
Universo em expansão
Mesmo com juros altos e falta de mão de obra, setor imobiliário segue forte em Ribeirão Preto por conta da variedade de imóveis, do alto padrão ao popular
Jornalista por formação, Luan Amaral passou quase 15 anos em redações até tomar uma decisão radical: pediu demissão e, aos 33 anos, voltou a ser estagiário, agora em uma grande construtora de Ribeirão Preto. A virada começou com a realização de um sonho pessoal. “Comprei meu primeiro apartamento e senti uma satisfação especial. Foi aí que percebi que queria entender mais sobre esse universo”, conta ele.
A transição de Luan é sintomática de um fenômeno que Ribeirão Preto vive a pleno vapor: o dinamismo de seu mercado imobiliário brasileiro. De acordo com dados consolidados por incorporadoras e entidades do setor, a cidade ultrapassou a marca de R$ 1,4 bilhão em lançamentos no segundo semestre de 2024. Crescimento de 67% em relação ao mesmo período do ano anterior, que atrai investidores, novos moradores e, no caso de Luan, profissionais em busca de novos rumos.
Os números devem continuar positivos no primeiro semestre deste ano. Segundo Luiz França, presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), o crescimento também foi impulsionado pelo programa Minha Casa Minha Vida, do Governo Federal, que respondeu por 56% das unidades lançadas, seguido pelos segmentos standard (21%) e estúdios (13%), indicando o apelo da cidade também para o público investidor. “A velocidade de vendas no interior paulista supera a média nacional, com intenção de compra 13% superior à observada em outras regiões do Brasil. Notamos um bônus demográfico, com crescimento de 24% na faixa etária entre 35 e 40 anos, idades em que as pessoas mais compram imóveis", explica França.
Apesar da pujança, o mercado de Ribeirão não foge de problemas encarados pelo setor em todo o país: as taxas de juros ainda elevadas, a burocracia nos licenciamentos, a escassez de mão de obra qualificada e o custo elevado dos insumos da construção. O Plano Diretor de Ribeirão Preto – espécie de “manual de instruções” para organizar o espaço urbano de forma equilibrada e planejada – também é considerado distante do praticado pelo poder público. "A volatilidade dos preços dos materiais e a lentidão nos processos de licenciamento podem comprometer cronogramas e elevar os custos. É preciso inovação para manter a competitividade e entregar projetos com qualidade", acrescenta João Carlos Moreira Filho, sócio-diretor de uma das maiores construtoras de Ribeirão Preto.
Por uma semana, nossa reportagem solicitou, à Prefeitura de Ribeirão Preto, números oficiais sobre empreendimentos autorizados na cidade ou solicitações consolidadas, nos três primeiros meses de 2025, mas não obteve retorno a tempo.
Uma cidade, muitos mercados
Ribeirão Preto é, nas palavras de José Batista Ferreira, presidente da Associação das Incorporadoras, Loteadoras e Construtoras (Assilcon), “uma cidade cosmopolita com uma pluralidade econômica”. Com forte presença nos setores de comércio, serviços, saúde, educação e agronegócio, a cidade consegue sustentar uma demanda imobiliária constante, especialmente nos segmentos de médio e alto padrões.
Carlos Bianconi, CEO de outra grande construtora, confirma essa vocação: “O mercado imobiliário de Ribeirão Preto vive um momento extremamente positivo e promissor. Ribeirão foi, inclusive, a cidade do interior paulista com o maior volume de lançamentos no segundo semestre de 2024 — 3.473 unidades, o que representa uma alta impressionante de 113%”, diz. Segundo ele, o segredo está na “solidez econômica, no crescimento urbano planejado e em um consumidor cada vez mais atento à qualidade dos produtos ofertados”.
