Do lixo ao luxo
Grife espanhola vende produtos com estética destroyed e de lixo que passa de R$ 9 mil

Do lixo ao luxo

Grifes de luxo têm apostado em peças com estética “lixo”; tendência é conhecida com trashion

O trashion, termo nascido da junção das palavras em inglês trash (lixo) fashion (moda), trouxe novos olhares – e debates – para as passarelas. Utilizado tanto para classificar elementos criados a partir do reaproveitamento de materiais descartados como para denominar um fenômeno que utiliza a estética do lixo em suas produções, o trashion é cada dia mais procurado pelas marcas de luxo. Apesar de sua fama repentina, com os últimos lançamentos da grife espanhola Balenciaga na linha de tênis destruídos – “Paris Sneaker Destroyed” – ou nas bolsas de sacos de lixos – “Trash Pouch” – é possível encontrar exemplos do trashion ao longo da história da moda.

 

Segundo a professora de moda Cheyenne Cordeiro, europeus orgulhosamente vestindo roupas rasgadas de batalha, até as controversas criações de Vivienne Westwood que conduziram a estética punk na década de 1970 integram o do conceito. “Neste último exemplo, a moda foi usada como uma ferramenta de contracultura, espelhando o descontentamento das classes operárias que refletia nas roupas o que era encontrado nas ruas de Londres: lixo, sujeira, desleixo com a população. O reflexo disso nas roupas não era bem visto na época, mas sua estética perpetua até os dias de hoje, inclusive nas grifes de luxo”, explica.

 

 

CONTROVÉRSIAS

“A grande questão é que ao fazer isso, a indústria pode descaracterizar a relação orgânica entre a contracultura e a estética que havia nesses movimentos críticos e contestadores da sociedade, transformando símbolos de contestação em símbolos de consumo massificado, portanto, sem uma ‘alma’”, explica o cientista social e professor Rafael Emilio Faria.

 

 

Segundo Cheyenne, o estilista da Balenciaga foi um refugiado de guerra de sua terra natal, e usou não só destes elementos na passarela, mas de um conceito apocalíptico para chamar atenção aos conflitos na Ucrânia, onde pessoas fugiam de suas casas levando seus bens em sacos de lixo, com a roupa do corpo. “A Balenciaga se faz presente em programas de assistência em regiões de conflito na Ucrânia, e a moda neste caso, expressa o sentimento caótico que envolve o tema e ainda é usada como uma ferramenta para impactar o espectador”, destaca. “É interessante pela repercussão que ela causa e pela sua potência como uma mensagem de responsabilidade social. Ela vem de uma direção oposta ao brilho e glamour que vemos cotidianamente nos desfiles e por isso consegue furar a bolha e alcançar novos públicos, ainda que o primeiro olhar seja de desagrado”, acrescenta.

 

 

A youtuber e professora de moda Alana Santos Blogger avalia que a tendência só beneficia quem realmente tem condições financeiras de adquirir esses produtos, pelo alto custo das peças trashion. Ela ressalta que apenas pessoas com alto poder aquisitivo tem o benefício de usar roupas com aparência de surradas e serem consideradas tendências da moda. “As pessoas que não possuem um calçado limpo, de ótima qualidade, não são vistas como ‘descoladas’ e seguidoras de tendência, e sim como desleixadas”, pontua. Sobre isso, o professor Faria questiona: “Para quem é essa moda? Ela não está justamente alinhada com a necessidade de se repensar a nossa produção e distribuição da riqueza de forma mais racional? E como isso pode ser, se ela é excludente? São contrastes que não se encaixam em uma sociedade sustentável”, conclui.


Foto: Reprodução Youtube (Balenciaga)

Compartilhar: