A Catedral é de todos
Abalada física e – pode-se dizer – “emocionalmente” pela falta de reconhecimento do seu valor, a Catedral Metropolitana de Ribeirão Preto precisa do apoio da população
Quando se entra na Catedral Metropolitana de São Sebastião fora do horário de missas, as luzes estão parcialmente acesas e uma sensação de angústia pode tomar de assalto o coração dos desavisados. O ambiente escuro e as paredes com trincos e infiltrações reflete não apenas um problema estrutural físico, mas também social: o pouco valor que o ribeirãopretano dá ao patrimônio histórico, arquitetônico e cultural que a igreja representa para a cidade. Um patrimônio que, na avaliação do pároco Francisco Jaber Zanardo Moussa, o “Padre Chico”, é de todos.
“O Brasil não é um país que se preocupa com seu patrimônio. Na Itália por exemplo, não se pode fazer qualquer crítica à preservação do patrimônio. Ele é defendido para que as gerações conheçam seu passado e respeitem sua origem. Ribeirão Preto não tem essa sensibilidade, mas não perco a esperança de preservar o pouco que ainda temos, que se torna muito”, desabafa o padre Chico, para quem a catedral fez e ainda faz parte da história de muitas pessoas que têm nascimentos e casamentos ligados a ela. “Além disso, acolhe muitas pessoas trazendo dores na alma ou em busca de um pouco de paz. Afinal, ela tem esse ambiente místico, pacífico e contraditório, onde mesmo estando em meio à agitação e ao barulho do Centro, se mantém silenciosa. É um lugar de paz no meio do caos, um lugar de todos”, acrescenta, buscando sensibilizar as pessoas.
O valor da catedral para Ribeirão Preto é inestimável e sua construção centenária — iniciada em 1904 e concluída por volta de 1918 — representa uma parte importante do patrimônio da cidade, independentemente da fé, aponta a historiadora Nainora Maria Barbosa de Freitas. “O conjunto arquitetônico, que inclui a catedral, a praça e a casa paroquial, faz parte da identidade da cidade. Além do patrimônio material há também o imaterial, por meio das festas e celebrações religiosas e profanas, como as quermesses”, declara. Sem falar também, continua Nainora, na arte presente, não só o conjunto das telas do renomado pintor Benedito Calixto, contando a vida de São Sebastião, padroeiro da catedral e da cidade, como também nas obras de outros artistas e marmoristas que atuaram na decoração da igreja. De acordo com a historiadora, o altar principal, bem como os laterais em mármore, com diferentes tons, revelam a preciosidade dessa arte. “Os vitrais, feitos pela Casa Conrado, são um espetáculo à parte. O piso centenário, que para muitas pessoas pode parecer velho e feio, carrega uma história secular. Muitos passos de esperança, de fé, de tristeza ou apenas de curiosidade passaram por ele. A catedral é uma história viva, que pulsa no centro da cida de”, argumenta Nainora.
Apesar de todo este valor para a cidade, a Catedral Metropolitana de São Sebastião encontra-se há anos em processo de deterioração. Os problemas de infraestrutura que a edificação apresenta são graves. Por toda parte onde se olha, há fissuras aparentes de todos os tamanhos e profundidades e, bem próximo ao altar, em uma vasta área repleta de pinturas, o estrago causado pela infiltração — decorrente de problemas estruturais no telhado —, está “de dar pena”.
"Tenho feito a dedetização, mas o telhado está todo com cupim. Muitas partes já estão comprometidas. As telhas precisam todas ser trocadas, inclusive muitas estão esfarelando com a umidade”, explica padre Chico. Só depois da reforma do telhado, a amarração das rachaduras, dentro e fora da igreja, pode ser feita e a restauração de todas as pinturas, que estão sofrendo com a umidade. “Não adianta restaurar as pinturas, o que será um trabalho de morado e minucioso, sem recuperar o telhado”, ressalta.
Padre Chico observa as rachaduras aumentarem dia a dia, diante do altar onde celebra as missas e intimamente reza também por uma solução que leve à restauração da catedral.
ESTRUTURA ABALADA
Há mais de dez anos, em outubro de 2013, a Revide publicou a matéria de capa “Socorro urgente”, com a conclusão de um laudo técnico que apontava as vibrações geradas pelo trânsito pesa do em frente à catedral, as infiltrações, os vazamentos e a presença de cupins como principais causas da degradação acelerada da construção. Já naquela época, rachaduras nas paredes, no teto, nas colunas e nos arcos, principalmente na parte frontal, e o desnível em alguns pontos do piso precisavam ser sanados com urgência.
