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“Meu orientador do doutorado dizia que ‘atleta bom até treino ruim revela’, e é verdade!”, comenta Puggina

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À véspera do Dia do Profissional de Educação Física, o mestre e doutor na área Enrico Fuini Puggina fala sobre o desempenho do Brasil nos Jogos de Paris e o novo ciclo olímpico

A frase feita “o esporte o escolheu” se encaixa bem à história do encontro do professor doutor em Educação Física Enrico Fuini Puggina com o esporte, na infância passada na pequena Itapira – cidade do interior de São Paulo a 200 km de Ribeirão Preto. O menino que adorava as aulas de Educação Física venceu sua primeira competição de natação aos 8 anos, sem nenhum treinamento prévio. Pouco tempo depois, recebeu medalhas das mãos de João Carlos de Oliveira, o João do Pulo – medalhista de salto em distância nos Jogos Olímpicos de Montreal (1976) e de Moscou (1980) – por vencer provas de velocidade e de salto em distância em uma competição de atletismo. Também sem nunca ter treinado seriamente. Foi começar mesmo depois, aos 9, integrando a equipe de Atletismo de sua cidade, e não parou até chegar à faculdade de Educação Física, na Unicamp (Campinas). Por volta de 23 anos, porém, sofreu uma lesão séria no joelho, ao mesmo tempo que os estudos começaram a lhe exigir mais. “Acabei me distanciando aos poucos da posição de atleta e virando a chave para a de técnico”, lembra.

 

Como técnico, Puggina acabou fundando a equipe de Atletismo da Unicamp, em 1995, que permaneceu sob seu comando por quatro anos, enquanto concluía sua graduação em Educação Física (1998). Ao final da faculdade, tornou-se técnico de futebol profissional, de triatletas de alto nível, atletas de maratona e até de natação. Paralelamente, fez pós em Fisiologia do Exercício na Unifesp (1999), mestrado-sanduíche entre a Unimep (Piracicaba) e a Uniformed Services University of the Health Sciences, de Bethesda (Maryland – EUA, em 2004) e doutorado pela Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto da USP (2016).

À medida que foi recebendo propostas para ser professor universitário, outra chave foi virando, desta vez para a vida acadêmica. “Não era algo que eu esperava. Queria ser técnico, até pela minha história, mas me descobri dando aula. Hoje adoro lecionar e pesquisar sobre o esporte, que é o que faço muito”, afirma Enrico, aos 48 anos e hoje atuando como professor associado da EEFERP-SP.

 

Na véspera do Dia do Profissional de Educação Física, ele concordou em falar sobre Jogos Olímpicos e o que esperar do ciclo que se inicia para Los Angeles 2028.

 

Você é daqueles que acompanha todos os Jogos Olímpicos?

Acompanho tudo de esporte olímpico. O que dá para acompanhar, eu acompanho. Do tiro com arco até a vela. Claro que tenho uma predileção pelo Atletismo, mas assisto tudo o que dá. Os Jogos Olímpicos são um período quase de enclausuramento para mim. Casa com o recesso dos alunos. Então tenho um pouco mais de flexibilidade e dá para acompanhar mais. Mas minha esposa entende. E eu contamino meus filhos. Na minha opinião viciada (risos) só vem coisa boa do esporte.

 

Pessoalmente, o que achou do desempenho dos atletas brasileiros nos Jogos de Paris?

Se nós olharmos para o quadro geral, o desempenho do Brasil em Jogos Olímpicos costuma ser muito bom. Existe uma relação muito forte entre Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e quadro de medalhas olímpico. Talvez a China venha a ser uma exceção porque existem essas discrepâncias sociais muito fortes lá, mas ser uma potência olímpica combina muito com outros fatores sociais [bem desenvolvidos], como educação, saúde, economia, renda. Para você ter uma ideia, os Estados Unidos, que têm IDH de 0,902 [o índice é melhor quanto mais próximo de 1], é o vencedor do quadro de medalhas. Ao passo que o Brasil tem IDH de 0,758. É o 89º país com melhor IDH do mundo e ficou em 19º no quadro de medalhas. Então, se comparar um índice com o outro, nosso país está relativamente bem. Ainda assim, acho que, em grande medida, o desempenho que tivemos nas duas últimas edições pós-Rio 2016 (Japão e França), ainda é muito fruto do investimento que foi feito para as Olimpíadas do Rio de Janeiro. Investimento em infraestrutura, em formação de atletas. Lembro de comentar com minha esposa que quando começaram a divulgar as iniciativas de formação de atletas para a Rio 2016 eu falei que era tarde e não dava mais tempo.

