Da ascensorista à superintendente: a trajetória de Cássia Amaro
Cassia Amaro trilhou uma carreira ascendente até a superintendente da Fundação Santa Lydia

Da ascensorista à superintendente: a trajetória de Cássia Amaro

Foi a trajetória profissional percorrida em menos de 20 anos pela recém-empossada superintendente da Fundação Santa Lydia, Cassia Amaro, de apenas 37

“Nunca me contentei em esperar pelo que o destino costuma reservar a pessoas com minha origem”. A declaração da recém-empossada superintendente da Fundação Santa Lydia, Cássia Amaro Batista de Santana, faz o novelista que habita em todos nós imaginar uma personagem endurecida por uma vida de dificuldades. Neste caso, porém, a realidade nos brinda com uma bela mulher de 37 anos, fala suave, sorriso fácil e discurso leve e otimista, que jura nunca ter sofrido privação de qualquer natureza e nem episódios de racismo, comuns aos de sua raça negra. “A única coisa mais próxima disso de que me lembro é de uma ou outra pessoa, que só havia falado comigo por telefone, ter demonstrado surpresa ao me conhecer pessoalmente. Mas foram impressões vagas, que nunca se confirmaram [como sendo de racismo estrutural]”, comenta.

 

Quando Cássia é instigada a resumir a própria trajetória, o que mais transparece na narrativa é um sentimento de gratidão de quem teve sorte e ótimos tutores ao longo da vida. Um bom leitor de entrelinhas, porém, percebe que fez mais diferença em sua escalada profissional – de ascensorista de elevador a superintendente da entidade que gere fatia significativa do atendimento de saúde em Ribeirão Preto – a saudável inconformidade confessada na frase acima, aliada a determinação, foco, autoconfiança e altas doses de competência.

 

Cassia é filha orgulhosa dos auxiliares de Enfermagem Conceição Amaro e Gumercindo Batista de Santana (já falecido) e irmã da enfermeira-padrão Camila Amaro, três anos mais velha. Nasceu e cresceu no bairro Santa Cruz do José Jacques, zona Sul de Ribeirão Preto, onde fez todo o Ensino Fundamental na Escola Municipal de Educação Fundamental Raul Machado. O Ensino Médio foi na Escola Estadual Professor Sebastião Fernandes Palma, da Vila Seixas. Em seguida, cursou Técnico em Administração no Centro Paula Souza. Era excelente aluna! “Sempre gostei de estudar e meus pais difundiram em nós uma visão da educação como oportunidade de desenvolvimento e crescimento. E sempre fui muito curiosa por conhecimento”, diz.

 

Escalada

Os 18 anos chegaram com importantes mudanças para Cassia. A família foi morar na primeira casa própria, adquirida no Parque São Sebastião (ficaram oito anos até se mudarem para o Parque Bandeirantes, onde vivem até hoje) e ela foi convocada a assumir, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HC-FMRP/USP), a vaga de ascensorista conquistada em concurso público. Não teve a menor dificuldade de adaptação, pois já considerava o hospital uma “segunda casa”. “Foi muito bacana pelo fato de minha mãe ter conhecido meu pai no hospital, que comecei a frequentar na barriga dela. Pequenininha, ficava na creche para filhos de funcionários. Quando entrei como ascensorista, minha mãe e meu pai ainda trabalhavam e minha irmã também já compunha o quadro de funcionários. Muitos colegas dos meus pais me reconheciam. Brincavam que éramos a ‘família HC’”, lembra.

