
Falta de diálogo da Prefeitura de Ribeirão Preto trava projetos na Câmara Municipal
Somente nos seis primeiros meses de 2018, administração municipal apelou ao Tribunal de Justiça 22 vezes para barrar projetos da Câmara
Só no primeiro semestre de 2018, a Prefeitura de Ribeirão Preto moveu 22 Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adin) contra projetos de leis e emendas da Câmara dos Vereadores. Para vereadores e especialista, a quantidade de ações demonstra uma falta de capacidade de diálogo por parte do Executivo.
A Adin funciona da seguinte forma: todo o projeto de lei votado e aprovado pelo plenário deve ser sancionado pelo prefeito para entrar em vigor. Caso o Chefe do Executivo julgue que o projeto fere a constituição, ele veta. Contudo, a peleja não acaba aí.
O veto volta para a Câmara, onde é votada a derrubada ou não do impedimento. Caso os parlamentares derrubem o veto, a única saída do prefeito é apelar para o Tribunal de Justiça do Estado. E foi isso o que o prefeito Duarte Nogueira (PSDB) fez, 22 vezes, nos seis primeiros meses desse ano.
O presidente da Câmara, Igor Oliveira (MDB), defende a posição da casa de leis em se manter firme aos vetos do Executivo. “A maioria dos projetos é ótima, com mérito voltado para a cidade. Por isso, o colegiado vem insistindo pelas aprovações. Tanto que no Tribunal muitas dessas Adins têm sido consideradas improcedentes e o ganho de causa é favorável ao Legislativo”, comenta o presidente.
O Portal Revide questionou a prefeitura se a quantidade de vetos derrubados pela Câmara não é por falta de diálogo entre os Poderes Executivo e Legislativo municipais. Além disso, também perguntou sobre a falta de articulação com a Casa, apontada pelos parlamentares, tanto por parte do secretário de Governo, Nicanor Lopes, quanto por vereadores do mesmo partido de Nogueira, que, muitas vezes, votaram contra vetos do prefeito.
Por meio de uma nota enxuta, a prefeitura se limitou a responder todos estes questionamentos com apenas uma frase. “A administração municipal acredita que o funcionamento entre os três poderes; Executivo, Legislativo e Judiciário deve ser independente”, afirma a nota, na íntegra.
Sobrou até para o presidente
Igor Oliveira também foi uma das vítimas das Adins do prefeito. O projeto que fez em parceria com o vereador Luciano Mega (PDT), que prevê a instalação de sistema de monitoramento por meio de câmeras de segurança em escolas, unidades de saúde, secretarias e demais órgãos municipais, foi barrado.
O parlamentar alega que o projeto não tem nada de inconstitucional. Segundo ele, em setembro de 2017, o Supremo Tribunal Federal deu causa ganha aos vereadores do Rio de Janeiro em um projeto semelhante. Para o político ribeirãopretano, a decisão abre um precedente para que a mesma lei seja aprovada por aqui. “Segundo o STF, a lei não cria e nem altera a estrutura da administração municipal, ou seja, os ministros entenderam que as câmeras são algo essencial para o bem público e devem ser instaladas”, finaliza Oliveira.
Análise
Para o historiador e cientista político Marcos Candeloro, a quantidade de Adins é preocupante. "São muitos os exemplos sobre a incapacidade de diálogo – alicerce republicano – da gestão Nogueira, inclusive com seu próprio partido", critica Candeloro.
O especialista, contudo, aponta que este não é um problema enfrentado somente pela administração ribeirãopretana. "São notórias as dificuldades impostas pela atual estrutura política do País, e em todas as escalas. Essa problemática é, inclusive, terreno fértil para esquemas de corrupção, ilicitudes e práticas antidemocráticas", explica.
Ainda de acordo com Candeloro, Duarte Nogueira conhece bem as "regras desse jogo"."Ao judicializar a política municipal, o prefeito queima pontes e engessa a própria administração, mas é a cidade que paga o elevado preço consequente. Se algo não mudar, Ribeirão Preto corre o risco de mais dois anos de imobilidade e descaso", finaliza.
Histórico de silêncio
Ao longo do mandato, esta não foi a primeira vez que o Executivo foi acusado de ser pouco favorável ao diálogo.
Começo complicado - Fevereiro de 2017
O ano já começou problemático com quase duas semanas de greves dos servidores públicos, que também reclamavam da falta de diálogo da prefeitura com o funcionalismo.
Um mês depois, na retomada das atividades após o recesso de final de ano, a Câmara aprovou, por unanimidade, a revogação de decretos assinados pelo prefeito. Até a base governista votou em oposição às medidas da Administração Municipal. Com isso, a relação entre o Executivo e o Legislativo municipais ganhou ares de queda de braço apenas 40 dias após o início dos mandatos.
“Falta sensibilidade administrativa a esse Governo, que atacou a nossa água e a nossa luz para fazer caixa. A cidade está em uma situação caótica, mas não vamos resolver os problemas aumentando imposto”, disse Lincoln Fernandes (PDT), à época.
De acordo com o vereador, a suposta falta de diálogo do Executivo com a Câmara não está sendo fator crucial para a derrubada dos decretos. “Nós [a Câmara] queremos, antes de tudo, um Governo com bom senso administrativo. Não adianta nada saber dialogar, mas punir a população”, disse.
Prêmio incentivo – Novembro de 2017
Em uma entrevista coletiva em novembro de 2017, os vereadores questionaram um veto do prefeito Duarte Nogueira ao projeto substitutivo de reestruturação do prêmio-incentivo aos servidores municipais. De forma unânime, os vereadores criticaram a postura da prefeitura de vetar o projeto com as alterações propostas pelo Legislativo e consideraram a Administração Municipal “intransigente” quanto ao diálogo com a Câmara e a população.
A polêmica dos radares – Março de 2018
Esta foi mais uma das discussões que só serão resolvidas no Tribunal de Justiça (TJ). Tudo começou com a aprovação do projeto de lei do vereador Maurício Vila Abranches (PTB), que exigia mais transparência na vistoria dos radares de trânsito pela Empresa de Trânsito e Transporte Urbano de Ribeirão Preto (Transerp). O projeto seguiu o procedimento que se tornou corriqueiro. Foi para a mão do prefeito, recebeu o veto. Voltou para a Câmara e teve o veto derrubado. Por fim, tornou-se mais um pedido de Adin na fila de espera do TJ
Na ocasião, o vereador foi duro com a administração. “Por que a prefeitura não quer publicar essas informações em seu site oficial? Qual o receio? Por que poucas pessoas souberam das reprovações, pelo Inmetro, ao radar da Transerp? Não acredito que divulgar tais informações seja algo inconstitucional. Pelo contrário, os princípios da Administração Pública são: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência”, protestou o vereador.
Sob supervisão de Marina Aranha.
Foto: FL Piton - Prefeitura de Ribeirão Preto