Essa diversidade se traduz em lançamentos que vão de vilas italianas privativas a condomínios em meio a matas preservadas. “É um momento ímpar para aquisição de imóvel na planta”, afirma Hilton Hugo Fabbri, presidente de uma grande incorporadora que está lançando um empreendimento com o conceito de clube residencial de alto padrão, na zona Sul. Seu Valor Geral de Vendas (VGV) – indicador do mercado imobiliário que estima quanto dinheiro será movimentado com a venda das unidades de um empreendimento – estimado é de R$ 130 milhões e as unidades devem ser entregues com depósitos privativos e estrutura para carros elétricos.
O nível de sustentabilidade da obra também tem sido cada vez mais protagonista na hora da escolha de um imóvel. Certificados como o ISO 14.001 e Azul da Caixa são espécies de selos de qualidade no mercado. "Hoje, os clientes não querem apenas um imóvel bonito. Eles buscam qualidade de vida, eficiência energética e consciência ambiental. Isso agrega valor e influencia diretamente na decisão de compra", destaca João Carlos Moreira Filho.
Fatores determinantes
Outro conceito que promete atrair investimentos robustos em uma das áreas mais valorizadas de Ribeirão Preto é o chamado “quiet luxury” (“luxo silencioso” ou “luxo discreto” na tradução), empreendimentos de altíssimo padrão com assinatura de profissionais renomados e reconhecidos mundialmente, como Burle Marx ou o escritório Königsberger Vannucchi. “Esse cliente sempre terá um ganho exponencial mais à frente, motivado pela localização privilegiada, qualidade construtiva e soluções sustentáveis”, pontua Bianconi. Segundo ele, a tendência, no andar mais alto da pirâmide social, valoriza a qualidade dos materiais, o design refinado e uma elegância sem ostentação. Em vez de logomarcas e extravagâncias, a ideia é “valorizar a arquitetura autoral, os acabamentos de excelência e a experiência de moradia que privilegia o conforto e o estilo de vida refinado, porém sutil”, reforça Andy Chen, diretor comercial de um empreendimento de casas na zona Sul que tem o conceito como chamariz.
Fabiana Orsini Souza, diretora de marketing de outra grande construtora, destaca a importância da inteligência de mercado. “Apesar de um cenário macroeconômico desafiador, o que tem impulsionado o sucesso dos últimos lançamentos é o foco em inteligência de dados e na escolha de áreas estratégicas. Vamos lançar um empreendimento com mais de 400 unidades no bairro Olhos d’Água, com conceito de resort”, antecipa.
O movimento de investidores em direção a empreendimentos também não sai de moda por aqui. "Há diferentes tipos de investidores. Dos que entendem que o mercado imobiliário é uma área mais segura até aqueles que apostam na valorização de determinada região ou bairro", explica o consultor econômico José Rita Moreira.
O empresário Alexandre Almeida da Silveira, que tem negócios consolidados no setor de supermercados de Matão, integra este movimento. Há cinco anos, ele decidiu ampliar seu olhar para o mercado imobiliário de Ribeirão Preto, onde encontrou não só boas oportunidades, mas um atendimento que fez toda a diferença em sua experiência de compra. “Foi quando eu conheci a Sara, minha corretora de imóveis. Estabelecemos uma comunicação depois disso. Ela mudou de empresa e começou a trabalhar nesse condomínio de apartamentos na avenida João Fiusa. Eu adoro essa região e gostei do projeto desde o lançamento”, conta.
A combinação entre localização privilegiada, projeto arquitetônico atraente e confiança no relacionamento com a corretora resultou na aquisição de uma cobertura ainda na planta. “Ribeirão é uma grande cidade para investir e tem ótima possibilidade de qualidade de vida. A princípio esse novo apartamento é para investimento, mas não descarto morar no futuro”, afirma Alexandre.
Para a gerente comercial Raquel Pagano, o perfil dos compradores também mudou. “Vejo um cliente mais exigente, conservador e bem-informado. O trabalho com o investidor é completamente diferente do trabalho com o consumidor final”, avalia ela.