Contratado por padre Chico e elaborado por uma equipe de engenheiros, o laudo de mais de 200 páginas concluiu que, para reduzir nos níveis de vibrações que afetam a estrutura da catedral, é necessário retirar o fluxo de veículos pesados do seu entorno, bem como delimitar o uso de equipamentos, a execução de obras ou qualquer outra fonte indutora de fortes vibrações ao redor da edificação. Paralelamente, o documento sugeria a inspeção geral do sistema de irrigação do gramado da praça (em uso e desligado) e de outras redes hidráulicas ou de captação de águas pluviais, a correção das fissuras e dos focos de infiltração, além do aumento da impermeabilização da área onde se localiza a Igreja, com largura mínima de dois metros de calçada. “A vibração entra por baixo da terra e vai atingindo todo obstáculo que encontra, no caso o alicerce, que vai afetando a estrutura da igreja. Claro que também existem outros fatores: o terreno ao redor é fraco e isso influencia toda a questão da umidade; temos também problemas com formigas ao redor da igreja. Tudo isso afeta a estrutura, mas o problema principal é o trânsito. A igreja foi construída quando as pessoas circulavam a pé ou em carroças. Não foi projetada para trânsito intenso. Sinto muita falta de sensibilidade, pois várias outras cidades do Brasil e principalmente fora do país afastam o trânsito de seus patrimônios”, declara padre Chico.
Em nota, a RP Mobi, empresa responsável pelo transporte coletivo público na cidade de Ribeirão Preto, informa que os corredores de ônibus em construção na região central estão recebendo estruturas mais modernas e resistentes, com asfalto de alta resistência, para garantia de maior durabilidade e segurança, a fim de atender à crescente demanda do tráfego urbano. Diz ainda que toda a estrutura foi projetada para prevenir qualquer tipo de interferência na superfície das vias. No entanto, caso haja comprovação de algum impacto na estrutura da Catedral, a RP Mobi, em parceria com especialistas, se dispõe a avaliar alternativas para mitigar qualquer possível dano.
CAPTAÇÃO DE RECURSOS
No final de 2018, a Catedral teve um projeto de captação de recursos no valor de R$ 14 milhões aprovado pelo Ministério da Cultura para seu processo de recuperação e revitalização. No entanto, somente R$ 16 mil foram arrecadados. “Quando estávamos começando a fazer a captação entrou a pandemia. Vivemos todo aquele período de isolamento, não foi possível fazer visitas e o projeto venceu. Formamos uma nova comissão para incluir novamente a proposta, tanto a nível federal quanto estadual, e envolver a comunidade, lideranças e empresas na campanha de recuperação do patrimônio, que é da cidade”, afirma padre Chico.
Com doações das quermesses, de frequentadores e promoção de rifas, uma primeira etapa desse projeto foi realizada em 2019, recuperando toda a parte da fundação, onde estão a sacristia, a secretaria e o arquivo. “Fizemos essa primeira parte porque estava mais crítica, representando risco aos frequentadores. Tínhamos muitas rachaduras onde passava até um braço de uma pessoa. Corria-se o risco de cair alguma parede ou coluna, porque o alicerce nessa parte é mais raso, então era a etapa mais urgente. Agora estamos organizando a segunda etapa, que compreende o telhado e a torre principal, onde está o maior problema estrutural da igreja. Ela já cedeu 20 centímetros para frente e é como o pêndulo de todo o prédio, como se fosse o estabilizador dele”, informa o padre.
De acordo com ele, essa movimentação gera rachaduras por toda parte, pois a estrutura está toda interligada à torre. “Para que parem de aumentar precisamos restaurar, senão podemos até perder o que já foi feito. Esse reforço estrutural, porém, exige uma tecnologia que não é barata. O movimento precisa ser estabilizado, mas ao mesmo tempo respeitado. Não pode ser enrijecido, por isso, o uso de fibra de carbono. Além disso, nesta parte a sustentação é de aço, que está caro”, explica o religioso.
Vencida mais esta etapa, os próximos passos na recuperação serão a restauração da parte hidráulica, elétrica e artística. “Peço a ajuda de todos nesta campanha, não só da comunidade católica, porque a Catedral é uma casa de todos, faz parte das origens da cidade, que cresceu no seu entorno, e permanece sendo uma importante referência turística para Ribeirão Preto”, conclui padre Chico.
CUIDADO TAMBÉM DO LADO DE FORA
Estender o cuidado à praça onde está localizada a catedral foi a forma que padre Chi co encontrou de trazer mais qualidade aos frequentadores. “Aumentamos a iluminação, espalhamos câmeras de segurança, cuidamos da limpeza e contratamos um jardineiro. Agora as pessoas passeiam pela praça, sentam-se nos bancos, vemos até casais namoran do, o que não tinha antes”, comenta ele. Recentemente, a empresa Itograss fez a doação de 1.100 m² de grama esmeralda para o local, mas há necessidade de recuperação do sistema de irrigação antes da sua implantação. “Cuidar da catedral é cuidar da própria alma de Ribeirão Preto, pois ela não é apenas um mar co histórico e arquitetônico, mas também um patrimônio cultural, que reflete a identidade e a fé de nossa comunidade. Por isso, convidamos todos os cidadãos a se unirem a nós neste propósito. Cada um pode fazer a sua parte, seja através de doações, voluntariado ou mesmo com pequenas ações que ajudem a preservar este patrimônio. Juntos, podemos garantir que ela continue sendo um orgulho para Ribeirão Preto, símbolo de nossa rica história e cultura”, afirma Flávio Figueiredo de Andrade, engenheiro agrônomo da empresa.
ADESÃO À CAMPANHA
“A nossa catedral é um rico patrimônio artístico, religioso e cultural e necessita de reforma e restauração. Precisamos cuidar bem dela. O projeto comporta três fases: a primeira, de reforço estrutural na parte de trás da igreja, já foi realizada; as outras duas fases são maiores e mais exigentes. Precisamos da colabora ção de todos, dos fiéis, das instituições, das empresas. Aproveito para agradecer a todos que já colaboraram e vão continuar colaborando com essa campanha.”
Dom Moacir Silva, arcebispo Metropolitano
PROTEÇÃO DA IDENTIDADE
"Preservar a integridade dessa arquitetura não é apenas manter uma construção, mas proteger a identidade cultural de Ribeirão Preto e honrar o legado inestimável deixado por nossos antepassados. A restauração vai além da simples manutenção; trata-se de um investimento na revitalização do Centro Histórico de Ribeirão Preto e na promoção de sua atratividade. Cada etapa desse processo contribui para preservar nossa história, atrair visitantes e fomentar o turismo religioso e cultural.”
Duarte Nogueira prefeito de Ribeirão Preto
SOLUÇÕES
“Há 100 anos, as ruas de terra eram ocupadas por animais e pedestres. Hoje, asfaltadas, dão passagem a veículos cada vez mais complexos, mas a engenharia oferece soluções. Em 1900, cerca de 60 mil pessoas viviam em Ribeirão Preto. Para erguer a Catedral, representando a pujança econômica da queles tempos, produtores se uniram. Se dois ou três fazendeiros de um período, com poucos recursos tecnológicos, foram capazes de nos deixar um patrimônio como este, admirado por todos, imagine o que nós poderemos fazer hoje! Mas, apenas quando e se o debate migrar para o fértil terreno das soluções.”
Fernando Junqueira, presidente da AEEARP
BENEFÍCIO PARA TODOS
“Preservar a catedral não é apenas uma questão de manter viva a memória cultural, histórica e religiosa, mas também uma estratégia eficaz para o desenvolvimento da região central. Patrimônios preservados e valorizados contribuem para tornar o Centro vibrante e atrativo. A circulação de pessoas nesses espaços fortalece o comércio, gera oportunidades de emprego e mantém viva a história da cidade, criando um ambiente onde tradição e modernidade se encontram, para o benefício de toda a comunidade.”
Sandra Brandani Picinato, presidente da Acirp
LEGADO GARANTIDO
“Precisamos intensificar os esforços para proteger este bem. Por demandar obras que, com frequência, são postergadas em razão do alto custo e da baixa visibilidade, a mobilização de atores e mecanismos de monitoramento rigorosos é urgente. Existe, hoje, tecnologia para isso, o que pode potencializar o aproveitamento dos recursos envolvidos. Ao preservar esse bem, cujo valor afetivo para toda a comunidade é expressivo, garante-se a memória da cidade, legando às futuras gerações um testemunho de sua história.”
César Muniz, arquiteto e urbanista, coordenador na Barão de Mauá
REFÉM DO URBANISMO
“Relevante cenário de conciliação, a Catedral já recepcionou múltiplas comemorações, desde concentrações diocesanas e passeatas até eventos cívicos. Muitas autoridades eclesiais e personalidades im portantes do país, ao visitarem a cidade, lá assistiram aos ofícios religiosos e contemplaram a arte sacra própria de seu estilo. Também já acolheu lavradores, operários, trabalhadores e grupos marginalizados socialmente. Na década de 1960, durante manifestação contra a ditadura civil-militar, abrigou estudantes fugindo da repressão. Antes o centro de uma paisagem harmoniosa, onde árvores e arbustos adornavam a ampla área com o Palácio Episcopal ao fundo, a Catedral não tinha ruas cortando sua praça, tampouco prédios tirando sua altivez. Hoje, é refém de uma configuração urbanística equivocada.”
Bruno Paiva Meni, professor e historiador
RESTRIÇÃO DE VEÍCULOS
“Entre os bens mais valiosos da Catedral está o conjunto de pinturas de Benedito Calixto, um dos mais importantes pintores brasileiros do início do século 20. Das grossas paredes da catedral de tijolos e pedras se desta cam, também, os vitrais com motivos religiosos executados pela firma Casa Conrado e, ainda, os enormes sinos fundidos em bronze. Para preservar tudo isso, vale um estudo viário para tornar seu entorno área de passeio para moradores e turistas, restrita à circu lação de veículos.”
Domingos J. L. Guimarães, arquiteto e urbanista, professor no Moura Lacerda
ALMA DA CIDADE
"Frequento a Catedral desde 2007. Ela é o centro eclesial e espiritual da nossa arquidiocese e representa a alma, o centro e o coração da cidade. Nela sempre encontro serenidade, ânimo e coragem para o enfrentamento dos desafios cotidianos. A cate dral acolhe a todos, indistinta mente, oferecendo aconchego, silêncio e renovação. Agora é sua vez de ser acolhida. Sua recuperação é um desafio gigantesco, mas merecido.”
Aureo João Nunes Ribeiro, diácono permanente