
Entrevista com Fernanda Bonella Mazzei Abreu
Especialista em Direito Previdenciário fala sobre a crise no INSS, os golpes que afetam os aposentados e a dificuldade de garantir ressarcimentos
Com quase 11 anos de atuação no escritório Brasil Salomão e Matthes, a advogada Fernanda Bonella Mazzei Abreu se destaca entre as mais admiradas do país, segundo o ranking Análise Advocacia Mulher 2025. Reconhecida por sua atuação na área previdenciária, ela já soma premiações em edições anteriores do anuário, reflexo de sua trajetória técnica sólida e da confiança de clientes e parceiros. Formada pelo Uniseb e com especializações em Direito Previdenciário, Tributário e Militar, Fernanda foi convidada para esta entrevista em razão de sua experiência na área e para comentar o recente escândalo envolvendo descontos indevidos em benefícios do INSS.
O que a levou a trabalhar com Direito Previdenciário?
Meu interesse pela área surgiu na época do meu primeiro estágio, que fiz na Justiça Federal, aqui em Ribeirão Preto. A maioria dos processos na vara em que eu estagiava eram de Direito Previdenciário. Então comecei a ter interesse pelo assunto. Eu via que muitos aposentados iam até o balcão da Justiça procurando informações, querendo saber mais sobre seus processos. Via pessoas realmente perdidas, porque os profissionais que as atendiam em seus processos não os explicavam corretamente, e elas só queriam entender. Como estagiária, eu via os andamentos [de seus processos] e os ajudava. Tinha alguns que voltavam com uma caixinha de chocolate, uma balinha e uma palavra de agradecimento. Então, a gente vê que faz diferença dar um atendimento mais humanizado nessa área do Direito, em que a maioria dos interessados são pessoas mais simples, com menor instrução e normalmente mais velhas. Meu objetivo como advogada tornou-se traduzir o Direito de uma forma mais fácil aos meus clientes, saindo do juridiquês. Busco não usar as palavras difíceis que a gente usa no dia a dia do escritório, mas explicar de forma mais prática, dando exemplos. Também vejo a necessidade deles terem um acolhimento e entenderem realmente o que está acontecendo com seus processos.
Com quais tipos de demandas do Direito Previdenciário a sra. atua?
Atendo pessoas físicas, mas tenho uma atuação também muito voltada ao Direito Previdenciário Empresarial. Ajudo as empresas no que a gente chama de Gestão de Afastados – colaboradores que se afasta por motivos de saúde e recebe um auxílio do INSS. No atendimento a pessoas físicas, as únicas coisas que nós não atendemos no escritório são casos de Auxílio Reclusão e o BPC-Loas [Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social]. De resto, requeremos todos os tipos de aposentadoria: pensões por morte, benefícios por incapacidade, revisões, planejamentos previdenciários, tudo isso.
A informatização do sistema facilitou e acelerou o trânsito de informações entre o INSS e os cidadãos, mas também abriu brechas para novos e mais variados golpes contra aposentados. Qual sua avaliação acerca da segurança do sistema disponibilizado ao usuário atualmente?
Eu acho que é um sistema falho. Eles vêm melhorando a segurança, mas acho que ainda falta. Eles até estão melhorando a forma de você recuperar senhas, cada vez mais pedindo reconhecimento facial ou identificação por meio da conta bancária, mas antes era muito fácil conseguir entrar na conta de alguém dentro do [aplicativo] Meu INSS. A gente conseguia consultar até os resultados de perícias médicas. Eu jogava em um programa do INSS o nome e o CPF da pessoa e me aparecia todos os agendamentos dela. Jogava no outro site, via número do requerimento e o resultado. Então, era uma segurança bem falha, mas tem melhorado. Só que, infelizmente, existe quem está dentro do sistema se aproveitando do acesso a informações privilegiadas.
Comente o caso recente das fraudes relativas a descontos não-autorizados das contas de milhões de aposentados, denunciadas pela Polícia Federal.
