Machismo no futebol: veja como mulheres da região driblam as desigualdades
Apesar da garra e do talento, o retorno que elas recebem é muito menor em comparação ao dos homens

Machismo no futebol: veja como mulheres da região driblam as desigualdades

Em um ambiente predominantemente masculino, elas enfrentam as adversidades em busca de espaço, reconhecimento e igualdade

Em solo considerado como “a terra do futebol”, a desigualdade de gênero, a baixa representatividade, o preconceito, o machismo e a falta de investimento assombram a carreira das mulheres que lutam por espaço e reconhecimento neste esporte. Apesar da garra e do talento, o retorno que elas recebem é muito menor se comparado ao dos homens.

Um exemplo claro desse desiquilíbrio é a história de Marta Vieira da Silva, atacante da seleção brasileira e considerada a melhor jogadora de futebol feminino de todos os tempos. Hoje em dia, é difícil alguém que já não tenha ouvido falar deste nome, mas são poucos os que tomam seu tempo para acompanhar a trajetória e as conquistas de uma mulher no futebol.

Além de melhor jogadora, Marta também é a maior pontuadora da Copa do Mundo Feminina da FIFA, foi nomeada Jogadora do Ano cinco vezes consecutivas, é membro das seleções brasileiras que conquistaram a medalha de prata nas Olimpíadas de 2004 e 2008, designada como uma das seis embaixadoras da Copa do Mundo de 2014 no Brasil e, recentemente, considerada pela ONU a Embaixadora da Boa Vontade para mulheres e meninas no esporte.
Marta também foi a primeira mulher a pisar a calçada da fama do Maracanã Foto: Divulgação

Apesar da trajetória incrível, a recompensa que Marta recebe é excessivamente inferior que a do Neymar, por exemplo, que além de ter um salário muito maior, pode ser visto facilmente e com frequência nos noticiários e comerciais de televisão.

Marta representa uma população que busca oportunidades e reconhecimento, e não é preciso ir muito longe para nos atentarmos a essas mulheres. O Portal Revide conversou com três jogadoras da região que sonham com um futebol menos desigual.

Julia Córdoba, de 24 anos, conta sempre gostou muito de esportes, mas foi o futsal que a despertou mais interesse. “Eu comecei a treinar numa escolinha de Pirassununga, onde eu nasci. Eu devia ter uns 12 anos e, desde então, eu não parei mais. Treinei lá por um tempo e, quando entrei para a faculdade, comecei a jogar com o time de Futsal Feminino da FEA-USP de Ribeirão Preto, foi realmente o que eu adotei para minha vida”.

Por não ter um time feminino de futsal na cidade, Júlia treinava com os meninos e, por ser a única menina do time, ouvia, frequentemente, frases como: “lugar de mulher não é no futebol”. Agora, na faculdade, ela tem a oportunidade de treinar em um time feminino, porém, ainda assim, Júlia relata que durante os jogos universitários os comentários machistas que partem dos homens são frequentes e ofendem as mulheres em diferentes âmbitos.
Time de Futsal Feminino FEA USP Ribeirão Preto Foto: Agência B2 Para Júlia, o fato de não ter tido a oportunidade de treinar com garotas desde cedo afetou, diretamente, o seu desenvolvimento no futsal. “Eu ia até lá, fazia o treino, mas não podia participar dos campeonatos, pois só eram aceitos meninos. Então, eu não me profissionalizei. Treinava e voltava para casa porque não havia um time feminino. Isso ocorre, justamente, em razão das mulheres não serem incentivas ao esporte. Por isso, não nascem escolas que têm treinos específicos para meninas. O machismo acaba te privando das coisas. Eu fui privada”, diz.

Pensamentos como “mulher não sabe jogar bola” e “mulher não entende de futebol”, ainda, são frequentes nas cabeças das pessoas e, segundo Júlia, são eles que deixam o futebol e o futsal feminino cada vez mais distante de ter a visibilidade que o masculino tem.