 

Por quê?

Hoje, para formar um atleta de alto nível, estima-se uma carga de trabalho de 10 a 12 mil horas ininterruptas. Isso só de carga de treino, sem levar em conta as outras variáveis e sem garantias de que ele vá se tornar um atleta de alto nível. Assim, naquele interstício de ganhar como país sede dos Jogos Olímpicos e ter atletas, não ia mesmo dar tempo. Então, o Brasil competiu em 2016 com quem tinha em Londres, em 2012. Acho que aquele investimento que, em tese era para o Rio, acabou aparecendo mais em Tóquio. Até mais que em Paris porque, afinal de contas, agora a gente começa a ver um pouco do “desinvestimento” em esporte. Passou a Rio 2016, o pessoal desligou a chave e passou a andar quase que inercialmente. Então, acho que agora a gente sofre um pouco essa ausência de renovação, de estímulo, de praça esportiva, de formação, de oportunização mesmo. Pode ser que eu esteja muito errado, mas penso que nosso desempenho nos próximos Jogos Olímpicos (EUA, 2028) deve ser pior que esse de Paris. Porque quando a gente olha para o horizonte, não vê renovação. Por exemplo: a ginástica, que é uma modalidade muito em evidência por conta da Rebecca e da Flávia, não tem, hoje, atletas que sejam capazes de substituí-las no futuro, vamos dizer assim. Então, o desempenho do Brasil nos Jogos Olímpicos de Paris, a considerar o IDH nacional e as nossas condições de prática, foi um muito bom. Mas na medida do tempo, se as coisas não se reverterem – tomara que eu esteja errado! –, não vejo com bons olhos nosso desempenho nos Jogos Olímpicos dos Estados Unidos. Corre-se o risco de ter um desempenho pior.

 

Há esportes ou atletas dos quais você esperava mais do que foi entregue nessas últimas Olimpíadas?

Tem, sim. O Hugo Calderano, do Tênis de mesa, eu esperava que trouxesse medalha. O Alison dos Santos fez um desempenho fabuloso no Atletismo, nos 400m com barreira, mas eu esperava ouro ou prata dele [ficou com o bronze]. Tem um menino aqui de Ribeirão Preto, o Fernando Ferreira, do Salto em Altura, que eu esperava que trouxesse alguma coisa e acabou não vindo. Assim, de posicionamento, não de medalhas. E tem um Luiz Gomes, do Dardo, que fez uma marca fabulosa antes dos Jogos. Lá, ele acabou repetindo essa marca, só que o pessoal desempenhou muito e foi difícil vencer a pista em Paris, que parecia estar muito rápida e isso favoreceu os outros. Mas no geral, eu diria que eu esperava que viesse alguma coisa da Natação, que sempre traz e infelizmente não veio. A Maratona Aquática a gente sempre tem alguma coisa vindo, mas também não veio. O Judô, achei que trouxe menos do que poderia. E também fiquei um pouco desapontado com o Vôlei de quadra e de praia. O feminino de quadra, não, porque aquela semifinal contra os Estados Unidos acho que foi um dos melhores jogos de vôlei que assisti na vida. Um espetáculo aquele jogo! Para mim, aquilo foi a final. Então, não há o que falar das meninas do vôlei. Mas eu esperava do Vôlei de quadra masculino, que também sempre traz alguma coisa. São as modalidades que eu esperava mais. Na Vela, quem trazia medalhas era o Robert Scheidt, que parou, e a filha do Torben Grael. O Hipismo também sempre trazia medalhas e dessa vez não trouxe nada.

 

Quais o surpreenderam positivamente?

Aquela menina peso pesado do Judô, a Beatriz Souza, foi fabulosa! Confesso que a Rebecca me surpreendeu no individual geral. Foi prata, perdendo só da Simone Biles, que é uma coisa do outro mundo! Outro dia minha esposa falou: “nossa, que azar da Rebecca pegar justo o período em que a Simone Biles aparece”. E falei que foi muito pelo contrário. Foi a maior bênção que aconteceu para ela. O atleta precisa dessa oposição. É uma pena que a Simone Biles seja uma força sobrenatural, Tipo o Usain Bolt nos 100m – era um cara imbatível! Por outro lado, se você pegar o 8º lugar dos 100m em Paris, o atleta fez a marca 9’91’’. O Carl Lewis, quando ganhou ouro nas Olimpíadas de 1988, fez 9’92’’. Ou seja, Carl Lewis ficaria em 9º lugar em Paris. Então, quando esses caras aparecem, uma Rebecca, um Bolt, eles elevam o nível do esporte, eles mobilizam os adversários de uma forma que aumenta muito a qualidade do espetáculo. Eu diria que eles são necessários para a evolução do esporte. Infelizmente, quando os grandes nomes começam a parar, parece que o desempenho começa a ir junto. Mas eles não são eternos.

 

Acha que o ciclo olímpico menor impactou mais o Brasil do que outros países? Por quê?

Acho que não. Se houve algum erro foi de gestão mesmo, e não estratégico. Porque o calendário esportivo é o mesmo para todo o mundo. As classificatórias acontecem para todo mundo, as competições de obtenção de índice acontecem para todo mundo. Então não acho que o período de três anos seja pequeno para se preparar. Pelo contrário. Uma coisa que cada vez mais está acontecendo é que, de uns tempos para cá, a gente vive um período que chama mercantilização do esporte, que é boa se você pensar na profissionalização. Os atletas se tornaram profissionais. Eles trabalham. Treinar e competir é o trabalho deles. Só que, para isso, eles recebem alguns suportes que vêm por meio de patrocínio. E o patrocínio aparece quando o atleta é exposto. Para se expor o atleta precisa competir, precisa fazer propaganda na televisão, precisa aparecer em veículo de comunicação e tal. Um efeito negativo disso é o calendário mais congestionado. Eles competem cada vez mais. Isso é bom para a marca e para os negócios. Mas para o atleta trouxe um problema de preparação, porque ele tem que estar em alto desempenho o ano todo. Mas eu diria que a Ciência do Esporte tem conseguido reverter isso. Hoje, com tecnologia e conhecimento, a gente conhece quais são as estratégias de recuperação que permitem ao atleta estar mais pronto, quais suplementos alimentares que são de fato efetivos, quais estratégias ou construção de estratégias de treino são efetivas em função do tempo. Essas coisas foram melhorando em conjunto com o calendário. A série “Sprint”, da Netflix, mostra o calendário de competições dos caras do Atletismo até o Mundial de Budapeste de 2023. Poxa, estava encostado em Paris. A série mostra o Noah Lyles, norte-americano, que ganhou os 100m e ficou em 3º lugar nos 200m; mostra a Sha'Carri Richardson (norte-americana), que ficou em 2º lugar nos 100m; mostra a Gabrielle Thomas (norte-americana), que ganhou três medalhas de ouro. Eles estavam competindo em 2023 como se não houvesse amanhã. Então, não acho que foi apertado e os atletas profissionais vivem disso. Vivem para treinar e competir.

 

O que acha que deve mudar para o novo ciclo olímpico?

Acho que o esporte deve ser promovido não como uma forma de desenvolver talentos. Acho que buscar talentos é um dos últimos objetivos que se deve ter quando se fomenta a prática esportiva. Quando se oferece o esporte como ferramenta educacional ou quando se dá a oportunidade do esporte a uma criança, a um adolescente, se tem uma miríade de benefícios que vão desde o aprendizado de lidar com o próprio corpo, a melhora da saúde pela condição da prática esportiva, o saber viver em sociedade, saber lidar com vencer ou perder, saber trabalhar em grupo, respeitar o adversário, enfim, se tem uma quantidade de coisas que vêm à reboque do estímulo ao esporte e que, se simplesmente se fizer isso, o talento aparece. Em países organizados do ponto de vista esportivo, como Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, o índice de aparecimento de atletas que têm condições de competirem num campeonato mundial é de 1 a 3 por milhão. Então, comparando, os caras que aparecem aqui no Brasil são sobreviventes com as condições de prática que temos hoje. Infelizmente, nossas escolas foram desaparelhadas para o esporte, a Educação Física é obrigatória como conteúdo na Educação Básica, mas no período noturno não é. As praças esportivas e o tempo de prática delas, assim como o fomento de atividades esportivas extracurriculares nos contraturnos escolares, são muito humildes. Então, acho que é nessa direção que o investimento precisa ser feito. Acho que o esporte precisa estar presente na sociedade, na escola, como ferramenta de inclusão social, como indução da saúde da população e todos os valores intrínsecos a isso e não como uma forma de buscar o talento. Porque ele vai aparecer. Talento e medalhas são consequências. Meu orientador do Doutorado dizia que “atleta bom até treino ruim revela”, e é verdade!

 


“Acho que o esporte precisa estar presente na sociedade, na escola, como ferramenta de inclusão social, como indução da saúde da população e todos os valores intrínsecos a isso e não como uma forma de buscar o talento. Porque ele vai aparecer. Talento e medalhas são consequências”


 

O que é mais importante no planejamento do ciclo olímpico na relação entre atleta e treinador

A vida de um atleta chega a ser um tanto monótona porque toda a rotina é pensada em função das estratégias de treino e recuperação, e à garantia de que o atleta tenha acesso à melhor alimentação possível, adequada ao seu perfil. É importante dizer que isso nem sempre é uma alimentação saudável. Um atleta do Levantamento Olímpico, por exemplo, principalmente os pesados, acorda de madrugada para comer porque ele precisa da manutenção da massa corporal. No contexto do treino, eu diria que o que faz muita diferença nos últimos anos é uma variável que a gente chama de controle de carga. A carga é o produto de muitas variáveis: a intensidade, que é a maneira e o vigor que o atleta se esforça; o volume, que é a quantidade de esforço que ele realiza; e a densidade, que reflete o intervalo entre os estímulos. Esse controle do estímulo oferecido é muito importante. Hoje, temos estudado na universidade um tema que chamamos de “Dose Mínima de Treinamento”, que é aquela quantidade de treino suficiente para mobilizar a forma do atleta no nível que eu quero. Se eu encontrar a dose mínima, eu só treino o necessário e tenho mais tempo de recuperação. Então, nesse próximo período olímpico, além das garantias externas relativas a sono, alimentação, rotina, recuperação e tudo o mais, o controle da carga de treino é fundamental. E a gente sabe que a carga tem uma relação muito forte com desempenho. Então, garantir que a carga tenha qualidade é muito importante.

 

Todo treinador sabe desse tipo de estudo, geralmente feito dentro de universidades?

Tomara que sim, mas eu acho que não (risos). Infelizmente, a gente vive um movimento ruim no Brasil, onde o treinador nem sempre se aproxima do conhecimento científico. Existem alguns exemplos de treinadores que são professores universitários. Nos Jogos Panamericanos de Indianápolis, em 1987, quando o Brasil ganhou dos Estados Unidos no basquete, o técnico era o professor José Medalha e o preparador físico era o professor Vivaldi Barbanti. Os dois eram da Escola de Educação Física da USP de São Paulo. Então, existem alguns casos em que esse diálogo saudável acontece. Mas, infelizmente, no geral, por receios bilaterais, a interação entre teoria e prática, entre ciência e aplicação, nem sempre ocorre como deveria. Ao passo que a gente vê que os grandes atletas norte-americanos estão todos dentro da universidade. Ou seja, eles estão dentro do melhor ambiente de treinamento, do melhor ambiente de avaliação, no melhor ambiente para tudo. O cara que acompanha o maratonista queniano Eliud Kipchoge, que baixou a maratona de 2 horas – em Viena, em 2019, no Desafio INEOS –, é o Andrew Jones, um professor universitário inglês. Então, a gente vê que muitos casos de sucesso têm envolvimento do treinador mais a universidade, mais o conhecimento científico. Mas no Brasil isso ainda é bem tímido.

 

O sistema de descoberta de novos talentos do esporte nos EUA, que está arraigado no sistema educacional deles, funcionaria no Brasil?

Para algo parecido acontecer no Brasil precisaríamos ter equipamentos públicos muito modernos, muito disponíveis, localmente falando, ter uma política de indução à prática esportiva, não naquele contexto de formar talento, mas de oportunizar. Colocar uma pessoa que dê suporte a essas condições de prática, permitir que as crianças se envolvam e tenham os benefícios inerentes à prática esportiva. Isso [de aparecerem novos talentos] vai acontecer naturalmente. O que acontece nos Estados Unidos é que o esporte é valorizado desde muito cedo. A gente vê a estrutura de escolas todas muito bem equipadas de praças esportivas. Quando morei lá, minha casa era atrás de uma escola elementar, para crianças de 4 a 6 anos. E tinha quadras de tênis, campo de futebol, quadras de streetball, um campo de beisebol, uma piscina. E o curioso é que essas praças esportivas são abertas. Pertencem à escola, as crianças frequentam durante a semana, mas em horários em que não tem ninguém na escola, a comunidade frequenta e cuida dessa estrutura. É toda uma cultura de consciência de valorizar o equipamento público, de cuidar, de fazer bom uso. Então, acho que é todo um contexto social, o entorno, que favorece muito o esporte. Além disso, o esporte lá, de fato, muda a vida das pessoas. Aqui no Brasil a gente vê alguns casos esporádicos, mas lá a pessoa acessa uma universidade de altíssimo nível pelo esporte. A Gabrielle Thomas (Gabby Thomas), que ganhou três medalhas em Paris (200m, revezamento 4x100 e revezamento 4x400m) estuda em Harvard. Os jogadores de basquete, beisebol, futebol americano, passaram pela universidade. Eles têm uma formação. No Brasil, infelizmente, ainda lidamos com casos de quem quer investir no esporte ter que abandonar a escola ou se matricular em um contraturno - onde ele sabe que não vai haver muita aula ou que a exigência é pequena - para poder treinar.  É um horror porque quando essa pessoa, se amanhã não der certo no esporte ou se aposentar, vai fazer o quê da vida? E a maioria não dá. Os que dão muito certo vão ganhar muito dinheiro e acabar conseguindo viver sem precisar se envolver com mais nada. Mas muitos deles não têm formação para conseguir manter o patrimônio. Na minha opinião, isso é muito ausência de uma formação educacional de boa qualidade. Então, nossa diferença em relação aos Estados Unidos é esse estímulo à prática, à oportunidade, ter equipamento de qualidade dentro e fora da escola.

 

Falando sobre em nível local agora, como acha que Ribeirão Preto está em termos de políticas de incentivo ao esporte?

Vejo uma vontade de fomentar que esbarra fortemente em investimento. Acho que o esporte aqui não é acessível a todos porque a grande estrutura de prática esportiva em Ribeirão Preto é a Cava do Bosque, que é relativamente distante. Ribeirão não é mais uma cidade pequena. Tem mais de 700 mil habitantes. Eu moro em Bonfim Paulista e se eu tiver que levar minha filha na Cava, é uma viagem e isso é um fator limitante para mim. E eu gostaria que ela estivesse em uns projetos. Meus filhos praticam esportes porque nós incentivamos demais. Minha esposa e eu acreditamos muito no poder formador do esporte. Eles estão na natação, no judô, no vôlei. Eles têm os contraturnos lotados de atividades, mas isso tudo a um custo pessoal. A gente banca e sabe que não é todo mundo que tem condição de fazer isso e que, infelizmente, não é amplamente acessível. Mas vejo uma vontade política em Ribeirão, com atletas recebendo alguns benefícios, vale transporte e até outro tipo de auxílio, porém, ainda muito incipiente, pequeno, porque se você for ver, um atleta de nível mais alto começa a custar caro.