 

Ali Cassia galgou, de concurso em concurso, uma ascensão profissional meteórica. Ainda como ascensorista, fez curso técnico de Farmácia no Centro Interescolar do HC e prestou concurso para oficial administrativo – foi chamada em 2010 para trabalhar no Laboratório Central de Patologia Clínica do hospital. Ainda no cargo, prestou outro concurso, desta vez para oficial administrativo no setor de Recursos Humanos – foi chamada em 2013, apenas três meses após ter aceitado convite para trabalhar no Departamento de Compras, feito por sua então diretora, Edna Defendi. Nos dez anos em que atuou no RH, tocou a graduação em Ciências Contábeis (2012-2015) e uma pós em Direito do Trabalho e Previdência. Em 2023, recebeu convite para compor o quadro da Divisão de Finanças do HC, feito pelo professor Ricardo Cavalli em pessoa – superintendente do HC à época – e pela chefe de gabinete Deocélia Bassotelli Jardim. Menos de um ano depois, aceitou assumir a diretoria financeira do hospital, em substituição ao diretor anterior, que se aposentava.

 

“Nunca fiquei parada. Cada área por qual passava eu entendia ser uma oportunidade de mais conhecimento. Eu me jogava com medo mesmo, mas também com autoconfiança, que acredito ter herdado da minha mãe, que é uma pessoa sábia e batalhadora, com uma história de vida lindíssima! Ficou órfã aos 9 anos de idade e sobreviveu neste mundo. É nosso alicerce na vida e a grande arquiteta do que sou hoje”, declara, de olhos marejados.

 

Ápice

Em 3 de fevereiro último, Cassia foi surpreendida pelo convite mais desafiador de todos até ali: assumir a superintendência da Fundação Santa Lydia, que gere os hospitais Santa Lydia e de Retaguarda, as Unidades Básicas de Saúde dos bairros Quintino Facci e Cristo Redentor, o Sererp (Serviço de Reabilitação de Ribeirão Preto) e as Unidades de Pronto Atendimento Oeste, Leste, Norte e da Vila Virgínia, com um orçamento anual de R$ 192 milhões. Juntas, tais unidades somam um universo de 1.500 funcionários – inclui os da sede da fundação, atualmente à avenida Maurílio Biagi, 1.510, mas em vias de mudar para outro endereço, ainda não definido.

 

Novamente o convite chegou pelas mãos de Cavalli, mas desta vez por encomenda do atual secretário municipal de Saúde, Mauricio Godinho. “Foi o ápice. Era uma coisa que, de fato, eu não projetava. Fui muito bem recebida e acolhida”, afirma. Apesar de admitir estar em fase de “reconhecimento” do cargo, a nova superintendente diz já ter um plano de ação, que inclui reestruturação o atendimento prestado à população em todas as unidades sob gestão da fundação. “Não existe um prazo definido para concluir, mas nossa pretensão é fazê-lo no tempo mais breve possível. A depender do desafio que venhamos a encontrar, pode ser que para cada unidade leve um tempo diferente”, projeta.

 

Solteira

Atualmente solteira e sem nunca ter se casado, Cassia fala com tranquilidade que apreciaria ter um companheiro e/ou filhos “um dia, se acontecer”, mas que nunca foram condições obrigatórias em sua vida. Desvia-se com paciência e educação das cobranças sociais que toda mulher sofre em relação a esses assuntos. “Acho que contribuir para a formação de outro ser humano é uma grande responsabilidade. Talvez seja a maior tarefa que Deus vá me delegar um dia, talvez não pelas vias normais, pois sou favorável à adoção, até pelo fato de minha mãe ter sido órfã. Mas também não tenho pressa”, diz.

 

Nega ter vivido até aqui só para o trabalho. “Vivo também para viajar”, diz bem-humorada, recitando os destinos que já conhece: no Brasil, Maragogi, Brasília, Salvador, Praia do Forte, Curitiba e Porto de Galinhas, e no exterior, apenas Paris. “É só o começo, porque pensa numa pessoa que adora viajar!”, brinca.

 

E emociona-se de novo quando incentivada a falar sobre sua ascensão a um cargo tão importante ainda tão jovem. “Estou muito feliz!”, diz em um fiapo de voz embargada, que força para concluir a resposta. “Acho que fui muito sortuda a vida toda. Não achava que conseguiria [tanto]. Só peço a Deus para eu conseguir desenvolver um bom trabalho aqui. É só o que quero”.


Lucas Nunes

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