Pressões e perspectivas
Enquanto isso, construtoras locais enfrentam um desafio duplo: manter qualidade em meio à escassez de profissionais qualificados e driblar as oscilações de insumos. E o cenário macroeconômico ainda impõe desafios concretos, especialmente no que diz respeito à obtenção de crédito. A taxa Selic, embora em trajetória de queda, segue alta. “Isso impõe restrições ao crédito e afeta diretamente o poder de compra da população”, analisa José Rita. “A inflação, acima da meta, também pressiona o custo dos insumos da construção civil e corrói a renda das famílias”, completa.
Com pouco mais de dois meses atuando como corretor imobiliário, Luan – aquele mesmo que deixou o jornalismo pelo mercado imobiliário – reforça que, além da taxa de juros, outro grande desafio para quem está iniciando na área é a construção de relações sólidas com possíveis clientes. “Atuo com imóveis de médio e alto padrão. Os clientes não são necessariamente os mesmos que faziam parte da minha bolha social, então esse networking é um desafio para quem está começando”, diz.
Antonio Marcos Melo, diretor do Conselho Regional de Corretores de Imóveis de São Paulo (Creci-SP), traça um panorama geral do setor. “O mercado de locação está em alta, mas o de vendas enfrenta dificuldades, consequência direta das altas taxas de juros praticadas pelos bancos e das exigências para liberação de crédito. Esse é um posicionamento do mercado como um todo, não somente em Ribeirão Preto”, explica.
Segundo Melo, é preciso criar estratégias para impulsionar o mercado de venda. “A Zona Sul, como sempre, continua sendo a mais valorizada e procurada — bom comércio, lazer, acessibilidade. O empreendedor prefere verticalizar, pois tem melhor resultado em termos de VGV”, diz. Mesmo assim, ele destaca um ponto importante: “Ribeirão está entre os cinco municípios com metro quadrado mais barato do Estado de São Paulo, o que é um diferencial competitivo importante”.
A valorização dos bairros da Zona Sul não é coincidência. Luiz Felipe Pereira, gerente geral de um centro de compras, afirma que o shopping contribuiu diretamente para essa transformação. “Investimos continuamente na modernização do entorno e contribuímos para o desenvolvimento da região Sul. Hoje, temos torres empresariais com 100% de ocupação e mais de 200 operações. A cidade evolui junto com o empreendimento”, afirma.
Basta dar uma volta pela região do parque Olhos d’Água para entender a expansão. São inúmeros prédios e máquinas trabalhando na região que vai do Anel Viário Sul até o Distrito de Bonfim Paulista. “Percebemos o interesse nessa região devido à excelente infraestrutura, segurança, áreas verdes e proximidade com centros comerciais e de lazer. Além disso, a valorização imobiliária constante torna esses bairros ideais tanto para moradia quanto para investimento”, explica Moreira Filho, que está lançando um condomínio de apartamentos com 166 m² ao lado do parque.
Espaços em disputa
Apesar da expansão, especialistas são unânimes ao apontar que o desenvolvimento precisa ser planejado. “É preciso revisar a legislação urbana, atualizar o plano diretor, de ocupação de solo”, alerta Raquel Pagano. José Batista Ferreira vai além: “É essencial ocupar os espaços urbanos vazios [grandes áreas desocupadas dentro da cidade]. Isso é o que pode tornar a cidade mais sustentável”.
A cidade também começa a olhar com mais atenção para a zona Leste, considerada por muitos como a “nova fronteira” do crescimento urbano. “Vejo claramente essa migração do centro para condomínios fechados em lugares mais tranquilos e seguros”, afirma Raquel. José Batista destaca a avenida Henry Nestlé como grande corredor para novos empreendimentos.
O desafio do planejamento inclui sustentabilidade. Novos empreendimentos já destacam a geração de energia por placas fotovoltaicas e reaproveitamento de água como aposta para atrair clientes. “Um dos nossos pilares é a responsabilidade ambiental. Estamos investindo constantemente em novas tecnologias e soluções que se conectem com as necessidades do estilo de vida contemporâneo”, diz Fabbri. Segundo o executivo, para quem busca investimento, a aposta está nos imóveis na planta. “O comprador pagará a parcela de chaves entre 36 e 42 meses à frente, já em outro momento de juros”, explica.
