Médico do HC ofendido após falar sobre os cuidados com a Covid-19 será indenizado
A vítima foi Ulysses Strogoff de Matos, que é médico assistente da Unidade Especial de Tratamento de Doenças Infecciosas (UETDI)

Médico do HC ofendido após falar sobre os cuidados com a Covid-19 será indenizado

Homem que ofendeu o médico e criticou as medidas de isolamento disse que não irá retirar os insultos

Um médico do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto deverá receber uma indenização de R$ 10 mil após ser alvo de ataques nas redes sociais por defender as medidas de prevenção ao Covid-19. A decisão foi proferida em um acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) no dia 16 de junho.

 

A vítima foi Ulysses Strogoff de Matos, que é médico assistente da Unidade Especial de Tratamento de Doenças Infecciosas (UETDI) do HC, área destinada exclusivamente ao tratamento da Covid-19. Strogoff também é presidente do Sindicato dos Médicos do Estado de São Paulo (Simesp) em Ribeirão Preto e filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT).

 

No dia 3 de abril de 2020, o médico foi convidado a participar de uma reportagem na emissora EPTV, na qual falava sobre a aglomeração de pessoas em praças e parques, que estava proibida na ocasião por decreto municipal.

 

Um dia após a matéria ir ao ar, a imagem do médico começou a circular no Facebook acompanhada das frases que, no entender da Justiça, caracterizaram injúria e difamação. A publicação partiu do publicitário Genival José da Silva, conhecido como "Gê Silva". O autor da publicação chegou a concorrer ao cargo de vereador nas eleições de 2016 pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). Nas eleições municipais de 2020, Silva participou da campanha do candidato Rodrigo Junqueira do PSL, porém a candidatura foi indeferida

 

Na publicação, Silva chamava Strogoff de "rato", "médico sem caráter", entre outras ofensas. "PTRALHA EX CANDIDATO A VEREADOR PELO PT É O MÉDICO QUE ORIENTA O JORNALISMO DA EPTV", escreveu Silva. Em um dos comentários da mesma publicação, o réu declarou que "as intervenções dele [Strogoff] na EPTV são todas carregadas de maldades políticas, a principal característica dos ptralhas".

 

Ainda na mesma publicação, ele acrescentou: “Que desgraça, todos os ratos saindo da toca de uma vez pra defender o rato da TV",  e  “Quem apoia um médico sem caráter candidato do PT (porque depois de tudo que esse partido fez realmente só tá lá quem não tem caráter ou está interessado numa possível boquinha) e ainda apoia a OMS (por ignorância ou má fé) não merece nenhum respeito.”

 

O médico alegou que a publicação extrapolava a liberdade de expressão e atingia a sua honra. O pedido foi julgado procedente em primeira instância, e foi estipulada a indenização de R$ 10 mil. "O réu [Genival Silva] contestou [...] afirmando que não foi provado o dano moral, porque o alcance das postagens foi ínfimo (houve 34 comentários em um perfil com 4.852 'amigos') explicando que a expressão 'PTralha' foi usada porque o demandante é filiado ao PT, concorrendo a vereador em Ribeirão Preto em 2004 e 2012", consta no processo. 

 

Na apelação, o publicitário alegou que as publicações refletiam o seu sentimento de indignação em relação aos protocolos adotados no combate ao coronavírus, e não ao médico atingido.

 

"Analisando a prova vertida nos autos, observa-se que houve excesso do apelante ao realizar as postagens em suas redes sociais, eis que o conteúdo de suas publicações não se limitou a reclamar ou rebater a entrevista concedida pelo autor ao jornal local. Extravasou e adentrou ao campo pessoal, atingindo a honra e reputação do profissional que concedeu entrevista à TV local na tentativa de esclarecer a população", sustentou o desembargador Enio Zuliani, relator do processo. 

 

O desembargador argumentou que o patrimônio moral das pessoas físicas e jurídicas não pode ser objeto de ataques, servindo de instrumento de desabafo contra o que se entende como "injustiça social". 7

 

"Não é possível que, a pretexto de defender uma posição política, o sujeito que qualifica como culto e formador de opinião, ataque o profissional que concede uma entrevista com nítido propósito de  contribuir para superação da crise sanitária", acrescentou o desembargador. 

 

Outro lado

Procurado pela reportagem, Genival Silva declarou que não retira nenhuma acusação feita ao médico e ao Hospital das Clínicas. "Eu não retiro nada do que disse, continuo achando ele tudo isso e mais que eu não vou falar aqui para não me comprometer. Eu acho ele horrível.  Ele e todos os que seguem a linha dele. São assassinos", afirmou.

 

O publicitário conta que o sogro de seu filho morreu vítima da Covid-19 no HC e culpa Strogoff e o hospital por não adotarem o "tratamento precoce". "Ele [Strogoff] é responsável pela morte do sogro do meu filho por tratamento equivocado do Covid-19. O Hospital das Clínicas trata, ou tratava, os pacientes da Covid de maneira totalmente equivocada, e os médicos sabendo qual era o tratamento correto", disse Silva.

 

Além disso, Silva explicou que Strogoff é um "ativista político do PT" e que vinha sendo chamado com frequência para dar entrevistas na TV. "Esse médico seguia a orientação dada pelo Mandetta que era: 'fique em casa, só procure o HC quando tiver falta de ar'. Quando você sente falta de ar se pulmão já está tomado, aí acabou! Depois da morte do meu sogro você queria que eu fizesse o que? Aqui diz que eu chamei ele de rato, devo ter chamado mesmo e foi pouco", explicou.

 

O publicitário diz que se revoltou com o alcance que as orientações do médico teriam na TV. "Eu me revoltei pela posição dele porque foi pública. Porque ele podia ter tomado a decisão dele lá no HC e continuado matando as pessoas – como vem matando – e eu não ia nem saber quem era ele. Agora o cara vai na TV falar essas besteiras? Tenha dó", criticou.

 

Por fim, Silva declarou que não tem dinheiro para pagar a indenização e que irá recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF). "Eu não tenho dinheiro para pagar esse cara, faz mais de um ano que eu estou sem receita, meu segmento está totalmente parado. Eu não vou pagar esse cara, ele não vai ganhar dinheiro na minhas costas", concluiu.

 

A reportagem entrou em contato com Ulysses Strogoff, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria. 

 

Sem eficácia

Em agosto de 2020, o uma nota assinada por 25 doutores da Universidade de Ribeirão Preto rebateu as críticas direcionadas à instituição pela não adoção dos "kits Covid" e demais tratamentos alternativos sem comprovação científica contra a Covid-19. 

 

O texto contou com o respaldo de professores, médicos, diretores, chefes de departamentos e demais profissionais da saúde da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP (FMRP-USP), do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da  (HCFMRP-USP) e das entidades gerenciadas pela Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência (FAEPA). Veja o texto na íntegra aqui.

 

Contra as fake news

 

O TJSP tem se mantido firme contra tentativas de ataque às medidas sanitárias contra a Covid-19 com o uso de informações falsas. No início do mês, o mesmo colegiado determinou a remoção das redes sociais de seis publicações feitas pelo empresário que invadiu uma área restrita do Polo Covid da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Avenida Treze de Maio, em Ribeirão Preto.

 

O colegiado não acatou o recurso impetrado pelo empresário e manteve a decisão. O Facebook acatou a determinação e retirou os vídeos da plataforma. O acórdão foi motivado por uma ação civil impetrada pela Fundação Santa Lydia, gestora de postos de saúde do município.


Foto: Acervo Revide

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