 “Como ele não gera renda, não será televisionado e não terá muito patrocínio. Mas se passasse na TV, mais pessoas assistiriam. É um ciclo que a gente só consegue interromper e mudar se começarmos a transformar a mentalidade das pessoas. Porém, isso só acontecerá quando eliminarmos este preconceito”, finaliza.

Na vida de Elisa Biunessa, de 21 anos, o problema de falta de treinos femininos se repete. Elisa acompanhava, desde pequena, o pai nos jogos da cidade, mas foi em uma seletiva interescolar organizada pela Prefeitura de Cravinhos, aos 10 anos, que descobriu o futsal como algo que levaria para a vida toda. “Depois desse treino, eu já fui atrás de chuteira e comecei a jogar com os garotos da minha sala que, na época, me ameaçavam por eu ser melhor do que eles.”  

Elisa conta que, enquanto estudava em Cravinhos, precisou jogar com os garotos por não ter investimentos em treinos de futsal feminino. O primeiro treino com meninas aconteceu no colegial, quando veio estudar em Ribeirão Preto. Além de jogar, ela conta que sempre gostou muito de acompanhar os jogos na televisão, principalmente para ver os dribles, que, na época, ela categorizava como algo “mágico”. 
Elisa joga, atualmente, no time de futsal feminino da FEA USP de Ribeirão Preto

Atualmente, Elisa também treina com o time feminino da FEA e diz que sente o machismo quando percebe que um jogo de futsal masculino atrai mais pessoas que o feminino. Além disso, os comentários machistas continuam. “Uma vez uns meninos da minha sala tinham um horário para jogar e me chamaram para ir com eles, com o argumento de que eu era melhor do que o pior jogador do time deles”.

Para ela, a falta de investimento no futsal feminino foi determinante para que não se profissionalizasse. “Tudo teria sido diferente, era muito difícil encontrar um time. É preciso mais investimento e conhecimento. Mudanças nas empresas que patrocinam, nas escolas, campanhas que encorajem as meninas. Existem diversos campeonatos femininos, o Brasileiro, Libertadores, Paulista, mas poucas pessoas sabem disso. Só conhecem a seleção brasileira em época de Olimpíadas .”

As desigualdades no meio futebolístico também rodeiam a vida de Maria Júlia Pereira, que deseja representar o esporte dentro e fora das quadras. Estudante de Jornalismo da Universidade de Ribeirão Preto, Maria Júlia, incentivada pela avó, começou a acompanhar os campeonatos muito cedo. Com o tempo, ela continuou a procura pelo esporte sozinha e, por isso, optou pela faculdade de Jornalismo.

“Quando falo sobre o futebol, algumas pessoas acham legal, justamente por eu ser mulher. Mas eu sinto que eu sempre preciso provar. É só iniciar uma conversa sobre o assunto que as pessoas começam a fazer perguntas como: ‘para quem você torce?’, ‘você viu a situação de tal time?’, ‘tá acompanhando tal campeonato?’. Não sinto como se estivesse em uma conversa normal. Se fosse um homem falando que quer fazer jornalismo esportivo, acredito que não fariam ele provar que entende do assunto.”

Maria Júlia estuda Jornalismo na Universidade de Ribeirão Preto e faz parte do time de futsal da Atlética de Comunicação Foto: Indie Click

Maria Júlia cita a Copa do Mundo de 2018 como um exemplo do quanto precisamos de mudanças no futebol. “São várias histórias de assédio, com repórteres e torcedoras. A Copa do Mundo está ai para mostrar o que realmente acontece e o que precisa mudar. Elas estão lá, torcendo ou trabalhando, e alguém, por algum motivo que eu não consigo entender, acha que tem o direito de chegar assediando só por estarem em um ambiente predominantemente masculino. É uma mudança que precisa ter na cabeça das pessoas. Quero poder ter a segurança de ir a um estádio sem me preocupar se vou ou não ser atacada por um homem, poder trabalhar, torcer ou jogar sem me preocupar com esse tipo de atitude, que, na verdade, não deveria existir”, conclui a estudante.


Fotos: Arquivo pessoal

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