José Rita Moreira é otimista. “Se o Brasil conseguir equilibrar sua política monetária e avançar em reformas estruturantes, cidades como Ribeirão Preto continuarão sendo protagonistas do crescimento imobiliário. A janela de oportunidades permanece aberta, mas exige visão estratégica e atuação responsável”, prevê.
Mudança
História inspiradora na área é a do empresário Wesley Campos de Souza Mendes. Com 28 anos, ele já construiu uma trajetória em vendas e atendimento ao cliente. Iniciou vendendo carros. “Eu estava vivendo uma fase de muita insatisfação. Sentia que meus ganhos não acompanhavam o meu esforço. Um dia, atendi um dos sócios de uma grande construtora de Ribeirão Preto. Ele me disse: ‘Você tem um perfil que daria muito certo no mercado imobiliário’. Aquilo ecoou em mim. Entrei nesse mercado com o coração aberto e me encantei com cada detalhe, as histórias, os sonhos das pessoas”, conta.
A transição não foi simples. “Minha maior dificuldade foi me adaptar aos atendimentos. No mercado imobiliário, lidamos com sonhos e objetivos. É uma mudança de abordagem que exige empatia, escuta ativa e uma nova forma de conduzir a conversa com o cliente”, acrescenta. Hoje, Wesley é sócio de uma imobiliária e também investe em imóveis. Em sua opinião, “poucos investimentos oferecem a combinação de segurança, rentabilidade e previsibilidade que o mercado imobiliário proporciona”.
Ele também destaca o avanço da valorização imobiliária na cidade. “Quando entrei nesse mercado, no final de 2022, negociei imóveis com valor do metro quadrado inferior a R$ 9 mil. Hoje, já estamos vendo lançamentos que ultrapassam R$ 12 mil por metro quadrado. Acredito fortemente no potencial de crescimento nos próximos anos”, declara.
Minha Casa Minha Vida
Luiz França aposta que a criação da Faixa 4 no programa Minha Casa Minha Vida – destinada à classe média com renda de até R$ 12 mil – deve impulsionar o mercado de moradias populares ainda neste ano. "Essa nova modalidade permitirá financiamentos de imóveis com valor de até R$ 500 mil, com taxa de juros de 10% ao ano e prazos de até 420 meses, com um orçamento previsto de R$ 30 bilhões, metade proveniente do FGTS e metade de fontes privadas", explica.
Isso deve ser potencializado por dois novos projetos voltados ao público de baixa renda, a serem lançados no segundo semestre, na zona Leste da cidade. Victor Almeida, presidente executivo do Conselho de Administração da construtora responsável pelos empreendimentos, conta que os loteamentos estão em fase final de legalização. “Temos uma história de sucesso com o mercado imobiliário de Ribeirão, pois o maior empreendimento já comercializado e construído nos nossos 34 anos de atuação foi o Cristo Redentor, com aproximadamente 7 mil moradias, o que demonstra a expressividade do setor”, explica.
Dados da Abrainc apontam que metade das unidades residenciais comercializadas em 2024, em Ribeirão Preto, foram do segmento econômico. O perfil do comprador também está bem delineado. São famílias com renda mensal de até R$ 4.700, atendidas pelas faixas 1 e 2 do programa Minha Casa, Minha Vida FGTS. "Esse cliente está em busca do primeiro imóvel, com um financiamento que caiba no seu orçamento familiar e proporcione estabilidade a seus familiares", diz Almeida. São casas térreas com dois dormitórios, sala, cozinha e possibilidade de ampliação. “Como nossos empreendimentos estão localizados em bairros cuja urbanização é planejada e construída pela empresa, buscamos também o perfil do investidor à procura de áreas com rentabilidade para o desenvolvimento de estruturas comerciais, de serviços e até indústrias”, acrescenta.
Foto: Pixabay (foto ilustrativa)