
Novos benefícios do canabidiol
Estudo da USP Ribeirão Preto, sob coordenação do professor Leonardo Neves de Andrade, demonstrou o efeito antibacteriano do canabidiol contra infecções das chamadas superbactérias
Em artigo publicado em abril deste ano na revista Scientific Reports, do grupo Nature, um estudo coordenado pelo biomédico Leonardo Neves de Andrade, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP - USP), demonstrou o efeito antibacteriano do canabidiol, substância derivada da Cannabis.
O efeito é obtido em combinação com a polimixina B, antibiótico já utilizado para tratamento de infecções bacterianas, contra as chamadas superbactérias, que conseguem resistir à ação de antibióticos tradicionais. De acordo com o docente, o estudo chama a atenção pelo potencial de reposicionamento de fármaco ao sugerir novas utilizações para o canabidiol, já utilizado como remédio no tratamento de doenças psiquiátricas e distúrbios comportamentais.
O trabalho é resultado dos estudos de mestrado da farmacêutica Nathália Abichabki, sob orientação do professor Andrade, no Programa de Pós-Graduação em Biociências e Biotecnologia (PPG-BBio) da FCFRP da USP. O estudo é uma colaboração da FCFRP-USP com a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, com a Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Unesp em Araraquara e com o Hospital Universitario Ramón y Cajal / Instituto Ramón y Cajal de Investigación Sanitaria (IRYCIS) de Madri-Espanha.
Como foi conduzido esse estudo sobre a combinação do canabidiol com antibiótico?
O canabidiol tem sido investigado quanto à suas atividades antimicrobianas já há algum tempo. Nosso estudo se destacou por dois pontos: o primeiro foi avaliar a atividade do canabidiol ultrapuro, ou seja, nós estudamos a substância em sua forma mais pura. E observamos que ela realmente tinha atividade contra um grupo de bactérias, que chamamos de Gram-positivas.
O que fizemos foi ampliar a quantidade e diversidade de bactérias e contribuímos demonstrando que há um potencial muito grande contra este grupo. Contra outro grupo, as Gram-negativas, o canabidiol sozinho não tinha atividade e aí foi o segundo destaque do nosso trabalho, pois associamos um antibiótico com o canabidiol e tivemos atividade contra essas bactérias.
A novidade é que testamos a combinação do canabidiol com a polimixina B, que é o antibiótico, contra bactérias resistentes à polimixina B. Neste contexto, mesmo a bactéria sendo resistente à polimixina B, esse antibiótico ele desestabiliza a bactéria, não a ponto de matá-la, mas permite que o canabidiol exerça sua função antibacteriana neste grupo de bactérias Gram-negativas.
O que é o canabidiol e qual sua diferença com outras substâncias derivadas da cannabis?
O canabidiol é uma das substâncias que existem na Cannabis Sativa, popularmente conhecida como a planta da maconha. Importante destacar que é uma substância que não tem atividade psicoativa, ou seja, as pessoas que fumam e usam a planta para recreação e sentem a sensação típica da cannabis é devido a outras substâncias como o THC, que tem atividade psicoativa.
O canabidiol tem várias atividades biológicas para tratamento de doenças psiquiátricas, alguns distúrbios de comportamento, mas não tem essa atividade psicoativa quando utilizado de forma ultrapura, que foi o que fizemos em nosso estudo. O canabidiol é liberado no Brasil, Estdos Unidos e Europa. É até vendido em farmácias, mas para tratar doenças muito específicas e é preciso um médico especialista para se utilizar, com uma receita especial. Porém, este canabidiol que existe nas farmácias não serviria para tratar uma infecção bacteriana, pois ele é como se fosse um xarope tomado via oral.
E desta forma não funciona para tratar infecção bacteriana. Para isso, é preciso desenvolver novas formulações farmacêuticas para que seja possível ser injetada na veia do paciente, o que não é fácil devido as características do canabidiol.
Na sua avaliação, quais os riscos que as superbactérias representam atualmente, em relação aos tratamentos tradicionais disponíveis?
Temos vários problemas. O primeiro, que é o mais importante, é de que a infecção por superbactéria tem uma alta taxa de mortalidade. Essas bactérias extremamente resistentes matam muito mais, pois chega uma hora que não tem mais com o que tratar, faltam opções terapêuticas, e isso gera vários problemas decorrentes.
O paciente fica muito mais tempo hospitalizado, gerando um custo para planos de saúde e para o paciente e ele fica exposto a outras infecções. Aumenta a mortalidade e a morbidade, que é o prejuízo que se causa pelo tempo que o paciente fica internado.
Qual a importância do desenvolvimento desse tipo de pesquisa na descoberta de novos tratamentos e medicamentos?
O canabidiol tem uma vantagem muito grande, pois ele já é um fármaco utilizado para tratar outras doenças que não tem nada a ver com infecção bacteriana, mas já conhecemos muito sobre ele e como se comporta no corpo humano. Por isso que nosso estudo chama atenção para o que chamamos de reposicionamento de fármaco.
O canabidiol hoje é posicionado, tem uma atividade contra algumas doenças psiquiátricas, ele tem essa posição farmacêutica. O nosso estudo sugere que ele pode ser reposicionado e também tenha uma posição farmacêutica como antibiótico, mas para isso precisamos melhorar as formulações farmacêuticas e testar em animais de laboratório até chegar aos testes em humanos.
Qual a posição que Ribeirão Preto ocupa no desenvolvimento de estudos e pesquisas, em especial, nas relacionadas à área da saúde e produção de novos medicamentos?
Ribeirão Preto é um dos polos nacionais, até podemos dizer internacionais, de pesquisa, desenvolvimento e tratamento de doenças infeciosas ou não, principalmente nosso polo da USP de Ribeirão Preto onde contamos com pesquisadores das mais diversas áreas da Saúde, então a cidade é destaque nacional e internacional.