Dois meses depois, inquérito que investigava desaparecimento de cão é arquivado

Dois meses depois, inquérito que investigava desaparecimento de cão é arquivado

Vizinhos e protetores querem saber: onde está o vira-lata Máscara? cão vivia há mais de um ano no cemitério e virou xodó de vizinhos e parte dos funcionários

As publicações nas redes sociais perderam um pouco de força dois meses depois do desaparecimento do cachorro Máscara. Nem mesmo a manifestação com cartazes e presença de um vereador em frente ao cemitério foi o bastante para que alguma pista de onde está o animal chegasse aos protetores da causa animal e vizinhos do cemitério Bom Pastor, na zona Leste de Ribeirão Preto.

 

O caso esfriou um pouco mais depois do dia 10 de março, quando a 1ª Vara Criminal de Ribeirão Preto carimbou o último capítulo do inquérito sobre o desaparecimento do cachorro. Nenhuma acusação, nenhuma conclusão definitiva, apenas a aceitação burocrática de que certas histórias não têm desfecho. A verdade, como um cachorro solto pelas ruas, escapou pelos vãos do processo. “Para nós que somos protetoras da causa animal essa é mais uma história desanimadora e triste por causa da forma como o poder público tratou o caso", lamentou Zilá Richieri, do Instituto Projeto Sem Pedigree.

 

Máscara, um vira-lata de pelos brancos e manchas pretas, principalmente na cabeça – daí o nome –, morava no cemitério Bom Pastor, um território onde vivos e mortos convivem com uma naturalidade estranha. Pelos relatos, ele chegou sem aviso, como um espírito errante, e se acomodou entre os túmulos e as pernas dos funcionários há cerca de um ano e três meses. Ele e sua irmã, a Nina, ainda eram filhotes com não mais do que seis meses, segundo os funcionários que cuidavam deles. Ela foi adotada. Ele ficou no cemitério.Tornou-se mascote, protetor e, para alguns, um incômodo. Ganhou cama, comida e água de alguns funcionários da necrópole.

 

O DESAPARECIMENTO

 

No dia 28 de janeiro, Jacqueline Bezerra de Arruda, uma das vozes mais ativas na defesa do cão, contou à polícia que viu Devanir Ivan Nascimento Liceras, coveiro de longa data do Bom Pastor, colocar Máscara no porta-malas de seu EcoSport. Segundo a denúncia, a retirada do mascote foi uma missão dada pela nova administração. “Sempre visitava o Máscara. Ele era um amor, ajudava a alegrar o ambiente. Infelizmente, tiraram o cachorro do local por capricho e ninguém sabe mais o paradeiro dele. Um verdadeiro absurdo”, conta Jacqueline.

 

Nós tentamos contato com coveiro. O advogado que o representa no caso, Lucca Vignero, respondeu, em nota, que “Devanir é e sempre foi inocente”.

 

A investigação seguiu com a cadência de um romance policial ruim. Para os investigadores, Antônio Alberto Souza Fontenele, vigilante do cemitério, confirmou que ajudou Devanir a colocar o cão no carro, mas disse que era para protegê-lo. Devanir teria adotado Máscara, temendo que sua mania de perseguir carros o condenasse a um fim trágico. Dali, o cachorro foi para uma casa nova. Poucos dias depois, desapareceu. Teria fugido por não estar acostumado a um lar convencional. Fuga, sequestro ou coisa pior, ninguém soube dizer.  A narrativa tem duas direções: para uns, Devanir é um protetor, um homem simples tentando salvar um amigo de quatro patas. Para outros, ele é um executor, obedecendo ordens sombrias. No entanto, a trilha de provas parece tão fina quanto um rastro na areia. Não há câmeras de segurança. Os depoimentos e os áudios apresentados pelos protetores à polícia não provaram nada, segundo a polícia.

 

A defesa de Devanir reforçou que ele “sempre esteve à disposição e contribuiu com as autoridades policiais, ficou comprovado que Devanir jamais fez qualquer mal ao cão Máscara. Por esse motivo, e estando claro que a denúncia era infundada, o inquérito foi arquivado”.

 

Segundo o inquérito policial, José Luiz Pontim, chefe da Divisão de Cemitérios Municipais, negou ter ordenado qualquer extermínio. Stéphanie Magalhães Kockel, chefe da seção do Bom Pastor, afirmou que Devanir levou o cão por conta própria. Outros funcionários e vizinhos confirmaram a versão: Máscara fugiu da casa de seu novo dono e nunca mais foi visto. Como se pode provar um desaparecimento? Como se pode encerrar um caso quando a única testemunha que importa corre, talvez, por alguma rua distante?

 

Susan Ramos é vizinha do cemitério e sempre levava a sua cachorrinha, Briti, para brincar com o Máscara. "Eu já havia mostrado interesse em castrar e vacinar o Máscara, mas a resposta que tive é de que a chefe do cemitério precisaria autorizar. Não posso afirmar nada, mas acho que ele está morto, infelizmente", comentou.

 

O promotor Paulo Cesar Souza Assef foi categórico: “Os elementos amealhados até então não permitem a deflagração da persecução penal na espécie.” Para ele, não havia indícios de crime. “O que se tem no momento não é capaz de esclarecer o sumiço do animal, muito menos que tal situação se deu por dolo de quem quer que seja”. A promotoria, ao arquivar o inquérito, destacou que Máscara sequer era um “cão comunitário” aos olhos da lei. Não havia registro oficial que o protegesse. Seu status jurídico era tão frágil quanto sua presença intermitente no cemitério. Como tantos seres anônimos que vagam pelas margens da sociedade, ele existe sem existir de fato. E assim, seu sumiço não teve culpados, apenas testemunhas divididas entre o alívio e a indignação.

 

Se Máscara ainda vive, ele carrega na pele a poeira das ruas, os odores de lugares que jamais reconheceríamos. Se partiu, seu destino se mistura à névoa dos mistérios urbanos, uma história interrompida por portas fechadas e carimbos impessoais. No fim, restou apenas o arquivo. Mais um papel em uma prateleira esquecida, esperando ser coberto pelo tempo. Mas ainda há história, acredita Jacqueline. “Não vamos descansar até descobrir o que aconteceu. Precisamos de respostas”.

 

Sobre o Máscara, a Prefeitura de Ribeirão Preto confirmou a abertura de um processo administrativo para ouvir os servidores públicos e terceirizados que trabalham na manutenção do cemitério Bom Pastor. O processo ainda está em andamento.

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