 


O que pouco se sabe sobre o esporte é que, hoje, ele é o fenômeno de massa que mais movimenta dinheiro no mundo, responsável por 10% do PIB mundial. Ele gera muita receita pra gente que ninguém vê. O esporte hoje, sozinho, é mais que qualquer commodity para a economia mundial.


 

Você vê alguns talentos locais já despontando em algumas modalidades por aqui?

A estrela da região hoje é o Alison dos Santos, que é de São Joaquim da Barra. Ele é novo, deve apresentar desempenho por mais alguns anos. Tem um menino que treinava com ele que parece que está indo muito também, vencendo torneios universitários e ligas. Tem o Pedrinho, da Natação, que é de Ribeirão e treinava com a equipe da N1. Ele foi para campeonato Sul-americano, tem acompanhamento nosso na USP, com o Marcelo Capote. Um menino que tem potencial. No mais, vejo com alguma dificuldade. Talvez no paralímpico tenha algumas pessoas. Tem a Mariana, do paraciclismo, que está em Paris. Ela é nova e deve ir para mais uma edição dos paralímpicos se mantiver o desempenho. Mas são poucos os nomes, infelizmente. Porém, se a gente parar para pensar, estamos numa cidade de 700 mil habitantes e, portanto, estamos quebrando a regra dos poucos por milhão (risos).

 

Fale um pouco sobre a parceria da EEFERP com a Prefeitura para treinamento da equipe de ginástica.

Temos uma parceria ativa com a Prefeitura com as atletas da ginástica. As meninas têm ido treinar na USP. Nosso parque de equipamentos da ginástica é muito bom, nossa professora é a Myriam Nunomura, referência nacional e internacional na área e ex-atleta de ginástica. Os treinos têm acontecido regularmente. Teve uma interrupção ano passado por questões burocráticas, mas foi retomado e está acontecendo. Importante dizer que a gente tem uma parceira com a Secretaria Municipal de Esportes para absolutamente tudo. Nossa interação com o secretário Erik Bueno de Ávila é muito profícua. Sempre que necessário, ele mobiliza o pessoal da Educação Física para assessoria, consultoria, opinião, auxílio em alguma eventualidade. Essa aproximação é muito legal. Há pouco tempo ele nos convidou para uma reunião na Secretaria de Esportes, com todas as faculdades de Educação Física de Ribeirão Preto. Então, vejo vontade política nele. E as coisas têm acontecido na medida do possível. Às vezes, algumas provas acontecem no Campus da USP, como os Jogos da Juventude, realizados recentemente.

 

Para além do orgulho patriótico, que outras grandes contribuições o esporte, de uma forma geral, traz para qualquer país em sua opinião?

Porque se fala em orgulho patriótico e nas grandes contribuições que o esporte traz? Primeiro porque o que fica mais evidente é o estímulo à prática esportiva, e isso tem uma relação muito forte com a saúde, com evitar doenças que são cada vez mais pressentes na sociedade e que, por meio do exercício físico – tido como meio não medicamentoso para sanar muitos problemas –, poderiam se resolver. E segundo porque tem a educação social inerente ao esporte, que vem junto à questão do trabalhar em equipe, saber lidar com a frustração, saber lidar com a própria alegria sem ser desrespeitoso, saber respeitar regras, ter noção de hierarquia. Isso tudo é muito dito e muito conhecido. O que pouco se sabe sobre o esporte é que, hoje, ele é o fenômeno de massa que mais movimenta dinheiro no mundo, responsável por 10% do PIB mundial. Ele gera muita receita pra gente que ninguém vê. O esporte hoje, sozinho, é mais que qualquer commodity para a economia mundial. Um fenômeno que movimenta muito recurso, muito conhecimento. Se você pegar o que a gente alcançou em termos de Ciência de Exercício, hoje a gente tem condição de pegar um atleta fatigado, colocar uma touca de eletrodos nele, dar um estímulo no seu córtex motor e restaurar a função motora dele. O que a gente descobriu por meio do esporte, como monitorar alguns indicadores de funções muscular, cardiovascular e respiratória, é uma enormidade muito difícil de quantificar.


Luan Porto

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