Então, é complicado. Existe um histórico. Mensalmente, os aposentados sofrem desconto de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), que é normal, todo mundo sabe. Em virtude disso, às vezes o aposentado não desconfia que está recebendo menos do que deveria, porque acha que é esse desconto legal. Muitos esquecem – ou não sabem ainda – que todo mês podem fazer uma consulta ao seu extrato de pagamentos pelo sistema do Meu INSS, para ver o discriminativo do que compõe e do que está deixando de compor o valor que ele está recebendo. Então vai passando o tempo com a pessoa achando que está tudo certo e não está. Tem que fazer esse acompanhamento mesmo! Porque, infelizmente tem gente até de dentro do INSS que quer prejudicar os outros.
A senhora vê perspectiva de os aposentados lesados em tal golpe serem ressarcidos? Já tem clientes a procurando para isso?
Vejo e não vejo. Vou te explicar a situação. Antes mesmo dessa bomba da corrupção dentro do INSS estourar, já existiam muitos processos referentes a este assunto tramitando na Justiça. Muitos aposentados me procuravam relatando descontos que não autorizaram, e nesses casos entrávamos com ações contra as associações responsáveis, pedindo devolução em dobro — como prevê o Código do Consumidor — e também indenização por danos morais. Até agora, esses pedidos vinham sendo aceitos. Ainda não protocolei nenhuma nova ação após a revelação do escândalo, mas o caminho continua sendo esse. A grande questão é se essas associações terão recursos para devolver o dinheiro e qual será o posicionamento da Justiça e da AGU, que também está estudando o caso.
De quanto tempo para cá começaram a entrar com ações contra esses descontos?
De uns três anos atrás para cá já tinha com processos pedindo esse tipo de reembolso. Os descontos, geralmente, variam entre a casa dos R$ 40 e R$ 80 reais, mas descontados todo mês, por longos períodos, viram valores grandes.
De onde a senhora acredita que vão sair os recursos para todos os reembolsos?
Teria que sair das contas das entidades mesmo, mas a gente ainda não sabe qual vai ser a posição do governo sobre essa questão, pois ainda não se manifestaram sobre se vão entrar com alguma indenização. Diante do que aconteceu, precisamos estudar e verificar se, ao entrar com as ações, é interessante colocar o INSS na mira também, porque ficou claro que foi um esquema de corrupção dentro da própria autarquia.
Existem muitos outros tipos de golpes de que aposentados são vítimas no país. Quais são os “campeões” de ocorrência, segundo sua observação?
O do empréstimo consignado. Pelos golpistas terem acesso a informações privilegiadas, quando a pessoa se aposenta, recebe uma ligação atrás da outra oferecendo empréstimo. Os clientes não têm um minuto de paz. Às vezes, eu mesma nem estou sabendo que meu cliente teve o benefício concedido, porque o sistema ainda não foi atualizado com a informação, e ele já está recebendo as ligações. Então, é gente de dentro fazendo uma transmissão de dados que não deveria acontecer. Aí tem também os históricos de empréstimos consignados falsos, né? Pessoas que sequer foram contatadas sofrem desconto todo mês no valor de sua aposentadoria e nem sabe. Aí você vai ver, fizeram um contrato com assinatura falsificada da vítima.
A senhora tem uma estimativa de que percentual das ações pedindo reversão de empréstimos consignado têm sentenças favoráveis ao cliente?
Até o momento, todas as que ingressei foram favoráveis. Porque a gente demonstra o caso de forma incontestável. Aplicamos também o Código de Defesa do Consumidor, que prevê, nesses casos, a inversão do ônus da prova [normalmente cabe ao denunciante provar sua acusação, mas na inversão esse ônus cabe ao acusado]. Nesses casos, as defesas dos acusados juntam os contratos falsos, mas a gente compara as assinaturas e, se preciso, pede perícia grafotécnica. A gente já consegue comprovar ali a fraude.