista.
Ainda segundo Oscar, neste cenário a atenção dos pequenos investidores se volta para os produtos relacionados à taxa básica de juros e aos produtos que protegem os investidores contra a alta na inflação, preservando seu patrimônio e poder de compra.
“Saindo da poupança, o Tesouro Direto é a porta de entrada pro investidor pessoa física. Lá temos as Letra Financeira do Tesouro (LTF), que são os pós-fixados atrelados à taxa Selic, as Notas do Tesouro Nacional (NTN-B) e NTN-B principal, que são atrelados o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), então vão trazer uma taxa de retorno real além da inflação, vão corrigir o valor nominal aplicado pela inflação e vão pagar mais uma taxa de juros pré-definida no momento que se compra o título. E os pós-fixados que vão acompanhar a Selic, então se temos uma taxa Selic no patamar de 12,75% com tendência de chegar a 13%, você vai estar acompanhando essa taxa de juros alta”, completa Silva Júnior.
Foto: Agência Brasil